Sem filtro, sem make: bolsonarismo e estetização da política na era do selfie
O representante simbólico do “homem comum” ocupa hoje o Palácio do Planalto. Ele não se propõe a discutir ou a ganhar debates. Surdo, ele mira a primazia do olhar. São enxurradas de views e likes
Imagem 1, 18 de junho de 2020. Sofá, lareira, poltronas, rack, TV de plasma, fitas de VHS, abajur, flores de plástico, tapete, ventilador, telefone sem fio, aromatizador de ambiente. Azulejo cerâmico lustrado. Lareira revestida com tijolo aparente. Oratório de madeira escura. Raquete mata-mosquito. A casa de final de semana. Primo, cunhada, amigo da filha. Um convite. Churrasco. Ângulo torto, pouca resolução. As quatro ou cinco variações da mesma cena apresentam poucas alterações. Em uma das variações vê-se o reflexo do fotografo no vidro cheio de adesivos. Fotografias feitas com celular. Por meio da análise dos objetos, pouco se pode saber sobre os moradores e frequentadores da casa. Sabe-se pouco. Sabe-se demais. Destaca-se na imagem uma insólita composição – motivo da veiculação e replicação. No centro da sala, o estranho familiar. Em cima da lareira, um cartaz do AI-5 e três bonecos de plástico. Três miniaturas do mesmo personagem. Tony Montana, do filme Scarface (1983), interpretado por Al Pacino. O drama policial está entre os filmes mais violentos da indústria cultural hollywoodiana. O enredo apresenta a ascensão de um imigrante cubano no mundo do tráfico estadunidense. Tony Montana, de lavador de pratos a chefe do império da cocaína em Miami. Frase célebre: “Say hello to my little friend”. O “amiguinho” do miliciano Tony é uma metralhadora M16, customizada com um lança-granadas acoplado. “Scarface: The World Is Yours”, colecionável em vários formatos.
Imagem 2, 19 de outubro de 2018. Mesa, cadeira, celular. Garrafa térmica preta. Copo americano. Lata de leite condensado, faca de serra, pão francês. Farelo de pão. Tijolo aparente. Azulejo cerâmico empoeirado. Mesa e cadeira de madeira escura, envernizadas. Pão apoiado sobre a mesa, sem prato. Tela do celular, Whatsapp. Angulo torto, pouca resolução. Na fotografia, o candidato à Presidência da República serve café, enquanto observa a tela do celular. Ele veste uma camisa de futebol – presumivelmente falsificada, o que mobiliza comentários no Instagram. Identificação. O singular generalizável. Parede, piso, mobiliário indicam a locação: varanda ou garagem. Churrasco. Um convite. A materialidade dos objetos desvela o enquadramento fronteiriço. Público e privado confundem-se. Instagram, Twitter, Facebook. No primeiro plano da imagem, a faca e o queijo, à mão.
Uma nota de 1935. Uma nota de rodapé empoeirada – sobre o caráter revolucionário das massas auto-organizadas. A nota encontra-se na segunda versão (a primeira considerada pronta) do ensaio “A obra de arte na época de sua produtibilidade técnica”, de Walter Benjamin. A nota contrapõe a mobilização fascista das massas – compactadas, segundo ele – à ação revolucionária de indivíduos autodeterminados que obedecem a uma razão coletiva.1 Estetização da política e compactação das massas. Afrouxamento das massas e politização da arte. Duplos. O afrouxamento das massas produzido pela ação revolucionária seria, para Benjamin, a antítese da “constituição corrupta das massas, que o fascismo procura pôr no lugar de sua consciência de classe”.2 Um diagnóstico de época. Um prognóstico.
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Duas imagens que poderiam ser 4.038 x 17.1 milhões.3 Sem make, sem filtro. Bolsonaro despontou na mídia em 2010, nas redes sociais em meados de 2013 e popularizou-se três anos depois.4 Em velocidade galopante, no arco de sete anos as postagens do “mito” foram de 2.299 para 216.719 curtidas.5 Entre seguidores e bots a enxurrada de views e likes segue ascendente.
A análise das primeiras postagens de Bolsonaro revela um percurso relativamente coerente. A sintaxe é clara: Fardas. Armas. Camisa de futebol falsificada. Helicópteros. Cavalos. Crianças. Estrela de Davi. Candelabros. Crucifixo. Oratória. Garrafas térmicas. Copo americano. Pão. Manteiga. Madeira escura envernizada. Jet-ski. Churrasco. Prato feito. Pela Pátria. Pela família. Pela propriedade privada.
Na esteira do que ficou conhecido como as Jornadas de Junho, o “homem cru” capitalizou ou foi capitalizado pela reação. O refluxo foi maior do que os suspiros de insurreição, os vácuos da crise de hegemonia burguesa rapidamente ocupados por uma extrema direita até então fora dos holofotes. O homem que, em 2013, não sabia interagir “com o difícil mundo virtual”6 consolidou-se no cenário político e nas redes sociais em 2016, na ocasião do espetaculoso impeachment de Dilma Rouseff.
Em 17 de abril de 2016, o Brasil parou para ver à votação pela abertura do processo no plenário da Câmara. Trezentos e sessenta e sete votaram sim. Cento e trinta e sete votaram não. A Câmara determinou a abertura do processo de impeachment.
Um show de horrores:
“Pelos militares de 64, hoje e sempre, pelas polícias, em nome de Deus e da família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia” (Eduardo Bolsonaro, PSC-SP).
“… em defesa da vida, da família e da fé, voto ‘sim’” (Erivelton Santana, PEN-BA).
“Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor! Em defesa da vida, da família, da moral, dos bons costumes, contra a corrupção e não desistindo do Brasil, meu voto é ‘sim’” (Pastor Eurico, PHS-PE).
“… pela paz de Jerusalém, eu voto “sim” (Ronaldo Fonseca, PROS-DF).
“Pela minha família! Meus filhos, Estevão, Amanda, pela minha esposa, pelos meus pais, pelo meu estado de Goiás, pelo futuro do Brasil, eu digo sim!” (Fabio Sousa, PSDB-GO).
“…Perderam em 1964 e agora em 2016. Pela família e inocência das crianças que o PT nunca respeitou, contra o comunismo, o Foro de São Paulo e em memória do coronel Brilhante Ustra, o meu voto é ‘sim’” (Jair Bolsonaro, PSC-RJ).7
Não faz tanto tempo. 2016. Já estava tudo ali. Tony Montana. AI-5. Milícia e exército no centro da sala. “Os bons costumes”. A “gente da gente”. Decisões parlamentares calcadas em interesses e gostos privados. Decisões parlamentares calcadas em interesses e gostos de uma minoria de proprietários. A plataforma política sem filtro, sem make. Esvaziados, os teatros e os parlamentos foram suplantados pelo rádio, pelo cinema e pela televisão – hoje, são todos suplantados pelo Twitter e pelo Instagram.
Em 2013, a virada midiática na veiculação das noticiais e imagens sobre as Jornadas de Junho causou espanto. Da noite para o dia, vândalos tornaram-se manifestantes. Da noite para o dia a pauta da redução da tarifa de ônibus tornou-se a do combate à corrupção. Cartazes que reivindicavam a intervenção militar despontaram no cenário. Lá em 2013, nas tais Jornadas de Junho.
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A crise das condições de exposição do homem político, escreveu Benjamin em 1935, acompanhou a crise das democracias.8 As transformações no modo de representação e exposição advindas com as modernas técnicas de reprodução (cinema, fotografia e rádio) não impactaram apenas os teatros (ou, seja, a esfera artístico-cultural). Seus efeitos puderam ser notados também no campo da política. Especialmente no fascismo. Diante do aparato, o campeão, o astro e o ditador conectaram-se diretamente às massas.
Essas mudanças constatadas por Benjamin não poderiam ser estendidas aos novos aparatos de reprodutibilidade técnica? Em que medida câmera de celular, smartphone, computador, Twitter e Instagram amplificaram tais mudanças? No século XXI, o pódio não seria justamente as redes sociais? Sem filtro, sem mediação.
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Devidamente trajado para um churrasco de domingo, o novo “líder carismático” conecta-se diretamente com seu público. Diante do aparato (smartphone, computador, Twitter e Instagram) o político do século XXI fala, é visto e ouvido simultaneamente por um número ilimitado de pessoas em um número ilimitado de lugares.
O “pai dos povos”, o “condutor”, o “grande outro”9 foi atualizado e suplantado pelo representante simbólico de si mesmo. Com traços do chefe carismático, si mesmo é mórbido, fálico, cru.10 Sem make, sem filtro, o representante simbólico do “homem comum” ocupa hoje o Palácio do Planalto. Ele não se propõe a discutir ou a ganhar debates. Surdo, ele mira a primazia do olhar.11 São enxurradas de views e likes.
O representante distorcido de si mesmo alude à ruptura da barreira obra-público. Astro-espectador. Tal qual o carismático personagem Tony Montana, Bolsonaro encarna uma trajetória ascendente. O “homem simples” atinge o topo do poder. “The World Is Yours”.
A mobilização bem-sucedida de afetos e imaginários pode ser facilmente mapeada nos comentários do Instagram de Bolsonaro. “Homem simples, com hábitos simples”. “Simplicidade em pessoa”. “Um brasileiro, igualzinho a nós”. “Pessoa de verdade”. “Gente da gente”. “Presidente raiz”. “Foto real”. “Tão familiar… até parece nós”. “Com o coração de ouro”. Comentários como esses são frequentes. Comentários como esses são não são uma casualidade. Vocabulário, vestuário, locação, técnicas e dispositivos de comunicação adotados ludibriam o espectador.
A crença na eliminação da mediação e na verdade documental da crueza da imagem tosca operam com a identificação narcísica do selfie. Capitaneada pela bandeira da luta contra a corrupção, a resposta do pequeno grupo de proprietários à crise da representação foi caricata. Atinente às suas variantes econômicas e estéticas, a lógica do self management e do selfie são conjugadas na figura do chefe de Estado, sem filtro, sem maquiagem. Cru. “Honesto”. “Simples”. Um homem que fala o que pensa. Fala sem filtro:
– “E daí”?12
Diante da crise da representação, sem filtro, sem make mobiliza afeto e imaginário. “E daí?”. Sem filtros ele dá voz às forças reacionárias estruturais. Aquelas mesmas forças que se viram ameaçadas pelo vislumbre de ações afirmativas sociais, étnico-raciais, de pluralidade de gênero e orientação sexual. A ausência de filtros discursivos, éticos e morais mobilizam, aquilo que Benjamin nomeou de as energias da embriaguez.13 Metamorfoses de energias revolucionárias.
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A hashtag #semfiltrosemmake, popularizou-se em 2014 e segue em uso. Sem filtro, sem make é parte de uma das inúmeras correntes virtuais nas quais, mobilizadas por uma questão ou desafio, pessoas postam, em seus perfis de Twitter, Facebook ou Instagram, fotos de si mesmas. As postagens #semfiltrosemmake são caracterizadas geralmente por selfies supostamente sem edição e sem maquiagem14. Redundantes, ambos os termos aludem às falsificações e trucagens fotográficas.15 Seu uso aponta uma crença e uma demanda pela representação “honesta” da realidade.
Potenciais compactadores de massas, correntes e hashtags são contagiantes. A adesão costuma ser massiva e sem ressalvas. Hastags, correntes e outras modalidades de participações virtuais análogas poderiam ser consideradas mecanismos de inclusão passiva?16
Na estetização da política fascista histórica, a “função organizadora” e a práxis política da arte metamorfosearam-se em uma nova forma de Estado ampliado, para a contenção das massas, manutenção dos privilégios de classe e modernização do aparato produtivo italiano. Na era do selfie, o potencial revolucionário da câmera e da “democratização” dos meios de produção da imagem e da informação aprofundaram a coisificação e compactação das massas.
Recentemente vimos nossos feeds repletos de telas pretas. #blackouttuesday. No bojo das manifestações antirracistas estadunidenses, a indústria da música lançou uma hashtag viral. A proposta era um convite à reflexão, disseram. Um apagão (blackout) nas redes sociais. Uma pausa reflexiva proporcionada pela indústria cultural. O tema da reflexão seria o racismo, black lives metter.
Para um espectador já familiarizado com a lógica das correntes e hastaghs, participar da #blackouttuesday foi tarefa simples. Bastava postar uma tela preta no próprio feed do Twitter, do Facebook ou do Instagram.
Com a adesão massiva, a iniciativa da indústria da música se proliferou para toda a indústria do entretenimento e seus espectadores.17 Um grande imbróglio. Uma alusão espetacular às greves. Uma amostragem do poder de adesão e contágio. A produção em massa de gestos e funções humanas pelas redes sociais.18
O blackout da indústria musical, conforme noticiado posteriormente, foi um desserviço às manifestações em curso. A sobreposição de hashtags19 gerou desinformação, esvaziamento e apagamento dos conteúdos relacionados aos protestos e debates. Conteúdos veiculados pelos manifestantes sob a hashtag #BlackLivesMatter (como: data, local, número de prisões etc.) se perderam no apagão promovido pela indústria do entretenimento. “The Show Must Be Paused”.
Correntes e hashtags como essas têm mobilizado os afetos e capturado o interesse “originário e justificado” das massas pela tela. Um interesse justificado porque de “autoconhecimento e, com isso, conhecimento de classe”, como escreveu Benjamin em 1935.20 Na primeira metade do século XX, o fascismo capitalizou esse interesse com a espetacularização de si mesmo.21 Hoje, a satisfação artística da percepção sensorial transformada pela técnica parece ser mobilizada pelos mesmos mecanismos de auto-alienação. Os dispositivos, as escalas e as equações são outras. Os resultados não tão diferentes.
Na era do selfie, as representações fotográficas de movimentações de massas não são mais os músculos do rosto do chefe carismático.22 Não é mais o reflexo especular das massas que se destaca e se multiplica, é o próprio selfie. As projeções no lugar do produto. A coisa pelas relações sociais.23
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As filmagens de péssima qualidade, geralmente de celular. O descuido com os enquadramentos, ângulos, foco e iluminação. As chinelas, bermudas e camisas de futebol falsificadas. A lata de leite condessado. A garrafa térmica. O mobiliário genérico. O linguajar escrachado. A diluição entre o público e o privado. A substituição do parlamento pelas postagens e pronunciamentos em redes de comunicação pessoal. Fenômenos mórbidos variados.
No século XXI, a exposição de si mesmo diante do aparato opera em primeiro plano – das hashtags contagiantes à figura do chefe de Estado. Por meio da câmera e das redes de comunicação fala-se “diretamente” a cada expectador atomizado. A ilusão de controle da produção e difusão da própria imagem radicalizou a auto-deglutição. Tudo desfila e é visto.24 Vemos. Consumimos. Consumimos desesperados. Desesperadamente isolados em nossos interesses privados, contemplamos o espetáculo diário de nossa autodestruição – sob a forma de lives infinitas.
Por convicção ou por necessidade as massas compactadas aderem à veneração da imagem distorcida de si mesmas. Avalanches de views. Enxurradas de likes. Uma embriaguez. Uma adesão passional. “Fla-Flu”. Coisificadas e anestetisadas,25 as massas extrapolam o próprio corpo. Por sugestão ou por contágio, atuam e encarnam sentimentos que lhes seriam estranhos enquanto indivíduos autodeterminados.
Nos anos 1930, a coisificação das massas na recepção estética (narcísica, contemplativa e passiva)26 dos registros técnicos de comícios e desfiles monstruosos atingiu seu ápice na mobilização fascista de uma sociedade inteira para a guerra. Nos anos 2020, em tempos de pandemia, a coisificação de si mesmo (no self management estético validado por likes e views) parece atingir seu ápice na mobilização de uma inteira sociedade para o suicídio27. Sem filtro, sem make. Depois do ápice há de vir a queda.
Clara Figueiredo é doutora e mestre em Artes Visuais pela ECA/USP. Autora da tese “Fotografia: entre fato e farsa (URSS-Itália, 1928-1934)” e do capítulo de livro “Construtivismo russo: história, estética e política” (Livro: 1917: O ano que abalou o mundo, Boitempo, 2017). Ver: <http://lattes.cnpq.br/8612552632543905>.
1 A nota em questão foi pouco tematizada, ainda que não tenha passado desapercebida pelos leitores atentos. Conforme apontado em 2011 por Marc Berdet, benjaminiólogo, T. Adorno destacou a nota em sua primeira leitura do ensaio. Em 18 de março de 1936, Adorno escreveu em carta para Benjamin: “Não posso concluir sem deixar de lhe dizer que suas poucas frases sobre a desintegração do proletariado como ‘massa’, graças à revolução, se contam entre aquelas mais profundas e poderosas que pude encontrar na teoria política desde que li O Estado e a revolução (Lênin, 1917)”. ADORNO, T., “Correspondência de 18 de março de 1936”, in: BENJAMIN, W.; SCHÖTTKER, D.; BUCK-MORSS, S., Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção, Contraponto, 2012, p. 139. Ver: BERDET, M., “Walter Benjamin et la question des masses”, in: Contretemps, n 10, Paris, Syllepses, juin 2011, pp. 121-125.
2 BENJAMIN, W., A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica (1935-1936), trad. Francisco de Ambrosis Pinheiro Machado, Porto Alegre, Zouk, 2012, p. 77.
3 Os números da equação 4.038 x 17.1 milhões referem-se ao número de postagens do perfil do Instagram de Jair Bolsonaro no dia 13 de julho de 2020 x o número de seguidores do mesmo perfil e data.
4 Entre 2010 e 2011, Bolsonaro ganhou visibilidade midiática com participações controversas em programas como CQC, Pânico e Superpop. Em 2013, um dos perfis de Instagram que catapultaram o então deputado federal foi o @bolsonarozuero. Nas ocasiões, a visibilidade de Bolsonaro estava calcada na chacota e na polêmica gerada pelos disparates do parlamentar e sua falta sem filtro discursivo, ético e moral.
5 O número 2.299 não leva em conta as curtidas retroativas. No entanto, mediante a análise da datação dos comentários, podemos conjecturar que o número de curtidas em 2013 era inferior a 2.299. Na primeira postagem do perfil de Bolsonaro, datada de 11 de março de 2013, temos comentário de 12 de julho de 2020.
6 Frase escrita por Bolsonaro na legenda de uma postagem de Instagram datada de 9 de setembro de 2013.
8 BENJAMIN, W., A obra de arte…, op. cit., nota-de-rodapé XI, p. 78.
9 Ver: COHEN, Y., Le siècle des chefs: une histoire transnationale du commandement et de l’autorité (1890-1940), Paris, Éditions Amsterdam, 2013.
10 Vale mencionar que uma análise visual do Instagram de Bolsonaro aponta não só para cenas e objetos da sintaxe visual popular (no sentido de pop), mas também para o repertório iconográfico do líder carismático do século XX. Não são raras imagens de Bolsonaro montado a cavalo, segurando crianças, com o olhar para o futuro, associado a forças militares, destacando-se da multidão etc.
11 Sobre a questão da primazia do olhar ver: BENJAMIN, W., “A Paris do Segundo Império na obra de Baudelaire”, in: BENJAMIN, W., Baudelaire e a modernidade, trad. João Barrento, Belo Horizonte, Autêntica, 2015, p. 40 e BUCK-MORSS, S., “Estética e anestésica: uma reconsideração de A obra de arte de Walter Benjamin”, in: BENJAMIN, W.; SCHÖTTKER, D.; BUCK-MORSS, S., Benjamin e…, op.cit., pp. 155-204.
12 Em 28 de abril de 2020, Bolsonaro respondeu aos questionamentos de uma repórter sobre o aumento do número de mortes por covid-19 no Brasil (5.017 morte, na data) com a frase: “E, daí?”.
13 Ver: BENJAMIN, W., “O surrealismo. O último instantâneo da inteligência europeia”, in: BENJAMIN, W., Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política, ed. São Paulo, Brasiliense, 1985.
14 A lógica descrita acima aplica-sa também para as variantes da hashtag #semfiltrosemmake, tais como: #semfiltro; #semmake; #semmaquiagem; #semfiltroesemmake; #semfiltrosemake.
15 O termo filtro refere-se aos filtros de edição fotográfica disponibilizados por aplicativos como o Instagram. O termo Make, abreviação de make-up, maquiagem.
16 O conceito de inclusão passiva adotado aqui é entendido a partir da noção gramsciana de “revolução passiva”. Ver: GRAMSCI, A., Quaderni del carcere, edizione critica dell’Istituto Gramsci, org. Valentino Gerratana, Torino: Einaudi, 2007. Segundo os estudiosos de Gramsci, F. Frosini e P. Thomas, um dos elementos-chave do conceito de “revolução passiva” seria a capacidade de elaboração de métodos de assimilação, contenção e inclusão “molecular” das massas – e seus impulsos transformadores – dentro de um projeto de manutenção hegemônica burguesa. Ver: FROSINI, F., “Fascismo, parlamentarismo e lotta per il comunismo in gramsci”, in: Laboratorio Culturale, pp. 29-35, 2011; e, THOMAS, P., “Modernity as ‘passive revolution’: Gramsci and the fundamental concepts of historical materialism”, in: Journal of the Canadian Historical Association / Revue de la Société historique du Canada, n° 2, Quebec, Montereal: Érudit, 2006, pp. 61-78.
17 Plataformas de streaming musical, como Spotify adicionaram uma pausa de 8 minutos e 46 segundos de silêncio a algumas playlists e podcasts. Quarenta e seis segundos foi o tempo que o policial Derek Chauvin ficou com o joelho pressionando o pescoço de Floyd, o que resultou em sua morte.
18 “A reprodução em massa das obras de arte não está, assim, apenas ligada à produção em massa de produtos industriais, mas também à reprodução em massa de atitudes e funções humanas”. BENJAMIN, W., “Arquivo Benjamin, manuscrito n. 383”, in: BENJAMIN, W., Estética e sociologia da arte, trad. João Barrento, São Paulo, Autêntica, 2017, p. 240 (paralipômenos).
19 A hashtag #blackouttuesday ganhou capilaridade global, geralmente associada à hashtag das manifestações antiracistas #BlackLivesMatter.
20 BENJAMIN, W., A obra de arte na época…, op.cit., p. 83.
21 “‘Faça-se arte, pereça o mundo’, diz o fascismo e espera a satisfação artística da percepção sensorial transformada pela técnica. […] A humanidade, que outrora, em Homero, foi objeto de espetáculo para os deuses olímpicos, tornou-se agora objeto de espetáculo para si mesma”. BENJAMIN, W., A obra de arte na época…, op.cit., p. 117.
22 Tal afirmação ganha mais força se ilustrada com cartazes e fotomontagens fascistas de época, nas quais as linhas da silhueta de Mussolini eram preenchidas com cenas de grandes comícios e desfiles monstruosos.
23 “Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Para encontrar um símile, temos de recorrer à região da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo a isso de fetichismo”. MARX, K., O capital: crítica da economia política: livro I, trad. de Reginaldo Sant’Anna, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006, p. 94.
24 BENJAMIN, W., “A Paris do Segundo Império na obra de Baudelaire”, in: BENJAMIN, W., Baudelaire…, op.cit., p. 38.
25 BUCK-MORSS, S., “Estética e anestésica: uma reconsideração de A obra de arte de Walter Benjamin”, in: BENJAMIN, W., Benjamin…, op.cit., pp. 155-204.
26 GRAMSCI, A., Quaderni…, op.cit.
27 SAFATLE, V., Bem-vindo ao Estado suicidário, N-1 edições.