Singular seletividade dos manifestantes árabes
A publicação de caricaturas dinamarquesas causou mais manifestações nas capitais árabes que a ocupação dos Estados Unidos em Bagdá ou a persistência das agressões israelenses contra os palestinos. Por que essa seletividade?Asad Abu Khail
A publicação de caricaturas dinamarquesas causou mais manifestações nas capitais árabes que a ocupação dos Estados Unidos em Bagdá ou a persistência das agressões israelenses contra os palestinos. O mesmo ocorreu no caso do filme norte-americano A inocência dos muçulmanos, sobre o profeta Maomé, lançado na internet. Por que essa seletividade?
A concorrência entre os salafistas e a Irmandade Muçulmana é intensa no conjunto do Oriente Médio. Em vários países – como Síria, Tunísia e Egito –, essa competição expressa as rivalidades entre a Arábia Saudita, que apoia os primeiros, e o Catar, que aprova os segundos. Em razão do patrocínio de Riad, os salafistas são reticentes em tomar posição com relação a grandes questões como justiça social, ocupação estrangeira e Palestina. Por outro lado, a defesa do Islã, de seu profeta maior e do código moral restrito não apresenta qualquer perigo. Os salafistas se manifestam sobre esses temas com a mesma intensidade que acusam a Irmandade Muçulmana de pragmatismo político e laxismo.
Os governos árabes e seus meios de comunicação também alimentam esse tipo de protesto. A Al-Jazira, por exemplo, com seu ulemá vedete Yussef al-Qaradawi, não hesitava em atiçar as paixões do público, em particular desde que as relações entre Catar e Estados Unidos ficaram mais tensas pelas boas relações desse país árabe com o Irã e o Hezbollah.
No caso do filme sobre Maomé, por outro lado, o canal catariano e os meios de comunicação financiados pelos sauditas adotaram uma postura muito mais prudente, hesitando entre as ruas e a cólera dos Estados Unidos. Al-Qaradawi chegou até a fazer declarações conciliadoras em relação a Washington.
Os regimes árabes do Golfo, responsáveis por financiar e armar diferentes facções do islamismo radical, se encontram em uma posição difícil: querem aparecer como defensores da fé, mas também devem se esforçar para não se indispor com os Estados Unidos.
As formações islamitas – em particular depois de terem acesso ou se aproximarem do poder, como a Irmandade Muçulmana – buscam evitar motivos que possam perturbar suas relações internacionais ou com os países do Golfo. Mas os ataques contra o Islã suscitam fortes reações e estimulam a concorrência entre os diversos grupos que não querem perder terreno de influência. Por outro lado, a injustiça social, a ocupação estrangeira, a guerra, a tirania, a desigualdade de gênero e outros temas semelhantes não provocam a cólera dessas organizações. Preferem denunciar um filme trash na internet.
De seu lado, os meios de comunicação ocidentais – tanto os mais conservadores como os mais liberais – manifestam rejeição por qualquer expressão islamita ou muçulmana. Em vez de levar os países ocidentais a rever suas políticas, as manifestações no mundo muçulmano geram mais preconceito. Ironicamente, o fanatismo dos muçulmanos salafistas alimenta, assim, os islamofóbicos ocidentais, e vice-versa.
*Asad Abu Khail é jornalista e autor do bloh Angry Arab