Sistema econômico precisa se responsabilizar pelas mudanças climáticas
Recentemente, o IPCC lançou o maior relatório científico sobre as mudanças climáticas já feito. Segundo a publicação, já alcançamos efeitos irreversíveis do aquecimento global
O sistema capitalista colocou a humanidade em rota de colisão. A queima de combustível fóssil pela atividade industrial, o desmatamento e as queimadas liberam gases do efeito estufa que interferem no funcionamento do sistema climático. Agora não só a natureza se encontra ameaçada, mas também a vida na Terra como um todo. Os seres humanos e os outros seres vivos precisam de um sistema climático saudável e de condições ambientais adequadas para sobreviverem.
Recentemente, o IPCC lançou o maior relatório científico sobre as mudanças climáticas já feito. Segundo a publicação, já alcançamos efeitos irreversíveis do aquecimento global. O aumento do nível do mar, o derretimento das geleiras, o aquecimento e a acidificação dos oceanos são uma realidade que a humanidade já não pode mais evitar. O degelo dos polos coloca a vida dos ursos-polares em risco, a acidificação do oceano (causada pelo acúmulo de gás carbônico absorvido pelo mar) interfere na qualidade da vida marinha e promove o branqueamento dos corais, e o aumento do nível do oceano coloca várias regiões litorâneas na iminência de ficaram submersas.
Pouco a pouco, as mudanças climáticas vão alterando para sempre o cenário da vida na Terra. O cenário alegre de um recife de corais exuberante e colorido agora adquire a aparência de um concreto fantasmagórico. Em um futuro próximo, cidades estarão engolidas pelo mar e com isso a habitação de milhões de pessoas está ameaçada. O urso-polar, imponente e robusto, pode cada vez mais se transformar em um andarilho esquelético e depressivo, sempre à procura de comida. Segundo os cientistas do IPCC, apenas reduções drásticas nas emissões podem interromper o agravamento das complicações climáticas, porém o quadro da era pré-industrial não pode mais ser recuperado. Para evitar situações piores, o mundo precisa limitar o aquecimento a 1,5°C.
Desde a Revolução Industrial, o sistema econômico passou a ser um fator de alteração climática através da queima de combustíveis fósseis, responsável por liberar dióxido de carbono à atmosfera. A pecuária intensiva e a produção agrícola também contribuem para o problema por meio da emissão de metano, do desmatamento e das queimadas.
Dessa forma, a produção econômica capitalista sobrecarregou a atmosfera com gases do efeito estufa. A combinação na atmosfera de gás carbônico, metano e óxido nitroso são as maiores em 800 mil anos, e o nível de CO2 concentrado sozinho é o mais alto em 2 milhões de anos, segundo o relatório do IPCC. Os gases do efeito estufa, uma vez lançados pela produção humana, retêm calor na atmosfera, aumentando a temperatura média do planeta. Desde 1970, a temperatura global subiu mais rápido do que em qualquer outro período dos últimos dois milênios.
Diante desse cenário, caberia ao setor privado se responsabilizar pelo problema. A redução intensiva da emissão de gases do efeito estufa e o sequestro de carbono da atmosfera é a estreita oportunidade que temos para manter o aumento da temperatura em 1,5ºC, imprescindível para evitar o agravamento do aquecimento global. Isso implica o fim das indústrias de combustíveis fósseis (como a petrolífera) e uma rápida transição para fontes de energia sustentável. Porém sabemos que o setor empresarial não vai renunciar a uma estrutura econômica bilionária responsável por fornecer dinheiro e poder aos seus proprietários. Cabe então à sociedade civil escolher entre deixar sua vida em segundo plano a favor do lucro de algumas poucas pessoas ou caminhar em comunhão para uma organização mais racional e bem direcionada. Segundo Simon Lewis, professor do College London: “Embora as mudanças radicais necessárias devam, em última instância, vir de regulamentação governamental, somos nós que devemos demonstrar que existe o desejo de mudança”.
Na verdade, num cenário onde dependemos da colaboração estatal, o que vemos em curso são governos (como o da Inglaterra e dos Estados Unidos) empreendendo planos de ampliação da produção de petróleo, carvão e atividades agropecuárias. Os Estados-nação não possuem a força necessária para enfrentar o interesse bilionário/trilionário das indústrias capitalistas, pois eles existem justamente para sustentar essa organização social.
“Deixar a tarefa para o poder privado é uma receita provável para o desastre, por muitos motivos […]. Não podemos ter fé nas estruturas de poder e no que elas farão, a menos que pressionadas fortemente por um público informado que prefere a sobrevivência ao ganho de curto prazo”, afirma Noam Chomsky.
Caso as emissões não zerem e essa transição não ocorra, a temperatura média continuará subindo, com a probabilidade de alcançar até mesmo 4ºC de aquecimento. O planeta atingirá um ponto de inflexão e presenciará cada vez mais catástrofes e eventos climáticos extremos (ondas de calor, derretimento das geleiras, secas e incêndios prolongados, temperaturas insuportáveis, inundações etc.).
“Quase 1 bilhão de pessoas em todo o mundo poderiam sofrer de suor em ondas de calor potencialmente fatais mais frequentes. Centenas de milhões mais lutariam por água por causa de secas severas. Algumas espécies de animais e plantas vivas hoje terão desaparecido. Os recifes de coral, que sustentam a pesca em grandes áreas do globo, sofrerão perdas em massa mais frequentes”, disseram Brad Plumer e Henry Fountain para o The New York Time.
Depois de 2.400 bilhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas na atmosfera desde 1850, é necessária uma reformulação ampla de nossa sociedade. Agora é hora de zerar as emissões até 2050 e sequestrar o máximo de carbono possível para estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC, segundo o IPCC. O que está em jogo é o mundo como conhecemos, ou o que ainda sobrou dele, a vida organizada na Terra e as condições de existência adequadas para a maioria dos seres vivos – que há muito tempo estão ameaçadas.
Gabriel Dantas Romano é estudante de História da USP e ativista ambiental.