Somos democráticos? Reflexões da gestão democrática na rede municipal de ensino de São Paulo
As escolas municipais de São Paulo desenvolvem a gestão democrática em suas unidades? Essas estratégias funcionam? Existe, de fato, um pertencimento da escola na comunidade? Ou a gestão democrática escolar estaria ultrapassada?
Em agosto deste ano, o Instituto Cultiva, em parceria com o Instituto Federal de São Paulo (IFSP), promoveu um curso de pós-graduação de 180 horas para o Sindicato dos Especialistas de Ensino Público de São Paulo (Sinesp) sobre Gestão Democrática. Os temas foram abordados de forma reflexiva, promovendo debates e apresentando o histórico desse assunto no país.
Em meio à exposição de conteúdos, teorias e exemplos, o curso evidenciou as dificuldades enfrentadas por gestores e docentes para que a Gestão Democrática seja uma realidade em suas comunidades. Ao responderem a uma pesquisa sobre as principais dificuldades em diferentes dinâmicas de seu trabalho, 60% dos cursistas apontaram as funções burocráticas – como o preenchimento excessivo de documentos e planilhas, por exemplo – como o principal obstáculo para a realização de seu trabalho na área pedagógica.
Somando essa burocracia ao item “Dificuldade para realizar debates e reuniões para a construção pedagógica”, constatamos que 70% dos gestores entrevistados estão hoje sobrecarregados por uma rotina que pouco impacta as comunidades escolares onde atuam. E o pior: esse dia a dia os afasta cada vez mais de seu principal trabalho naquele local: o cuidado com os alunos e o diálogo entre si.
O resultado dessa realidade é a transformação da equipe gestora escolar em subespecializações fragmentadas, que assumem tarefas específicas, incorporando uma cultura corporativista para cada segmento naquele ambiente. À medida que cada profissional da equipe gestora se especializa em uma dimensão (pedagógica, recursos humanos, administrativa e comunitária), as decisões e discussões se tornam desarticuladas, reforçando a falta de diálogo entre os pares.
Outra consequência dessa falta de atenção ao cuidado e ao diálogo é a ausência de vinculação entre os equipamentos públicos, revelando o foco nos objetivos funcionais. Com isso, as escolas não têm tempo para se dedicar à conexão entre UBS, CRAS, Conselho Tutelar e outros equipamentos públicos, visando ao fortalecimento da rede de proteção integral a bebês, crianças e adolescentes.
E é assim que a escola pública perde sua relevância no papel social e na função de liderança dos gestores naquele território. O que deveria ser o coração daquela comunidade torna-se menos do que um apêndice, retrocedendo seu papel social e sua concepção de educação infantil, tornando-se um mero “depósito” de bebês e crianças.
Durante o curso, buscamos entender essas questões e refletir: “qual é a solução?” Colocar como prioridade o cuidado, o amor, a solidariedade e o diálogo. Colocar em foco a Gestão Democrática e a participação da comunidade escolar por meio da escuta ativa, da ação e do cuidado.
Não é à toa que as unidades escolares que praticam o exercício da Gestão Democrática acabam se tornando referências comunitárias. Elas não terceirizam o cuidado nem o pertencimento. Essa gestão é o início da resposta, pois promove a capacidade de sempre reviver o diálogo. Contudo, a perpetuação dessa resposta também depende do papel social atribuído à escola pelos municípios e estados. O que o poder público deseja: uma instituição focada em números e indicadores ou uma escola focada no diálogo e na participação, que promova a educação popular?
A Gestão Democrática é o primeiro passo. Ainda que as escolas públicas demonstrem sua capacidade em melhorar, é preciso que governos da União, dos estados e dos municípios voltem o foco de seus mandatos não só em resultados, mas em uma gestão de diálogo e cuidado na educação.
Paula Dantas é enfermeira e consultora do Instituto Cultiva.
Micaela Gluz é mestra em educação e coordenadora do Instituto Cultiva