Se o futuro existe…
É preciso, sobretudo, gerar uma nova consciência e educar os investidores e seus programas diante do clamor da terra frente às mudanças climáticas. Trata-se de buscar envolver, mais uma vez, a sociedade moderna para corrigir suas contradições e assumir o compromisso do direito coletivo na busca do bem comum
Ao longo da história os povos indígenas desenvolveram um sistema socioeconômico baseado em modelos tradicionais de qualidade de vida. Um processo dinâmico – cultural e espiritual – da terra, do saber, da ciência e da educação que a modernidade jamais conseguiu mensurar.
Atualmente, com o reconhecimento de quase 14% do Brasil como terra indígena, nosso país se afirma como moderno e megadiverso diante de outras nações. Fundado em uma base ancestral, o Brasil conta com 230 sociedades étnicas que falam 180 línguas e que envolve todos, dos indígenas urbanos até os povos sem qualquer contato com o homem branco.
No passado, o modelo socioeconômico original e tradicional levou os indígenas a recepcionar, sem discriminação, exclusão ou pré-requisito de renda per capita, povos e etnias das mais diversas origens para formar um novo país. Essa nova sociedade passou a responder aos povos originais com a ilusão de uma civilização moderna, utilizando-se de manipulação e dominação sob a óptica da colonização cultural, social, religiosa e militar, que ainda hoje se mantém sob o nome de globalização. E, com a justificativa de progresso, passou a definir o lugar indígena nessa relação: seria a camada social mais baixa entre os critérios de desenvolvimento humano, o que resultou na perda da auto-estima, da identidade cultural e até das nossas terras originais.
Atualmente, a reação indígena carrega um desafio a mais: é preciso, sobretudo, gerar uma nova consciência e educar os investidores e seus programas diante do clamor da terra frente às mudanças climáticas. Como parte dessa preocupação e do saber indígena, trata-se de buscar envolver, mais uma vez, a sociedade moderna para corrigir suas contradições e assumir o compromisso do direito coletivo na busca do bem comum, ainda que historicamente tudo isso seja resultado de investimentos mal aplicados pelo próprio colonizador.
Qualquer impacto em terras indígenas, seja dentro delas ou em seu entorno, sempre coloca em risco as comunidades. Observa-se que em nenhum plano, no presente ou no passado, foi considerada a especificidade étnica de povos que não têm mecanismo de defesa pela ausência de uma tradição capitalista. Assim nasceram justificativas, sob a forma de solidariedade, compensação ou indenização, diante da catástrofe socioambiental e comunitária sofrida pela mãe terra e seus inquilinos tradicionais. Na verdade, esta situação era produto de bens materiais ou do sistema financeiro-monetário, que teve como resultado a pobreza e maior dependência, contrariando a expectativa de autonomia.
É dever constitucional do governo federal demarcar as terras indígenas. A demarcação é o principal sonho indígena para as Metas do Milênio, afinal são hábitats com quadrantes ecológicos da Amazônia, Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Semi-Árido.
Assim, a recomendação dos povos indígenas começa com a demonstração de que todos os modelos aplicados no passado foram contraditórios e inconseqüentes no relacionamento econômico. Por isso, na busca de novos caminhos, velhos hábitos e preconceitos devem ser superados, como o tratamento dos indígenas como incapazes ou vítimas carentes de compensação.
Existe um compromisso desses povos com a qualidade de vida no mundo, mas as diversas instituições multilaterais econômico-financeiras carecem de relatórios com mais demandas que análises, que apontem caminhos para um novo modelo de desenvolvimento de sustentabilidade social e ambiental, para produzir uma economia que respeite direitos coletivos e fortaleça responsabilidades individuais para a geração de renda.
Há uma premente necessidade de propor formas de desenvolvimento com sustentabilidade. Especificamente no caso indígena, uma necessidade de organizar ações de resgate e fortalecimento da identidade cultural, assim como de identificação e capacitação humana e étnica para a gestão territorial e proteção ambiental, com acesso a novas tecnologias e conhecimentos, inclusive como forma de diminuir a migração indígena para os centros urbanos.
Se o futuro existe, nós, como povos indígenas, queremos ser parte dele. E exercer uma responsabilidade ancestral que não veja no meio ambiente, na biodiversidade ou nas águas potáveis apenas fontes mercadológicas. Queremos deles respeito e proteção ambiental com gestão co-participativa social, econômica, cultural e até mesmo espiritual. Partilhar uma linguagem indígena de respeito mútuo diante dos impactos ambientais e para o bem-viver da terra e da humanidade.
*Marcos Terena é articulador indígena junto à ONU, membro da Cátedra Indígena Itinerante, escritor e comunicador indígena, filho do povo terena do Pantanal do Mato Grosso do Sul. É presidente do Comitê Intertribal e diretor do Memorial dos Povos Indígenas (MPI-DF).