STF como gestor dos debates na saúde: O caso dos medicamentos de alto custo
A decisão do STF é correta e importante por estabelecer regras e nortear as futuras decisões sobre o tema, mas é válido refletir sobre o papel gestor que a Corte tem assumido para dirimir debates que envolvem a saúde
Em nova decisão, o STF estabeleceu critérios para a concessão judicial de medicamentos de alto custo não incorporados ao SUS. Nos últimos anos, o Judiciário brasileiro tem sido frequentemente acionado para garantir o acesso a tais fármacos, não disponíveis no SUS. Essas ações judiciais, movidas por pacientes que dependem de tratamentos caros para doenças graves, colocam o Estado em uma situação desafiadora: garantir o direito constitucional à saúde e, ao mesmo tempo, respeitar os limites orçamentários.
O aumento dessas demandas judiciais gerou uma pressão crescente sobre o orçamento público, levando o STF a deliberar sobre os critérios que devem ser adotados em processos desse tipo. Após um longo período de discussão e a análise de diversos pareceres técnicos, a Corte definiu três critérios principais para que ocorram concessões por vias judiciais:
Comprovação da necessidade clínica: O paciente que solicitar o medicamento deverá comprovar, por meio de laudos médicos e perícias técnicas, que o tratamento é essencial para sua saúde e que não há alternativas terapêuticas disponíveis na rede pública.
Registro na Anvisa: Apenas medicamentos que possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem ser concedidos judicialmente. Isso garante que os tratamentos tenham sido aprovados em termos de segurança e eficácia.
Impossibilidade financeira: O paciente deve comprovar que, nem ele, tampouco sua família, possui condições financeiras para arcar com o custo do medicamento.
A decisão do STF busca organizar um cenário que, até então, vinha sendo marcado por decisões isoladas e, muitas vezes, conflitantes entre os diferentes tribunais. Ao definir que apenas medicamentos registrados pela Anvisa poderão ser concedidos, o Supremo também busca evitar a judicialização de tratamentos experimentais ou que ainda não tenham comprovação suficiente de eficácia. Esse critério pretende proteger tanto o paciente, que pode estar exposto a terapias ineficazes ou perigosas, quanto o orçamento público.
No quesito da eficácia, outra premissa também precisa ser levantada, a partir dos resultados de comprovação dos medicamentos com a sua aplicação em condições reais de uso, especialmente no caso daqueles que tratam síndromes genéticas raras, uma vez que os testes realizados pelas farmacêuticas são desenvolvidos em um ambiente controlado e com pouca variabilidade de amostragem, o que não se aplica quando o mesmo fármaco é utilizado em larga escala. Para esse fim, existe o Acordo de Compartilhamento de Risco (ACR), em que Governo e Farmacêutica assumem os riscos com diminuição do custo do valor total do medicamento, em caso de eficácia abaixo do esperado.
Apesar dos possíveis descontos, os valores são muito altos para um Governo que tem como principal meta atingir o déficit zero, somado ao fato destes medicamentos não atenderem os principais problemas do SUS.
Em suma, a decisão do STF é correta e importante por estabelecer regras e nortear as futuras decisões sobre o tema, mas é válido refletir sobre o papel gestor que a Corte tem assumido para dirimir debates que envolvem a saúde, além de garantir, por meio da fiscalização que tais critérios sejam cumpridos, juntamente com uma política de saúde pública capaz de responder às demandas da população sem comprometer a sustentabilidade do sistema.
Silvio Guidi é advogado sanitarista. Mestre em Direito Administrativo, professor em direito da saúde na USP e PUC PR e sócio do SPLAW Advogados.