Sujas, caras, inúteis e ilegais
Energia gerada pelas térmicas, além do custo bilionário nas tarifas, geram impacto inestimável para meio ambiente
Além da pressão bilionária nas contas de luz, as térmicas contratadas de maneira emergencial em outubro do ano passado provocarão impactos ambientais gravíssimos. Essa preocupação se deve não só às emissões de gases de efeito estufa provenientes das usinas, como ao fato de que estão sendo implantadas praticamente sem passar por licenciamento ambiental. Portanto, além de a contratação ser prejudicial em termos econômicos e ambientais a todos os brasileiros, suas regras desrespeitam a Constituição.
O Procedimento Competitivo Simplificado para Contratação de Reserva de Capacidade para os Subsistemas Elétricos Sudeste/Centro-Oeste e Sul (PCS) foi estruturado a partir de resolução da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg) para fornecimento de energia no período de 2022 a 2025. No leilão realizado em outubro, foram contratadas 17 usinas (1,22 GW), sendo a maior parte da potência proveniente de 14 plantas a gás natural (1.177,8 MW). Essas usinas deveriam ter entrado em operação no dia 1º de maio, mas até agora não o fizeram.
Nas regras para a realização do certame, a Creg determinou a adoção de providências pelo Ministério de Minas e Energia (MMA) para que o licenciamento se desse em prazo compatível com o processo. Isso porque sabia-se que não haveria tempo hábil para a obtenção das licenças antes do PCS ou mesmo entre a contratação e a entrada em operação das usinas. Na prática, isso significa que foram reduzidas ou até desconsideradas exigências que não poderiam ser cumpridas no prazo de cerca de seis meses para entrada em operação das obras.
Dentre os projetos, destaque para as quatro termelétricas (que somam 560 MW) que a Karpowership está instalando na Baía de Sepetiba, no litoral do Rio de Janeiro. Como detalhado pelo Instituto Internacional Arayara, há diversas irregularidades do ponto de vista socioambiental, como a supressão de vegetal e escavação de áreas do bioma de Mata Atlântica e áreas de manguezais (atividades que exigem obrigatoriamente Estudo de Impacto Ambiental não realizado pelo empreendimento) e falta de consulta às populações tradicionais diretamente afetadas pelos projetos.
Por conta disso, o Arayara realizou, no início de maio, uma série de notificações extrajudiciais pedindo a suspensão da precária licença ambiental do empreendimento, emitida pelo Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea), além do arquivamento do projeto. Em paralelo, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) protocolou denúncia no Tribunal de Contas da União (TCU) defendendo a suspensão completa do certame, uma vez que as usinas são caríssimas, poluentes e se demonstram desnecessárias.
A denúncia do Idec também se baseia, entre outros pontos, no fato de que as térmicas contratadas no PCS devem funcionar na base, com fornecimento contínuo de energia, condição que amplia significativamente as emissões de gases de efeito estufa. Nesse sentido, a denúncia menciona cálculos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) que apontam que o acionamento das térmicas responderá pela emissão de 11,6 milhões de toneladas de gás carbônico até 2025. Na prática, apenas essas usinas emitirão, por ano, o equivalente a 6,3% das emissões totais do setor elétrico em 2020.
Nesse contexto, comemoramos a suspensão, por parte da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da medida cautelar que permitia que empreendimentos contratados no leilão emergencial do ano passado fossem substituídos por usina termelétrica existente, a Mário Covas (480 MW). Como demonstrou nosso recurso administrativo apresentado à agência, além de ir contra as regras do próprio leilão, o processo é absurdo justamente pelas razões apontadas acima, ou seja, que as usinas são sujas, caras e desnecessárias.
Considerando essas condições e a recuperação pós-crise hídrica do setor elétrico, fazemos coro aos alertas feitos pelo Arayara e Idec: os projetos precisam ser suspensos imediatamente não só para evitarmos o acréscimo de um custo bilionário nas tarifas de todos nós, como um custo inestimável para meio ambiente e mais uma irregularidade para o setor elétrico.
Clauber Leite é coordenador de projeto do Instituto Pólis.