Superfênix brasas sob as cinzas.
O maior super-reator do mundo teve 11 anos de vida. A história do Superfênix, símbolo do programa nuclear francês, está longe de ter acabado – no momento em que a França procura relançar o setor, técnicos e engenheiros trabalham na limpeza das instalações de Creys-Malville.Christine Bergé
Chegando a Creys-Malville pela estrada, logo se avista o imponente edifício do reator, cuja massa de concreto projeta-se a 80 metros de altura. Instalado num meandro do Ródano, em meio aos campos e florestas do departamento de Isère, o Superfênix ainda é palco de intensa atividade. Desde o anúncio de seu desmantelamento, há mais de dez anos, 400 pessoas realizam ali operações delicadas, desativando uma a uma suas funções vitais, com o objetivo de desarmá-lo definitivamente. A previsão é de que as obras prossigam ainda por duas décadas. “Vulcão às portas de Lyon”, segundo as palavras do filósofo Lanza del Vasto, o maior super-reator do mundo, cuja desativação foi decretada por Lionel Jospin no dia 19 de junho 1997, ainda merece toda a atenção dos engenheiros do Comissariado para a Energia Atômica (CEA).
O Superfênix foi emblemático em mais de um sentido. Ele era uma aposta na capacidade de multiplicar a potência nuclear. A central de Creys-Malville é herdeira da tradição dos reatores de nêutrons rápidos (FBR) – diferente, no plano tecnológico e econômico, daquela dos reatores de água pressurizada (PWR), como o de Flamanville, atualmente em construção. O super-reator aparecia como uma máquina mítica, capaz de gerar o próprio combustível. Seu nome evocava o pássaro fabuloso que renasce das próprias cinzas. E se tornou o ponto focal do combate ambientalista contra a produção nuclear.
A pedra fundamental da central atômica foi colocada em 1976, na idade de ouro do programa nuclear francês, que na época incluía uma reflexão sobre a arquitetura dessas usinas. Ladeado por quatro torres laranja – os geradores de vapor –, o reator reina no centro de uma plataforma industrial de 25 hectares. Em torno dele ficam a sala de máquinas e a de controle, além das oficinas técnicas e escritórios administrativos. Já se pode ver as cicatrizes das operações em curso. No andaime erguido ao lado do reator, os homens parecem minúsculos. Eles tentam bloquear as grades de ventilação de um dos geradores de vapor, para impedir vazamentos no processo de tratamento de 5.500 toneladas de sódio líquido – parte do qual ainda está no tanque do reator.
A EVOLUÇÃO DO SUPER-REATOR
Foi o físico Enrico Fermi, em 1945, que propôs o conceito de super-reator,1 lançando a corrida mundial pelos “rápidos”. Em 1946, os Estados Unidos constroem Clementine, o primeiro FBR, resfriado com mercúrio. Cinco anos depois, conseguem produzir eletricidade com um segundo FBR, o Experimental Breeder Reactor (EBR), em Idaho. Os britânicos iniciam seus testes na área em 1955. Em 1967, a França cria, nas instalações de Cadarache, o Rapsodie e seus dois irmãos caçulas, Harmonie e Masurca. No ano seguinte, os soviéticos lançam o BOR 60; e, em 1972, o BN 350.
Vem então o primeiro choque do petróleo. Em 1973, a França inaugura o Fênix, um FBR de sódio, nas instalações de Marcoule.2 No mesmo ano, os alemães constroem o FBR de Kalkar (mais tarde abandonado). Em 1974, o novo FBR de Dounreay é ativado na Escócia. Com seus 250 MW de potência elétrica, o Fênix simbolizava a irresistível ascensão de um modelo mítico do motor perpétuo. Imediatamente, pensa-se em ir além: o Superfênix, cujo projeto já se inicia, deverá produzir 1.200 MW, cinco vezes mais que o Fênix. Os franceses criam para ele uma empresa específica, a Nersa (Central Nuclear de Neutros Rápidos S.A.), envolvendo uma “Europa dos Seis”: Alemanha, Itália, França, Reino Unido, Bélgica e Holanda. Os norte-americanos e os russos, que estavam presentes no início do projeto, retiram-se. Uma empresa equivalente à Nersa é formada na Alemanha para produzir o alter ego do Superfênix. Mas a ascensão política dos ambientalistas impedirá o nascimento do irmão germânico.
O novo FBR ultrapassava em muito a potência de todos os outros. Esse salto despertou inquietações, inclusive por parte de engenheiros da CEA. Rapidamente o decreto de autorização foi questionado, seguindo-se um braço de ferro entre os responsáveis pelo projeto e seus oponentes políticos, incluindo parte do Parlamento3. Havia quem preferisse um super-reator de 600 MW, com um custo de construção menor.
O olhar esquadrinha as instalações da central nuclear, penetrando além do arame farpado que delimita a fronteira. Quem ainda se lembra do que ocorreu aqui há 30 anos? Em 1971, a seção francesa da Federação Internacional Amigos da Terra, engajada na participação do movimento ambiental, pediu uma moratória relativa à construção de usinas nucleares. Criado em 1975, o primeiro Comitê Malville lançou um chamado para o dia 3 de julho de 1976. Vinte mil pessoas vieram manifestar seu desacordo diante das grades da central em construção. Enquadrada pelas forças da ordem, a manifestação foi pacífica – e sua dispersão ocorreu sem tumulto. Em abril de 1976, a revista Sciences et Vie [Ciência e Vida] publica um artigo de Jean-Pierre Pharabod, ex-engenheiro da Electricité de France (EDF): “É razoável imaginar que um eventual acidente grave no Superfênix possa matar mais de um milhão de pessoas 4”. O coquetel sódio-plutônio de fato apresentava riscos inegáveis.
Em 1977, um ano após o início da construção, o decreto de autorização é concedido. Em 31 de julho, o movimento ambientalista organiza outra manifestação, que não acaba bem, sendo severamente reprimida. O episódio ganhou o mítico nome de “Batalha de Malville”, tendo como saldo muitos feridos, três mutilados e um morto: Vital Michalon.
No mesmo ano, nos Estados Unidos, os protestos antinucleares levaram Jimmy Carter a renunciar ao FBR de Clinch River, que teria uma potência – modesta, na comparação com o projeto francês – de 400 MW. Logo a história da energia atômica civil viria a se tornar inseparável da história de seus acidentes. Em 1979, a central de Three Mile Island, na Pensilvânia, sofreu um grave incidente, acarretando uma fusão parcial de seu núcleo. Os ambientalistas franceses elaboraram então uma petição pedindo que as obras do Superfênix fossem suspensas. Para o grande desgosto desses militantes, a esquerda que chegava ao poder, após um debate parlamentar em outubro de 1981, manteve a política. Os russos acabavam de lançar o mais poderoso FBR da época: o BN 600 (600 MW). Ao mesmo tempo, um núcleo de militantes liderados por Chaïm Nissim passou a organizar pequenas sabotagens em Creys-Malville. Em 1982, disparos de foguetes na direção do prédio do reator, realizados a partir da margem oposta do Ródano5, provocaram danos concretos.
Em 1984 as obras são concluídas. Enche-se de sódio o tanque do reator e os circuitos intermediários. O sangue da fênix começa a correr em suas veias. E irá correr por mais 11 anos apenas. Em 1997, a esquerda plural – uma coalizão socialista, comunista e ambientalista – “condena à morte” o Superfênix. A nuvem de Chernobyl acabou atingindo a França. Porém, lamentam os engenheiros, longe de se aproximar da senilidade, a usina tinha ainda “o coração de um rapaz”. Apenas metade de seu combustível havia sido consumido.
Sob a cúpula noturna do edifício do reator, a 80 metros de altura, o poderoso braço da maior ponte giratória da Europa prossegue a extração dos componentes que outrora animavam a máquina. Lá embaixo, homens trabalham em uma arena fortemente iluminada. Quanto mais nos aproximamos, maior é o calor do sódio (180° C), que irradia invisível, coberto por uma atmosfera de argônio – gás inerte que evita sua oxidação –, fechado no tanque de metal.
Aqui se realizam operações cirúrgicas de grandes dimensões. Já foi retirado o núcleo do reator, formado por algumas centenas de compostos combustíveis que no passado corriam por 16 metros de profundidade, na “piscina” da instalação de armazenamento de combustível. Sob as camadas de cabos elétricos em caracol, distinguem-se enormes tubulações seccionadas, com as extremidades encapadas em filme metálico opaco. Essas eram as artérias dos trocadores de calor.
Não se voltará aqui à avaliação crítica da maturidade do Superfênix. Diversas vezes parado por problemas técnicos e depois por procedimentos administrativos, o protótipo industrial passou por muitos testes. Ele carregava particularmente a esperança de aprender a devorar os actinídeos menores, resíduos de vida longa e altamente radioativos. Os engenheiros adquiriram um bom conhecimento e amavam sua máquina: “A caldeira ronronava como uma panela no fogo”, dizem. O balanço, decepcionante, tem para eles o sabor de um sonho inacabado.
O DESMONTE
Nos geradores de vapor, as operações estão concluídas. Nas paredes, veem-se traços de queimadura de maçarico por conta do corte dos tubos. Marcas fúcsias indicam o que deve permanecer conectado. E, em azul, as tubulações de “ar alimentar” lembram que a usina está viva até o fim dos trabalhos.
A grande fênix não assenta mais na pira da imortalidade. A maioria de seus antigos membros, cortados em pedaços padrão, vai sendo colocada em contêineres progressivamente destinados a ocupar as instalações de armazenamento da Agência Nacional de Gestão de Resíduos Radioativos (Andra). Tudo o que não sofreu radiação vai sendo inserido nos setores apropriados. O restante deve ser descontaminado e tratado.
Em uma oficina integrada ao reator, um maçarico de plasma corta os elementos funcionais que estavam imersos no sódio radioativo. Mais além, a sala de máquinas (10 mil metros quadrados), clara e silenciosa, já não abriga as turbinas. Ela serve de placa giratória para os contêineres em espera e abriga a oficina de tratamento de sódio, boa parte tendo sofrido radiação. O processo consiste em transferir o fluido em quantidades muito pequenas em uma solução aquosa de hidróxido de sódio. A substância obtida é utilizada como água de mistura e adicionada a cimento, cloreto de cálcio e Sodeline, um adjuvante específico. A operação é realizada lentamente, em consequência do risco representado pelo sódio, ao mesmo tempo explosivo e inflamável. O objetivo é produzir 38 mil blocos de concreto sodado a serem armazenados no local até 2035, nos compartimentos de um prédio construído especificamente para isso, a fim de confinar a radioatividade, que continuará decaindo.
A atividade nessas oficinas especializadas é regida pela abordagem de uma taxa de dosimetria “a mais baixa possível”. Para proteger os trabalhadores das radiações ionizantes, a regra estipula a gestão das fronteiras entre os materiais ou lugares contaminados e os não contaminados. Vestuário de trabalho especial, ar pressurizado e balizas de detecção estão entre os dispositivos que permitem garantir a circulação das pessoas nesse universo instável. O trabalho é complicado, pois as técnicas de desconstrução das centrais nucleares não foram definidas no momento de sua construção. Muito específicas, as operações de desmantelamento comportam riscos que devem ser identificados continuamente. Assim, solicita-se a engenhosidade dos interventores para resolver problemas que são encontrados no próprio curso dos trabalhos. O conjunto de conhecimento adquiridos entra no circuito familiar do mundo industrial: é o retorno de experiência. Tudo comandado pelo Centro de Engenharia, Desconstrução e Meio Ambiente.
No local, o conjunto das ações ordinárias conta com uma “rastreabilidade” importante e cotidiana. Além disso, eventos e incidentes de percurso são registrados pela Autoridade de Segurança Nuclear (ASN), constituindo-se um acompanhamento que liga os elementos de toda a história da usina, desde seu nascimento até o fim de sua desconstrução. O corpo dos edifícios também é uma memória. Como enfatiza Estelle Chapalain, “o desmantelamento das instalações é um revelador implacável de seu histórico e das práticas operacionais melhores ou piores. Em termos de radioproteção e segurança do trabalho, deve ser dada atenção especial às situações inesperadas que podem sobrevir 6”.
A memória dos lugares, das ações, assim como a do know-how, continua sendo uma questão capital. À medida que as matérias tratadas entram em um sistema de circulação, é essencial considerar qual será seu destino. Por exemplo, restam incertezas a respeito dos blocos de concreto produzidos com o sódio do Superfênix. O que será deles em 30 anos? O que acontecerá com o urânio e o plutônio, as brasas da piscina Creys-Malville? Cabe à EDF decidir se seus lingotes de combustível podem servir para um novo reator “rápido”? Essas questões implicam a preocupação de transmitir a memória. A dos lugares, a dos conhecimentos e a das técnicas, que é importante garantir antes que todos aqueles que participaram de sua construção estejam dispersos na natureza. Pois, como pergunta Christopher Béhar, diretor de energia atômica no CEA, “quem assumirá o lugar dos engenheiros que se aposentarão em 2025?”.
Christine Bergé é filósofa e antropóloga, autora de Superphénix: déconstruction d’un mythe [Superfênix, desconstrução de um mito], col. Les Empêcheurs de penser en rond, La Découverte, 2010.