Uganda põe o TPI à prova
Num de seus primeiros inquéritos, o Tribunal Penal Internacional depara-se com um dilema. Deve levar até o fim o processo contra os praticantes de um massacre? Ou é possível esquecer seus crimes, se isso abrir caminho para a paz?André-Michel Essoungou
Incrédulo, Jan Egeland, o subsecretário geral das Nações Unidas para as questões humanitárias, discutiu com refugiados do norte de Uganda em setembro de 2006. O chefe de um campo de 25 mil pessoas enfatizou: “Não queremos o Tribunal Penal Internacional (TPI). Queremos a paz”. Egeland argumentou: “Mas é necessário que a justiça seja assegurada a vocês”. “Sem dúvida”, responde seu interlocutor, “mas o julgamento de cinco pessoas nos trará de volta aqueles que perdemos? O TPI vai nos devolver a paz? Ou favorece a continuação da guerra?”
A rebelião do Exército de Resistência do Senhor (ERS) alimenta o mais antigo conflito em curso no continente africano (ler, nessa edição, Vinte anos de guerra sem fim). Diversas intervenções fracassaram. No final de 2003, o TPI foi convidado, pelas autoridades ugandenses, a investigar as atrocidades cometidas pelo ERS no norte do país. Cinco chefes militares foram acusados pelo tribunal, por crimes de guerra e contra a humanidade [1]. A intervenção judicial suscita uma grande controvérsia na região. De acordo com algumas pessoas – incluindo vítimas – as acusações constituiriam um freio ao processo de paz iniciado entre rebeldes e Kampala em julho de 2006.
Para o TPI, Uganda é um teste. Em atividade desde 2002, o tribunal deve demonstrar credibilidade. Em Haia, onde é sediado, o primeiro processo internacional começou: refere-se a um congolês, Thomas Lubanga. O processo ugandense foi aberto antes, mas sua instrução é lenta, devido, sobretudo, à incompreensão das populações [2].
Surpresa: a paz parece mais próxima que nunca
Discretamente, o TPI abriu um escritório no centro da capital Kampala. As salas assemelham-se a um esconderijo. A localização do tribunal não é indicada. Os jornalistas são solicitados a enviar suas perguntas por internet e aguardar as respostas. Empenhada numa difícil campanha de explicação de seu trabalho com as associações do norte do país, o TPI enfrenta as mesmas dúvidas e críticas em todo os lugares.
Há vários meses, a polêmica cresceu, em Kampala e no vizinho Sudão, que patrocinou as negociações de paz, no verão de 2006 [3]. No mês de outubro, Vincent Otti, número dois do ERS, anunciou que, apesar dos progressos obtidos durante as negociações de Juba (sul do Sudão) [4], nenhum acordo global seria assinado enquanto o TPI não abandonasse as investigações [5]. Os rebeldes preferem que seus processos aconteçam em Uganda. A ameaça parece ainda mais séria porque, pela primeira vez desde o início do conflito, em 1986, um acordo de paz parace mais próximo que nunca [6].
Frente à chantagem exercida pelos rebeldes, Kampala pareceu hesitar entre os dois extremos. No círculo do presidente Yoweri Museveni, algumas vozes se ergueram para pedir a retirada dos investigadores do TPI. Essa posição foi compartilhada por diversas associações do norte de Uganda, como o Acholi Religious Leaders? Peace Initiative (ARLPI) ou Save the Children in Uganda (SCIU). Ela parecia corresponder ao desejo de uma parte da população, para a qual a prioridade é a suspensão definitiva das hostilidades. Mesmo assim, o TPI manteve a intenção de julgar os rebeldes, obrigando Kampala a tomar posição publicamente. No início de outubro de 2006, as autoridades ugandenses informaram por escrito ao procurador do TPI, Luis Moreno Ocampo, o compromisso de concluir os procedimentos em curso [7].
Quando o Tribunal vira munição das partes em conflito
Além das indefinições dos rumores e comunicados oficiais, os atores do conflito ugandense tentam servir-se do órgão internacional como alavanca na luta em que estão envolvidos. Do lado governamental, essa instrumentalização é anterior às negociações de paz. Kampala, após ter solicitado o TPI, em dezembro de 2003, tornou pública a culpa dos cinco chefes rebeldes, em 2004. A imprensa local foi informada de que as investigações continuavam secretas. O boato transformou o ato de acusação do TPI em arma de pressão contra os rebeldes.
Em dezembro de 2004, durante uma entrevista coletiva em Londres, o procurador do TPI e o presidente ugandense forneceram detalhes sobre os procedimentos. Na falta de vitória militar, Kampala procurou um novo aliado. No espírito dos oficiais ugandenses, o peso desse associado judicial seria decisivo em eventuais negociações com o ERS. Em 2005, após os primeiros contatos com rebeldes, a negociadora governamental Betty Bigombe, ex-ministra do presidente Museveni, anunciou que se o ERS entregasse as armas, as autoridades se comprometeriam a pedir ao TPI que abandonasse as investigações [8].
O chefe do Estado ugandense age de acordo com o seu humor: ora acena com ameaça judicial, ora pede o fim das ações do TPI. Em Kampala, uma pessoa próxima do presidente confirmou esse paradoxo: “Se o ERS aceitar assinar o acordo de paz global, nos arranjaremos com o TPI. Teremos boas razões para fazer com que o tribunal abandone as investigações”.
A dura missão de julgar de costas para a política
O tribunal aparenta tolerar a atitude ugandense. Ou melhor, parece preso a ela: é como se estivesse a serviço das autoridades de Kampala. Os rebeldes o têm como responsável pelo bloqueio das negociações. Na tentativa de afirmar sua independência, a corte proclamou a intenção de conduzir os procedimentos até o final. Mas essa posição tornou-se um desafio político para o governo e rebelião. Não seria surpresa se um acordo fosse assinado ao preço de um pedido oficial de interrupção dos processos penais.
O tribunal não pode se abstrair da situação política local. Se insistir numa lógica exclusivamente judicial, corre o risco de incentivar a continuação do conflito. Kampala, que assumiu o compromisso de colaborar com o TPI, ratificando seu tratado fundador, se colocaria numa situação embaraçosa no que diz respeito à legalidade internacional, se pedisse o fim dos processos. Aos olhos da ONU e das grandes potências, os imperativos políticos e humanitários prevaleceriam.
Os estatutos do tribunal poderiam fornecer a Uganda uma saída jurídica capaz de justificar sua atitude. Ao contrário de outros tribunais internacionais (Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia ou Tribunal Penal para Ruanda) [9], o TPI atribui aos Estados a prioridade na aplicação da justiça. A ação internacional deixa de ser possível, se forem instaurados processos confiáveis contra os criminosos. O tribunal pode intervir apenas no caso de inação – voluntária ou involuntária – dos Estados. Os 104 países que ratificaram o seu estatuto [10] devem prestar-lhe assistência, fornecendo informações ou entregando suspeitos.
O processo ugandense põe em jogo a imagem do jovem órgão judicial internacional e pode orientar suas ações futuras. Aparentemente, o TPI encontra dificuldades semelhantes às de seus antecessores: o desejo de fazer justiça não pode continuar cego aos desafios diplomáticos e políticos [11]. Nos campos de refugiados do norte de Uganda muitos não compreenderiam o prolongamento da dura condição