Um outro retrato de Stálin
Os trabalhos do historiador britânico Geoffrey Roberts rejeitam a caricatura do dirigente soviético como um ditador tirânico e incompetente. E enfatizam seu papel decisivo na derrota do nazi-fascismo. Bem como seu esforço para assegurar à Rússia devastada pela Segunda Guerra algumas décadas de paz e segurança
Não há palavras suficientes para descrever a importância da obra As guerras de Stálin, recém lançada pelo historiador britânico Geoffrey Roberts [1]. Desde 1989, seus trabalhos rejeitam a caricatura de Joseph Stálin armada pela “sovietologia” francesa, então sob o comando de estudiosos do comunismo como Stéphane Courtois e François Furet.
Roberts descreve em seu livro o período entre 1939 e 1953, desde os primórdios da Segunda Guerra Mundial e até morte de Stálin, e cruza os arquivos soviéticos com testemunhos políticos e militares a posteriori. As duas partes iniciais, que abrangem o pré-guerra e a guerra, são as mais apaixonantes, além de melhor documentadas. A primeira, com três capítulos, é consagrada ao período que separa o pacto de não-agressão entre Alemanha e URSS, de 23 de agosto de 1939, e a invasão nazista ao território soviético, em 22 de junho de 1941. Inclui ainda a “guerra de inverno” contra a Finlândia (dezembro de 1939 – março de 1940), uma antologia da propaganda anti-soviética e as execuções de Katyn, episódio em que oficiais do exército polonês foram massacrados pelos soviéticos. A culpa por este último episódio recaiu, por muito tempo, sobre os alemães.
A “grande guerra patriótica”, dividida em seis capítulos, apresenta Stálin como um chefe político e militar que sabe discutir e delegar e que enfrentou resistências e dificuldades terríveis no começo de seu governo. Segundo o historiador, o líder soviético tirou inúmeras lições valiosas dos revezes e das extraordinárias vitórias que abateram a Wehrmacht, as forças armadas nazistas. As etapas dessa guerra de extermínio alemão e de heroísmo soviético são descritas com um talento e uma paixão cativantes.
Roberts, aliás, utilizou largamente os recursos da historiografia militar anglo-saxã, que se renova há mais de dez anos sem cessar. Nela se distinguem algumas obras como o livro de David M. Glantz e Jonathan M. House [2] sobre a guerra e sua condução, que abriu caminho para numerosos escritos recentes, e um trabalho de Michael Jabara Carley, que discute a propagação da “russofobia” [3]. Outro destaque é a edição feita por Antony Beevor e Luba Vinogradova das “cadernetas de guerra” do jornalista e escritor Vassili Grossman [4], que descrevem o cotidiano dos soldados do Exército Vermelho. Correspondente do jornal russo Krasnaya Zvezda (Estrela Vemelha), Grossman acompanhou passo a passo as movimentações das tropas russas no front oriental da Segunda Guerra.
“O Ocidente” é divido em três capítulos, que mostram a hegemonia dos Estados Unidos pós-1945 e buscam relatar como os americanos transformaram os heróis e aliados soviéticos em inimigos da Guerra Fria. Roberts postula o erro de percepção americano sobre as intenções da URSS, que seriam pacíficas, mas mal interpretadas por Washington. Sua abordagem psicológica afasta-o dos “revisionistas” dos Estados Unidos. Estes defendem que os soviéticos, tão indispensáveis até o início de 1945, não puderam resistir à capacidade dos Estados Unidos de reduzi-los à impotência. Mas Roberts partilha com os historiadores “radicais” a análise da dupla obsessão de Stálin: assegurar por algumas décadas a segurança da URSS, devastada, e manter, contra todas as marés, os esforços de coexistência pacífica com “o campo imperialista”, nascidos com Lênin.
Em sua grande obra de 1964 (A Rússia em Guerra, Stock, Paris), Alexander Werth já advertia contra a reescritura krucheviniana da história soviética, sistematicamente anti-stalinista. Ele requeria um exame sereno sobre o papel daquele que foi celebrado por centenas de milhões de pessoas como o artífice essencial da vitória contra o Reich hitleriano e contra o fascismo, dentro da URSS e fora dela. O livro de Roberts, descrevendo um líder revolucionário que foi também patriota, constitui trabalho da maior importância no caminho para essa interpretação defendida por Werth.
*Annie Lacroix-Riz é historiadora e professora da Universidade Paris VII.