Terrorismo de Estado
Silvio Caccia Bava
Desde o 11 de Setembro de 2001, como retaliação ao ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, os Estados Unidos têm conduzido operações secretas e ataques utilizando drones, com a execução de civis suspeitos, em setenta países.1
Com a cooperação da França e da Inglaterra, os Estados Unidos invadiram e destruíram as estruturas sociais e religiosas do Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia. São eles, com suas políticas unilaterais e militaristas, em articulação com os interesses de sua indústria bélica, que estimularam os conflitos religiosos e tribais que deram origem ao Estado Islâmico. Há uma forte correlação entre os atos de terrorismo e as intervenções militares realizadas.
Os dados mais recentes sobre o terrorismo mundial são de 2014, apresentados no Global Terrorism Index, e demonstram que 97,3% das mortes por atos terroristas aconteceram no Oriente Médio, no Magreb, na África subsaariana e na Ásia. As mortes no Ocidente ocorridas por atentados terroristas, desde 2000, representam 0,5% do total se excluirmos o atentado às Torres Gêmeas; se o incluirmos, elas somam 2,6% do total.2
Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os atos terroristas não têm origem religiosa; eles são gerados pelo alto desemprego entre os jovens, pela descrença nas instituições democráticas, pela crise econômica, pelo extremismo de direita e pelos nacionalismos.
O terrorismo ganhou escala a partir de 2014, impulsionado especialmente pelo Estado Islâmico e pelo Boko Haram, e passou a atacar civis (47%), militares/polícia (27%), governo (6%) e negócios (6%). As vítimas de atentados com fundo religioso não ultrapassam 3%.
Outro dado importante é que cerca de 20% dos estrangeiros que se incorporaram ao Estado Islâmico e outros grupos terroristas que atuam no Iraque e na Síria vêm da Europa. Rússia, França, Alemanha e Inglaterra, nesta ordem, são os principais fornecedores. É a Europa que exporta terroristas.
A insensatez de responder com atos de força aos atentados de Paris só leva a maior violência e retaliações, sem chances de resolver os conflitos.
Brasil
Por força de pressões internacionais, especialmente do Financial Action Task Force (FATF)3 – organização internacional criada em 1989 por ministros de seus países integrantes (Brasil e Argentina são os únicos da América do Sul) que recomenda iniciativas a governos nacionais contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo –, o Brasil se viu compelido a criar uma lei antiterrorista sob pena de maiores pressões, por exemplo, partindo das agências internacionais de classificação de risco.4
Assinado pelo ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, e pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy (?!), o Executivo encaminhou em regime de urgência ao Congresso o PL n. 2.016/15.
O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, com a ressalva que explicitamente excluía da tipificação de terrorismo as manifestações políticas e os movimentos sociais, sindicais e religiosos que tenham o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais.
Encaminhado posteriormente ao Senado, seu relator nessa Casa, o senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB-SP, modificou a definição de terrorismo, tornando-a mais ampla e genérica, e retirou do texto elaborado pela Câmara dos Deputados o parágrafo que excluía as manifestações de cidadania da tipificação de terrorismo.
Aprovada no Senado brasileiro em 28 de outubro passado, a lei contra o terrorismo parece ter o mesmo propósito identificado no US Code, que define de maneira vaga o que é terrorismo: “ato violento e perigoso para a vida humana que viola leis estaduais e federais”.
Com essas mudanças, um militante de direitos civis pode pegar até trinta anos de cadeia por participar de uma manifestação que, por exemplo, queime ônibus em protesto contra a deficiência do transporte público.
Lá nos Estados Unidos, há analistas do FBI que dizem que essa lei serve, em países estrangeiros, para intimidar ou coagir a sociedade civil, entre outras coisas.
Agora, o PL n. 2016/15 voltou à Câmara dos Deputados para sua última votação. A Câmara ainda pode modificá-lo, mas neste cenário conservador é preciso ter presente que os poderes de fato sempre lançaram mão do medo coletivo como instrumento de estabilização, fortalecimento ou consolidação de sua dominância política e econômica, especialmente em momentos de crise social e política.5
No caso da América Latina e especialmente do Brasil, os números de vítimas de atos terroristas são inexpressivos, mas a violência urbana aponta para a existência de um terrorismo de Estado, traduzido na violência de órgãos policiais contra a população civil, sobretudo jovens, negros e pobres, vítimas de um genocídio silencioso que requer medidas urgentes para sua erradicação.6
Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.