Somália
Na virada do ano, o governo Bush abriu, no “Chifre da África”, uma nova frente de sua “guerra contra o terrorismo”. Mas assim como se deu em Cabul (2002) e Bagdá (2003), a tomada de Mogadíscio não resolve um problema — apenas o inicia…Ignacio Ramonet
Já envolvidos no Afeganistão e no Iraque, numa “guerra global contra o terrorismo”, os Estados Unidos acabam de abrir uma terceira frente [1]. na Somália. Seus recentes raids aéreos e o envio de navios de guerra provam: aos olhos de Washington (que já organizara, no final de 2001, uma coalizão antiterrorista no Golfo de Aden), o Chifre da África faz agora parte do teatro de operações contra a rede Al Qaeda.
Financiada pelos comerciantes de Mogadiscio, cansados dos abusos dos senhores de guerra, a União dos Tribunais Islâmicos havia vencido estes últimos, e tomado a capital em junho de 2006. Os islamitas chegaram a impor uma certa ordem, num país entregue ao caos havia quase quinze anos.
Os Estados Unidos, que haviam demonstrado uma visão estreita da “luta contra o terrorismo”, ao se aliarem aos chefes de guerra, não aceitaram essa nova ordem. Ainda mais porque os Tribunais foram acusados de receber ajuda iraniana. O Pentágono então pressionou o governo da Etiópia cristã, que se beneficia desde 2002 de um programa norte-americano de assistência militar, a lançar uma ofensiva. Colocou à disposição sistemas de reconhecimento aéreo e espionagem por satélite.
Da tomada da capital ao início da insurgência
A campanha dos etíopes foi fulgurante. Em oito dias, as regiões controladas pelos Tribunais Islâmicos foram ocupadas. Mogadiscio caiu em 28 de dezembro. Cerca de 20 mil soldados etíopes estão atualmente na Somália. Impulsionado pelos Estados Unidos desde junho de 2006, o Grupo de Contato Internacional sobre a Somália reuniu-se no início de janeiro, em Nairóbi (Quênia) e pediu o financiamento “urgente” de uma força de paz prevista pela ONU. Até o momento, exceto a Etiópia, apenas Uganda deu sinais firmes de que está disposto a enviar tropas. Washington anunciou a outorga de assistência de 16 milhões de dólares ao presidente de transição da Somália, Abdulahi Yussuf, assim como ajuda humanitária e um segundo pacote de 24 milhões de dólares — dos quais 14 milhões destinados à força de paz. O governo Bush acusa os islamitas somalis de abrigar dois terroristas — Fazul Abdullah Mohammed e Ali Saleh Nabhane — implicados nos atentados que, em 1998, fizeram 224 mortes nas embaixadas norte-americanas no Quênia e Tanzânia.
Diante desta intervenção, o número dois da Al Qaeda, Ayman Al-Zawahiri, conclamou os combatentes islamitas à resistência: “Exorto todos os muçulmanos a atender ao apelo da jihad na Somália. (…) A verdadeira guerra vai começar por ataques contra as forças etíopes de agressão. (…) Recomendo embocadas, minas e operações suicidas [2].” Ele também aconselhou aos combatentes inspirarem-se nas guerrilhas no Afeganistão e Irque. De sua parte, Abdulrahim Ali Modei, porta-voz dos Tribunais Islâmicos, afirmou que seu movimento não “estava vencido”. [3]. Seus homens reagruparam-se ao sul do rio Juba, na fronteira com o Quência, região em que os etíopes e forças especiais norte-americanas, com apoio de aviões de combate AC-130 baseados no Djibuti, perseguem os islamitas.
Assim como a queda de Cabul, em 2002, não resolveu o problema talibã, e a conquista de Bagdá, em 2003, não apaziguou o Iraque, a tomada de Mogadíscio pelos etíopes está longe de ter resolvido o problema somali. Ele apenas começou.
Tradução: Antonio Martins
Ignacio Ramonet é jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.