Tungstênio, de Marcello Quintanilha
Eleita por inúmeras publicações especializadas como a melhor HQ do ano, seu fluxo e enquadramento ditados por Quintanilha colocam o leitor diante de uma obra referenciada na experiência cinematográfica.Cristiano Navarro
Em uma das obras de HQ mais aclamadas de 2014, Tungstênio, do quadrinista niteroiense Marcello Quintanilha conta as histórias de uma rede de relações suburbanas marcada por violências e dominação.
Tungstênio poderia se passar em qualquer periferia do Brasil, mas a vida corre de maneira frenética nos comércios, botecos e coletivos, enquanto o suor escorre de rostos de pessoas simples, em uma tarde e noite quentes de Salvador.
A gíria, o sotaque e as interjeições. A cerveja gelada e a música brega. Os personagens soteropolitanos são retratados de maneira ultrarrealista. Seus cotidianos se entrelaçam por meio de exercícios de poder com desequilíbrio entre o mais forte e o mais fraco: um sargento reformado do Exército que subjuga um pequeno traficante; o traficante que deve favores a um policial corrupto; o policial corrupto que se impõe de forma machista sobre sua mulher.
Acossados, os personagens parecem fugir e perseguir uns aos outros durante todo o tempo. Nenhuma dessas relações é vista através de qualquer filtro moral externo. O que vale em Tungstênio são os acontecimentos e a própria consciência de cada personagem.
Eleita por inúmeras publicações especializadas como a melhor HQ do ano, seu fluxo e enquadramento ditados por Quintanilha colocam o leitor diante de uma obra referenciada na experiência cinematográfica. A paisagem construída com detalhes ajuda a ambientar. A Praia da Boa Viagem, o Forte de Monte Serrat na Ponta do Humaitá e a Cidade Baixa estão lá.
O estopim dos acontecimentos se dá depois que um sargento reformado do Exército coage um traficante a ajudá-lo a prender dois homens que cometem um crime ambiental usando explosivos para pescar na orla próximo à Praia de Boa Viagem. O traficante pede reforço para o policial corrupto para atender à ordem do sargento reformado. Assim, os acontecimentos se sucedem, estando todos do mesmo lado e uns contra os outros.
Cristiano Navarro é editor web do Le Monde Diplomatique Brasil.