Soluções naturais para a emergência climática
A criação e ampliação de áreas protegidas no território brasileiro mostra-se estratégia fundamental para conter a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do país, que é o desmatamento
As áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) podem ser entendidas como soluções naturais para reverter as mudanças climáticas, trazendo benefícios simultâneos tanto em termos de mitigação quanto adaptação climáticas.
Evitam a liberação de carbono pela vegetação e pelo solo e sequestram carbono da atmosfera para o ecossistema. Protegem comunidades em seu entorno, fornecendo meios de subsistência, regulando o clima, reduzindo riscos e amortecendo impactos. Protegem economias e cidades trazendo resiliência a sistemas alimentares. Protegem bacias hidrográficas e mantêm o abastecimento de água. E protegem a biodiversidade.
No Brasil, elas abrangem unidades de conservação, territórios indígenas e quilombolas. Em relação à área do país, as áreas protegidas estão mal distribuídas pelos biomas – 90% ficam na Amazônia. Além da proteção à biodiversidade, contribuíram com 30% da redução total do desmatamento na Amazônia entre 2005 e 2015, evitando a emissão de cerca de 1,4 a 1,7 Gigatons de CO2.
Mas o aumento desenfreado do desmatamento nos últimos anos, avançando inclusive sobre áreas protegidas, coloca o Brasil na direção contrária desse movimento mundial que se estabelece agora na COP26 pela redução das emissões no planeta.
As emissões de gases de efeito estufa do Brasil em 2020, em plena pandemia da Covid-19, cresceram 9,5% em relação a 2019. O dado, divulgado pelo Observatório do Clima em outubro, calculou em 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO²e) as emissões nacionais brutas. Descontando as remoções de carbono por florestas secundárias e áreas protegidas, as emissões líquidas do país no ano passado foram de 1,52 GtCO²e.
A maior alta se deu em relação à mudança no uso da terra causada pelo desmatamento, em especial na Amazônia. O desmatamento acumulado no bioma entre agosto de 2020 e julho de 2021 foi o segundo maior da atual gestão (iniciada em 2019) e o terceiro maior da década, segundo dados do sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Os números do Deter sugerem a possibilidade de fecharmos 2021 como terceiro ano consecutivo com taxas de desmatamento da Amazônia acima de 10 mil km² – uma marca histórica desde 2008.

Dados do INPE demonstram que a área desmatada dentro de unidades de conservação e terras indígenas na Amazônia Legal ultrapassou 1.600 km² em 2019, e novamente em 2020. Isso representa mais do que o dobro das taxas observadas na década anterior – a média de desmatamento nessas áreas entre 2009 e 2018 foi de 747 km².
Além disso, e na esteira das várias pressões incidentes sobre as áreas protegidas, processos de redução, recategorização e extinção de unidades de conservação (conhecidos pela sigla em inglês PADDD – protected áreas downsizing, downgrading and degazetting) são cada vez mais frequentes no Brasil.
Segundo dados da plataforma PADDD Tracker, do WWF-Brasil, mais de 150 eventos de PADDD tiveram lugar no país nos últimos anos, afetando mais de 110 mil quilômetros quadrados, área superior à do estado de Pernambuco.
Na última década, diversas propostas de PADDD passaram a tramitar de modo mais intenso na pauta do Congresso Nacional e das assembleias estaduais sem a transparência devida, respaldo técnico e participação da sociedade.
Esse aumento coloca em risco as metas estabelecidas na NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Brasil assumida no Acordo de Paris, em 2015, e revisada em 2020.
Para garantir a efetividade das áreas protegidas em todos esses aspectos, é preciso que elas estejam de fato conservadas, o que tem se tornado difícil em meio ao aumento do desmatamento, garimpo e queimadas que se acirraram nos últimos anos na região.
A criação e ampliação de áreas protegidas no território brasileiro mostra-se estratégia fundamental para conter a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do país, que é o desmatamento. Mas também são fundamentais os esforços e ações para manter a efetividade dessas áreas, garantindo sua proteção, de fato, mantendo-as a salvo das diversas pressões.
Mariana Napolitano é gerente de Ciências do WWF-Brasil.