Somos todos mutantes
É preciso modificar seres vivos transformando as informações que os organismos transmitem de uma geração a outra? Dispomos cada vez mais de ferramentas que permitem interferir nos genomas de maneira dirigida e precisa, o que a natureza faz aleatoriamente. Antes do êxtase ou do pavor, a perspectiva reclama uma reflexão racional: por que e para que fazer isso?
Você é contra ou a favor?” No campo da genética, especialmente no das modificações dirigidas dos genomas, essa questão crucial com frequência se sobrepõe a outras. Ela se coloca com uma insistência ainda mais estridente desde o desenvolvimento de novas ferramentas moleculares, chamadas CRISPR, que permitem cortar, eliminar ou substituir com facilidade sequências bem precisas do genoma. Em teoria, esses métodos abrem campos de aplicações ilimitados. Mas podemos realmente saber o que é preciso pensar disso antes de compreender aquilo de que se trata?
Modificar um genoma consiste em substituir de forma específica um gene ou um fragmento de gene por um elemento – um pedaço de DNA – destinado a repará-lo ou, ao contrário, torná-lo inativo. Em laboratório, os pesquisadores utilizam esse procedimento já há várias décadas, mas com outras ferramentas moleculares, cuja manipulação, mais trabalhosa, limitava o uso. Não se deve confundir a modificação dirigida dos genomas – em inglês genome editing1 – com a simples transgênese, que consiste em inserir um gene adicional num genoma, esperando que ele confira um caráter novo à célula ou ao organismo, mas sem mirar deliberadamente seu lócus de inserção.2 Os organismos geneticamente modificados (OGMs), que suscitam tantas questões, ou a terapia gênica sob a forma inicial têm a ver com a transgênese. No caso do genoma editing, apenas o lócus visado deve ser modificado e de modo dirigido.
As ferramentas moleculares utilizadas existem no estado natural ou provêm de simples reuniões de elementos naturais, porque a natureza não se priva de remodelar os genomas. Na verdade, ela o faz permanentemente. Os fenômenos de transgênese, como as inserções direcionadas ou as mutações aleatórias, são processos comuns, sem os quais não existiríamos. Nas últimas décadas, a pesquisa colocou em evidência, em todos os genomas estudados, aí incluído o nosso, traços de genes provenientes de outros organismos, adquiridos por transgênese nas linhagens ancestrais. Os mecanismos responsáveis por essas transferências ainda não são bem compreendidos, mas desempenham certamente importante papel na evolução biológica.
Por exemplo, o genoma da batata-doce, Ipomoea batatas, contém e faz funcionar grupos de genes provenientes da bactéria Agrobacterium. Normalmente, esta última vive em simbiose com as leguminosas e permite a elas fixar o azoto atmosférico. Mas com a batata-doce não há simbiose. Os genes da bactéria integraram o genoma de uma planta ancestral por transgênese natural e são agora transmitidos de geração em geração em todas as variedades de batata-doce. Portanto, consumimos há séculos uma planta transgênica natural. Outro exemplo: sabemos hoje que um elemento tão importante para os mamíferos – e, portanto, para nós mesmos – como é a placenta provém igualmente de uma transferência de gene. As sincitinas, proteínas essenciais à formação dessa estrutura sem a qual os fetos não poderiam se desenvolver, devem sua síntese a genes que nossos distantes ancestrais não possuíam. Eles os adquiriram por vírus análogos aos retrovírus atuais, que, como o vírus da imunodeficiência humana (HIV), apresentam a particularidade de inserir seu próprio genoma no da célula infectada. No caso da placenta, o gene viral que servia para produzir o invólucro do vírus foi capturado pela célula infectada da linhagem germinal e, depois da evolução, serviu para a síntese de sincitinas nos descendentes.
O fenômeno da transgênese existe igualmente nos microrganismos. O próprio sistema CRISPR não é outra coisa senão uma espécie de mecanismo de imunidade das bactérias contra os vírus que as infectam. Porém, em vez de uma memória celular limitada a uma única geração, como a de nosso próprio sistema imunológico, as bactérias dispõem de uma memória molecular que pode ser transmitida às gerações seguintes. Aquelas que sobrevivem a uma infecção integram em seu próprio genoma o lócus CRISPR com cópias de curtas sequências de DNA correspondente ao vírus. Elas podem assim transmiti-las à sua descendência, que reconhecerá e destruirá os novos vírus da mesma família. O acervo se torna hereditário. É esse sistema que os pesquisadores utilizam agora para modificar genomas depois de terem substituído os fragmentos dos vírus por fragmentos dos genes nos quais se deseja mirar. Mas, enquanto na natureza esses fenômenos se produzem de maneira aleatória, em laboratório é possível dirigi-los.
Essa ação humana sobre o material genético é realmente nova? Pelos métodos utilizados, seguramente; pelos resultados obtidos, não. Há milênios, a humanidade não para de agir sobre os genomas por meio da criação de animais e da agricultura. Sem esquecer os animais de estimação: a incrível diversidade das raças de cães que selecionamos não existiria sem as instabilidades do genoma do lobo. Claro que se tratou de uma ação empírica, cujos mecanismos não eram precisamente conhecidos dos operadores, mas nem por isso os genomas eram menos modificados, a ponto de as raças animais e as variedades de plantas que utilizamos e com que convivemos hoje não terem mais muita coisa em comum com seus ancestrais naturais. O trigo, por exemplo, é um híbrido de dois ou três – segundo as variedades – cereais há muito esquecidos.3 No ritmo das seleções empíricas, os rendimentos aumentavam, as propriedades das farinhas melhoravam e se diversificavam. Ainda não sabemos hoje exatamente quantos genes foram modificados nem como. Mas eles o foram. No caso do milho, os pesquisadores puderam reconstruir a sucessão das variedades selecionadas desde o teosinto das populações indígenas, efetuada principalmente agindo, sem a intenção consciente, em genes dos quais até então se ignorava a existência.4 Mas ainda assim agindo. O mesmo acontece com as vacas leiteiras, os cavalos, os porcos etc., selecionados por seu desempenho e que não têm, é claro, exatamente os mesmos genes que seus antepassados naturais. Quanto às cepas de levedura utilizadas na fermentação da cerveja ou do vinho, trata-se em sua maior parte de híbridos complexos selecionados empiricamente e que podem carregar genes estranhos aos Saccharomyces de origem. Em todos esses casos, não foram utilizadas mutagênese ou transgênese artificiais; somente foram recolhidas aquelas que a natureza produzia.
Fenômenos naturais
Todos os genomas se modificam permanentemente, não apenas a longo prazo. Eles mudam a cada geração – o nosso, em particular. Comparando a sequência integral do genoma de um recém-nascido à de seus pais, podem-se identificar com extrema precisão todas as mutações surgidas em uma geração durante o processo reprodutivo. Centenas de análises desse tipo forneceram resultados perturbadores: somos todos mutantes! Mais precisamente, cada recém-nascido carrega em média cinquenta mutações pontuais, ou seja, mudanças limitadas a um pequeno número de nucleotídeos, ou mesmo a apenas um. No mais das vezes, essas alterações felizmente não têm efeito deletério. Mas isso não é tudo: a cada nova geração, segmentos mais ou menos longos de DNA desaparecem, se deslocam ou se duplicam. Eles podem carregar genes ou fragmentos de genes que, dessa forma, desaparecem, se multiplicam ou mudam de ambiente genômico de maneira aparentemente aleatória. No total, essas mutações ditas estruturais envolvem um número de nucleotídeos muito mais importante que as mutações pontuais. O genoma se encontra então significativamente modificado, mas, na maior parte do tempo, sem consequências negativas. Em contrapartida, algumas dessas mutações se mostram deletérias e conduzem, por exemplo, a deficiências mentais graves ou a casos de autismo. É tendo em vista esses fenômenos naturais que se devem reposicionar as modificações dirigidas dos genomas, assim como as esperanças ou os medos que elas podem gerar.
Se, com as ferramentas moleculares atuais, os pesquisadores são em princípio capazes de modificar com precisão e de maneira direcionada os genes que desejam, por que fazer isso e em quais condições? Os casos das doenças monogênicas herdadas, como as beta-talassemias ou a fibrose cística, que resultam cada uma de uma mutação causal conhecida num gene bem definido transmitida de geração a geração, parecem simples. Aplicando a tecnologia CRISPR, conseguimos recentemente corrigir uma mutação desse tipo em células-tronco sanguíneas coletadas em um paciente talassêmico. Podemos então pensar em, depois de feitos todos os controles necessários, reinjetar essas células modificadas no paciente como tratamento de sua afecção. O caso então se complica: se o tratamento der certo, será necessário repeti-lo a cada geração com todos os membros da família ou pensar em modificar a linhagem germinal para erradicar a doença? A regulamentação se opõe a isso em muitos países, e a Convenção Internacional de Oviedo foi assinada nesse sentido em abril de 1997. No entanto, se os progressos das pesquisas seguirem o ritmo atual, pode-se apostar que a questão não deixará de se colocar novamente. O verdadeiro problema tem a ver com o fato de os pesquisadores não possuírem atualmente condições de prever todas as consequências de uma mudança ainda limitada a um único gene.
No caso de doenças geneticamente mais complexas, como os cânceres, agir em genomas abre imensas esperanças. Conseguiu-se, por exemplo, modificar geneticamente glóbulos brancos (linfócitos) de maneira a fazê-los mirar e matar especificamente células cancerosas. Os primeiros testes realizados em crianças com leucemia resultaram em remissões. Para além dos cânceres, a terapia gênica se orienta agora em direção a novas tecnologias. A principal dificuldade de aplicação das modificações dirigidas dos genomas ao uso terapêutico humano consiste em assegurar que apenas o gene visado seja modificado e que outras alterações não desejadas não ocorram em outros lugares durante o processo. Esse problema existe tanto com as ferramentas CRISPR quanto com as precedentes, mas as técnicas de controle avançam com grande rapidez.
É preciso, enfim, se interrogar sobre a utilidade geral das modificações dos genomas. No campo das plantas, assiste-se a uma proliferação de construções genéticas de interesse variável, por vezes somente ornamental. Algumas, pelo contrário, levam a melhorias agronômicas específicas para resolver problemas alimentares. Contudo, coloca-se imediatamente o problema do acesso aos grãos: porque, se os genes naturais não podem ser patenteados, o mesmo não ocorre com as linhas que carregam os genes modificados e com os métodos que permitem essas modificações. Nos Estados Unidos, a tecnologia CRISPR é objeto de uma batalha legal. As questões potenciais aguçam os apetites. Então, contra ou a favor? A favor: se agir sobre os genomas é algo que se faz em nome do maior número de pessoas e em particular dos mais necessitados. Contra: se agir sobre os genomas é algo que se faz apenas para o benefício de alguns. O problema não é apenas científico, mas econômico, jurídico e político.
*Bernard Dujon é professor emérito da Universidade Pierre e Marie Curie e do Instituto Pasteur e membro do Institut de France (Académie des Sciences).