Sanções e ameaças sobre o Irã
Apesar dos votos contrários de Turquia e Brasil, novas sanções ao Irã foram aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Ainda que todos concordem em ressaltar que ela não terá grandes efeitos concretos, certamente incidirá na relação de Ahmadinejad com a Rússia, que se torna cada vez mais complexaJacques Lévesque
Não sei mais se os russos são nossos amigos”. O comentário, feito pelo presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad após o anúncio das sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) contra seu país – e aprovadas com o apoio da Rússia – reflete a ambiguidade da relação entre os dois Estados. A partir de agora, os rumos desse relacionamento dependem de duas provas de fogo que estão por vir.
A primeira delas diz respeito ao início das operações da central nuclear de Bushehr, no sudoeste do Irã, que foi várias vezes adiado por Moscou para pressionar Teerã a cumprir as exigências da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, anunciou em Moscou, no último 18 de março, que esta central entraria em funcionamento até o meio deste ano1. A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, presente ao encontro, mostrou-se irritada.
política da moderação
Segunda prova: o fornecimento (ou não) de mísseis de defesa aérea S-300 de curto alcance, comprados pelo Irã mediante contrato de US$ 800 milhões concluído em dezembro de 2007. A liberação do material foi postergada após grande insistência de Washington. Para os EUA, estava subentendido que a posse de tais mísseis por Teerã complicaria o cenário no caso, por exemplo, de bombardeios israelenses. Contudo, ao contrário de outros tipos de armamentos, estes escapam das sanções graças à persuasão da Rússia. Os funcionários do Departamento de Estado americano mostram-se convictos de que a política de “moderação”2 continuará e que esses mísseis não serão entregues. Será que serão ouvidos?
Antes mesmo da apresentação do projeto de sanções, ficou evidente a desconfiança, por parte de Teerã, de Moscou como sua interlocutora. Na verdade, houve até certo desprezo para com os russos, resquício de um sentimento de superioridade herdada da grande civilização persa.
Por outro lado, um especialista em relações comerciais russas que havia sido encarregado, pelas autoridades de seu país, de criar um ambiente amistoso com os iranianos, admitiu seu fracasso e atribuiu isso a uma total falta de interesse por parte da Rússia. “O que temos a aprender com esse país, seja no plano econômico, tecnológico ou cultural?”, ressalta ele. “Assim que se sai a poucos quilômetros de Moscou, vê-se logo que o terceiro mundo é lá e não aqui. Nós temos muito mais em comum com os países da Europa”, conclui.
Alguns pesquisadores, por sua vez, veem o Irã como uma ameaça da qual precisam se defender, sem acreditar na efetividade das sanções draconianas contra este país. Outros se inquietam com a participação da Rússia na elaboração de novas medidas de retaliação. Mas sejam quais forem suas posições, todos os dirigentes políticos e analistas concordam sobre as repercussões catastróficas que esse assunto pode ter no mundo muçulmano em torno da Rússia.
Alexandre Choumiline, diretor de um centro de estudos sobre o Oriente Médio na Academia de Ciências de Moscou, acredita no previsível fracasso das sanções contra o Irã. Segundo ele, isso deve resultar em “bombardeios israelenses sobre as instalações nucleares no mais tardar no final de outubro e Obama não poderá fazer nada para impedir”. Como outros analistas russos, ele assegura que o Irã é “um dos assuntos tratados pessoalmente por Vladimir Putin”.
Na verdade, Putin deseja uma melhoria nas relações com os EUA, mas não pretende pagar um preço alto demais por isso. Para ele, se Washington respeita os interesses russos dentro do antigo espaço soviético não é devido à boa vontade da administração Obama, mas à batalha travada pela Rússia durante anos e que derrubou a extensão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) até a Geórgia e a Ucrânia. Muitos comentaristas próximos de Putin afirmam, com certa arrogância, que os Estados Unidos, engessados no Afeganistão e no Irã, precisam muito mais da Rússia que o inverso.
As sanções de 9 de junho dão um passo além das precedentes, suficiente para irritar Teerã mais além daquilo que Washington gostaria.
Em 27 de junho, Mikhail Margelov, presidente da Comissão de Relações Internacionais na Câmara da Assembleia Federal Russa, afirmou que “as novas sanções contra o Irã não afetariam o comércio e os acordos econômicos” entre os dois países. Em 2008, as exportações da Rússia para o Irã chegaram a US$ 3,34 bilhões, ou seja, um pouco menos de 1% do total de suas exportações – e as vendas de armas não representam mais de US$ 14 milhões (20 vezes menos que o ano anterior). No entanto, o Irã é o principal parceiro econômico da Rússia no Oriente Médio e os dois detêm quase a metade das reservas mundiais de gás. Além dos investimentos da Gazprom no Irã, Moscou pretende manter um diálogo com seus dirigentes para tentar regular um mercado de petróleo em transformação.
inquietude
O anúncio do Conselho de Segurança sobre a intenção de aprovar as sanções precipitou um cenário inesperado: um acordo foi firmado, em 16 de maio de 2010, entre Ahmadinejad, o presidente Lula e o primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdogan. A proposta, aceita por Teerã, é semelhante àquela que os EUA e seus aliados haviam feito em outubro de 2009, mas que hoje acreditam estar desatualizada. Trata-se de um intercâmbio simultâneo, sobre o território turco, entre 1,2 mil quilos de urânio iraniano pouco enriquecido e 120 quilos de combustível enriquecido a 20% para o reator de pesquisa com finalidades médicas de Teerã – o projeto da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) de outubro de 2009 previa que Teerã enviasse seu urânio para a Rússia, e que, posteriormente, 120 quilos do mineral tratado e enriquecido, seriam reenviados ao Irã. Esse “posteriormente” inquietou a república islâmica, que temia estar fazendo um mau negócio.
O constrangimento de Washington salta aos olhos: os tradicionais “desordeiros do pedaço”, que intervieram no Conselho de Segurança para levantar objeções contra todas as novas medidas coercivas contra o Irã – Rússia e China –, foram substituídos momentaneamente por Brasil e Turquia. Lula goza de uma excelente reputação não somente no terceiro mundo, mas em todo o Ocidente. E a Turquia, além de ser um Estado democrático reconhecido, pertence à OTAN. O voto negativo dessas duas potências regionais fere a legitimidade dentro da qual a administração Obama queria envelopar as sanções.
Jacques Lévesque é professor da faculdade de Ciências Políticas e Direito da Universidade de Québec, em Montreal, e autor, entre outros livros, de 1989, la fin d’un empire: l’URSS e la libération de l’Europe de l’Est. [1989, o fim de um império: a URSS e a libertação do Leste Europeu], Paris, Presses de Sciences Po, 1995.