Um acordo que amplia o leque de possibilidades do Irã
Acima de tudo, a celebração de um acordo sobre o programa nuclear iraniano é uma vitória para o Irã. É verdade que o regime teve de ceder em pontos outrora inegociáveis, como o número de centrífugas e a taxa de enriquecimento de urânio, mas, em troca, alcançou o estatuto de interlocutor reconhecido do OcidenteShervin Ahmadi
Com o acordo sobre o programa nuclear iraniano, a república islâmica vê desenhar-se a perspectiva de novas cooperações com seus antigos detratores, primeiro no plano econômico, depois, talvez, a longo prazo, nas áreas militar e política. E isso sem que nada tenha sido resolvido, e ainda que subsistam diferenças fundamentais quanto à interpretação do Acordo de Lausanne, sobretudo no que concerne ao ritmo da retirada das sanções.
Ao contrário do que se esperava, o acordo de transição não gerou grande euforia entre os dirigentes iranianos, que foram contidos, sem esconder sua satisfação. Do comandante da Guarda Revolucionária ao chefe do Estado-Maior, passando pelo presidente do Parlamento, Ali Larijani, todas as autoridades de Estado apoiaram respeitosamente os negociadores. Ali Khamenei, o líder supremo, tomou posição bastante tardiamente, avaliando que “o texto de Lausanne não garante necessariamente um acordo definitivo” e que os iranianos “não têm de se regozijar ou comemorar”. Suas palavras soam como um aviso para o futuro, mas não devem deixar esquecer que ele próprio facilitou esse resultado, permitindo que os negociadores iranianos fizessem concessões. No final, somente as facções mais duras do regime, próximas do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad e reunidas em torno de um movimento conhecido como dos “Preocupados” (Delvapassan), expressaram oposição, acusando o acordo de não defender suficientemente os interesses nacionais.
A população está reunida em torno do presidente Hassan Rohani. O desfecho das discussões em Lausanne também reforça a posição de personalidades do mundo da cultura que apoiaram a equipe de negociação. Em novembro de 2014, seis cineastas – entre eles Abbas Kiarostami, Asghar Farhadi e Rakhshan Bani-Etemad – lançaram campanha com o lema “Não há pior acordo do que nenhum acordo”. Pela primeira vez em mais de trinta anos, intelectuais estão engajados de maneira tão assertiva e positiva nos assuntos da república islâmica. Ao mesmo tempo, as manobras da Arábia Saudita e de Israel para tirar as discussões de Lausanne dos trilhos também contribuíram para reacender o sentimento nacional, para não dizer nacionalista.
No entanto, não devemos nos iludir: o acordo não vai aliviar o sentimento de impaciência que domina o país. A situação econômica continua muito difícil, e, embora o governo tenha anunciado que a inflação está sob controle, os iranianos estão sobrecarregados pela alta cotidiana dos preços. O descontentamento cresce e as greves se multiplicam, sobretudo na indústria automobilística e na educação.
Descolamento entre poder e sociedade
Além disso, a aproximação com o Ocidente criou uma nova questão geopolítica para o Irã. As negociações mostraram a sagacidade do país em matéria de política externa. Ao contrário de muitos de seus vizinhos, o Irã desenvolveu uma visão estratégica regional e internacional coerente com a criação de uma área de influência que se estende das vizinhanças da China ao norte do Afeganistão e até o Mediterrâneo.1 Mas como continuar a gerir esse domínio sem causar atritos com seus interlocutores ocidentais? Seja em relação ao Líbano, ao Iraque, à Síria ou ao Iêmen, o Irã acabará tendo de adaptar sua política externa para não colocar em perigo o Acordo de Lausanne, ainda que seus diplomatas tenham tido o cuidado de separar a questão nuclear de outros temas espinhosos, como o reconhecimento de Israel.
Assim, resta saber se esse acontecimento vai ajudar a mudar o sistema desde seu interior. A má gestão que assola o país está estreitamente ligada à história e à própria natureza do poder iraniano, caracterizado pela coexistência de diferentes correntes, nenhuma delas capaz de extirpar as outras.2 O que foi certamente uma vantagem nos primeiros anos da república islâmica hoje constitui um fator de estagnação, na medida em que qualquer mudança requer amplo consenso dos círculos dirigentes. As profundas mudanças dos últimos trinta anos resultaram em uma tensão permanente com a população sobre as questões da sociedade. O regime tem cada vez mais dificuldade para gerir a contradição entre uma forma de poder de aparência islâmica e o desenvolvimento de uma sociedade moderna, altamente urbanizada.3
Embora tenha vencido no primeiro turno as eleições presidenciais de junho de 2013, Rohani não pretende questionar a ordem estabelecida. Além do restabelecimento de um aparelho de Estado severamente enfraquecido por oito anos de presidência de Ahmadinejad, a normalização das relações com o Ocidente e o fim do isolamento do país são suas principais tarefas. Supondo que os dirigentes iranianos, tranquilizados pela perspectiva de não estarem mais em confronto direto com os Estados Unidos e a Europa, optem pela mudança, eles terão de definir o modelo a seguir. Como o projeto de abertura política “à Gorbachev” dos reformistas fracassou, parece que é o modelo chinês – politicamente fechado e economicamente liberal – que tem a preferência. Mas o surgimento de um capitalismo industrial no Irã continua incerto, pois a economia, pouco diversificada, é muito dependente das receitas do petróleo. Além disso, a anunciada abertura do mercado iraniano não fortalecerá a indústria e corre o risco de produzir a mesma situação de muitos países produtores de petróleo: um capitalismo rentista que serve de antena local para grandes corporações transnacionais. De muitos pontos de vista, o caminho da mudança no Irã ainda será longo.
Shervin Ahmadi é jornalista responsável pela edição de Le Monde Diplomatique em farsi.