Seminário debate imigrantes e o trabalho ambulante em São Paulo
O trabalho ambulante muitas vezes é a única saída para imigrantes conseguirem se sustentar, mesmo durante a pandemia de covid-19. Muitos sequer conseguiram acessar o auxílio emergencial
“O Brasil recebe, mas o Brasil não acolhe” foi a frase utilizada pela congolesa Hortense Mbuyi para ilustrar a situação dos imigrantes no país. A representante do Conselho Municipal dos Imigrantes em São Paulo explicou que eles são alocados no Brasil sem que se considere suas especificidades e demandas. Dessa forma, esse grupo encontra no trabalho ambulante a saída para se sustentar economicamente e, com a pandemia, se tornam alvos de uma política de invisibilização e retirada de direitos.
A terceira mesa do seminário “Ambulantes e Cidade: cartografias da economia popular, tensões nos territórios, conflitos e práticas de resistência durante a pandemia da Covid-19” trouxe a temática da migração relacionada ao trabalho informal. Na quarta-feira, 16 de setembro, uma mesa diversa — composta por acadêmicos, políticos, imigrantes e representantes de diferentes organizações — discutiu virtualmente os migrantes no contexto do comércio popular. O evento é coordenado pelo Grupo de Pesquisa Cidade e Trabalho (USP) e promovido em parceria com o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Fórum Fronteiras Cruzadas, União Nacional das Trabalhadoras e Trabalhadores Camelôs, Feirantes e Ambulantes do Brasil (Unicab), Fórum dos Ambulantes de São Paulo, Laboratório de Justiça Territorial – Labjuta (UFABC) e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzine (FAU).
O trabalho informal é constitutivo
Compreender o trabalho informal como formador da realidade brasileira se faz essencial para a análise. “É preciso um olhar histórico”, pontuou o sociólogo Bruno Durães, “porque não tem como entender o Brasil se você não entender o trabalho informal e o trabalho de rua”.
O professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) relembrou que cidades como Salvador, Rio de Janeiro e Recife se fundamentaram por meio do trabalho de rua. As pessoas que haviam sido escravizadas, ou ainda eram, viviam da atividade nas ruas para garantir sua sobrevivência ou repassar os lucros aos seus donos.
“Não conseguimos analisar o trabalho por aplicativos hoje sem compreender historicamente por que só sobra esse tipo de trabalho para essas pessoas”, defendeu Bruno. Nesse sentido, ele classificou o trabalho de rua como dual, além de histórico. Dual porque representa precarização e autonomia — uma autonomia que não é sinônimo de escolha, mas da possibilidade de se obter renda em uma sociedade tão desigual.
Sobreviver em pandemia
O trabalho de vendedores ambulantes depende da circulação, da mobilidade urbana e do uso das ruas e praças públicas, como lembrou o vereador Eduardo Suplicy durante o evento. Com a circulação restrita por conta da disseminação do novo coronavírus, esses trabalhadores têm sua renda limitada.
A solução poderia vir do auxílio emergencial, suporte financeiro pago pelo Governo Federal para trabalhadores nessa situação. No entanto, segundo o haitiano Fedo Bacourt, coordenador da União Social dos Imigrantes Haitianos (USIH), um número considerável de imigrantes não consegue ter direito ao auxílio por não ter o CPF regularizado. Assim, o isolamento social se torna impraticável e o trabalho informal, a única saída.
O apoio dos governos e da sociedade civil é indispensável. A USIH, por exemplo, precisou escolher quais demandas atender nesse período, uma vez que era inviável tentar dar suporte a todos. Por isso, optaram pelo auxílio mais direto às mães haitianas aqui no Brasil e estão encaminhando as demais demandas a outras entidades.
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Elemento de resistência
A racialização é um âmbito significativo do trabalho ambulante. Desde as pessoas escravizadas que ilustram o princípio dessas atividades nas ruas, a marca racial está sempre presente. É o que relembrou Lindomar Albuquerque, professor da Unifesp, ao apontar que isso atrela a discriminação e os preconceitos ao contexto do trabalho ambulante.
Ao mesmo tempo, o trabalho informal é peça cultural da diversidade brasileira. O artista boliviano Juan Cusicanki cita as feiras culturais de imigrantes como ferramentas de resistência. A festa da Alasita, celebração do Deus da Abundância, acontece desde 1991, realizada pela comunidade mais representativa numericamente em São Paulo: os bolivianos.
“Aqui vivo, aqui voto.” A colocação de Cesar Colia, presidente da Cooperativa de Empreendedores Bolivianos e Imigrantes em Vestuário e Confecções, ressalva a importância da participação política no processo de integração dessa população. A crise do capitalismo coloca o grupo de imigrantes, que é muito heterogêneo, em situação de emergência e necessidade de ajuda imediata. Se essa população aqui vive, ela aqui também precisa ter seus direitos garantidos.
Gabriela Bonin faz parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.