Três olhares sobre a Irlanda do Norte
Michel Savaric
No momento em que a efetivação de acordos de paz na Irlanda do Norte parece novamente comprometida, três obras nos permitem recapitular a evolução política e social dessa região já tão ferida.
A primeira delas inaugura uma coleção de história romanceada. O autor escolheu retraçar 25 anos de conflito através de um personagem fictício. Sean Mac Dermaid, vindo de um bairro católico e operário, alista-se nas fileiras do Exército Republicano Irlandês (IRA) aos 17 anos, em 1969. Maurice Goldring conta-nos as circunstâncias que o levam a esse engajamento: as manifestações dos católicos por direitos cívicos, a repressão policial e, por fim, os pogroms legalistas. Seguindo Sean em seu périplo político e pessoal, vemos de que forma todas essas engrenagens do conflito se organizam.
O autor nos fornece um contraponto ao dogmatismo de Sean com a personagem de Doireann, sua mãe. Ela representa um ponto de vista feminista e pacifista, contrário à eficiente dialética do republicanismo irlandês. A obra termina no momento do cessar fogo do IRA, em 1994, com a esperança de diálogo entre as duas comunidades.
De leitura fácil, este livro fornece um apanhado bastante completo da sociedade da Irlanda do Norte e do conflito que a vem destruindo há mais de trinta anos, explorando suas origens históricas, seus mecanismos e os desafios políticos. O apelo a personagens fictícias permite ao autor, que se abstém de julgá-las, expressar pontos de vista muito diferentes e, definitivamente, deixa o leitor livre para formar sua própria opinião.
Dos celtas aos conflitos atuais
A obra de Jean Lozes, sob a forma de um léxico muito compacto, completa a que acabamos de comentar. Apesar do título parecer indicar tratar-se de toda a Irlanda, a obra concerne prioritariamente à Irlanda do Norte. A evolução recente talvez explique essa escolha do autor. Assim, um grande número de artigos é consagrado ao acordo de 10 de abril de 1998 — em vias de aplicação —, às negociações de paz e aos principais atores políticos. Os episódios mais importantes da história da Irlanda também estão ali registrados. São episódios sempre presentes na memória coletiva das duas comunidades, como a batalha de Boyne, de 1690, ou o levante da Páscoa de 1916. O autor também não esqueceu da história antiga, com artigos sobre a civilização celta. Em suma, a forma de léxico presta-se bem à exploração de uma história complexa que continua pesando sobre o curso dos acontecimentos na Irlanda.
A terceira obra é consagrada a um aspecto da questão norte-irlandesa geralmente pouco conhecido: o governo unionista e protestante autônomo da Irlanda do Norte dos anos 1920-1972. Em um estudo pioneiro, Gillian McIntosh examina a metanarrativa unionista, que acompanhou a construção do Estado norte-irlandês por meio de fontes diversas: textos de historiadores, programas da BBC local, rituais cívicos (como a visita da rainha Elizabeth II, em 1953) e textos literários dos principais autores protestantes.
O livro mostra todos os esforços do poder unionista para criar a imagem de uma Irlanda do Norte monolítica, uniformemente protestante e britânica. Todo o discurso dominante da época negava assim a presença não apenas de católicos nacionalistas irlandeses, como também de qualquer opinião divergente. No momento em que a Irlanda do Norte se dota novamente de uma assembléia — caso o impasse atual seja superado — e de um governo autônomo, o livro coloca indiretamente a questão da capacidade da maioria unionista de tolerar tais divergências.
Maurice Goldring, Sean, soldat de l’IRA . Belfast, 1969-1994, Autrement, Paris, 1999.
Jean Lozes, Lexique d’histoire et de civilisation irlandaises , Ellipses, Paris, 1999.
Gilian McIntoch, The force of Culture. Unionist Identities in Twentieth-Century Ireland