Um respiro para sentir, sonhar, viver e ressignificar
Espécie de desabafo, livro de poemas é uma tentativa de fazer o leitor refletir a respeito daquilo que realmente importa na vida: as relações humanas
Ainda criança, por intermédio de minha avó, caiu em minhas mãos um livro chamado Os mais belos sonetos brasileiros. Sua leitura fez com que me apaixonasse pela literatura, em geral, e por poemas, em específico. Incentivado pelo meu avô, que era poeta e sempre declamava seus versos nas reuniões familiares, resolvi me aventurar na arte da escrita, hobbie, à época.
O tempo passou e a vida me levou a outras paragens. Tornei-me médica, profissão que acredito relacionar-se com a atividade literária, pois praticá-la significa cuidar não apenas do corpo, mas da alma. Entre a medicina e a poesia, encontrei meu lugar: unir ciência e arte para enxergar e tocar a vida com mais sensibilidade.
O anseio por tratar a alma desembocou na obra Trinta e cinco pausas, publicada pela Editora Devir, poesia & prosa. Em meu livro de estreia quero propor um respiro em meio ao caos da vida cotidiana, para que o leitor reflita sobre a vida e sobre si próprio. Ao todo são 140 poemas, divididos em quatro partes, intituladas: “Sentir”; “Sonhar”; “Viver” e “Ressignificar”.

Começo o livro com uma espécie de desabafo sobre aquilo que trago dentro de mim: pensamentos, sentimentos, emoções e anseios, manifestados em curto e singelo verso: “Já que se deve/começar/de algum lugar/que seja/de dentro”.
Na primeira parte, dedicada ao sentir, o amor é o tema central. Sobre esse sentimento maior, busco ser pródiga, como deixa claro os seguintes versos: “Sofro/ de intensidade/ não sei amar/ pela metade”; “receita/ de amor/ não tem medida/é a gosto”; “Sou feita/ de carne e osso/ e amor e sangue; e “a cada pulsação/ mais amor/ cabe em mim”.
Em “Sonhar”, trato da matéria que impulsiona o viver, e que se confunde, de certa forma, com o próprio existir. Início com o poema: “Olho no espelho/ e gosto do que vejo/ sou eu então/ com meus sonhos/ e desejo”. “Sonhos me vêm/voo com eles”, escrevo à certa altura. E também: “Por onde passam/seus desejos/aí está/sua felicidade”.
Se o mote desse segmento é o aspecto motivador da vida: sonhos, objetivos e metas. Nada mais justo que alguns textos sejam dedicados a um dos ofícios que mais amo: a escrita, mais especificamente o ato de escrever poemas. Dos diversos textos poéticos, destaco este: “Não reduza a poesia/ a meras palavras/ o que mais é capaz/ de florear esse mundo?”.
Na epígrafe da terceira parte, evidencio o meu conceito de viver. “… é bem mais que apenas existir”. Meus poemas, então, tratam sobre a necessidade de a vida ser vivida de forma intensa para ser considerada digna de nota. “É preciso agradecer e rir/ das nossas loucuras/ intensidade e confusões/ que delícia é viver/ sentir/ se entregar/ ao que vier/ e tiver de ser”; “Morno/ nem morto/ quero/ pegar fogo”.
Nessa seção também enalteço a vida em si, negando-me a deixar de experimentar, criar e ser feliz. “Enquanto minhas cortinas/ estiverem abertas/ me faço artista/ e plateia; prego peça com a vida/ brinco no meu palco”. Da mesma forma pode ser interpretado o verso: estar na trevessia/ é estar/ em si”.
Na quarta e última parte, – Ressignificar – diversos poemas tratam sobre a importância do recomeço para se tornar protagonista da própria história. Com essa chave de leitura, é possível compreender melhor os versos “me livro/ de pesos velhos/ e me vejo livre/ para novas emoções”; “me visto de recomeços/roupas novas/ me caem tão bem”; e “me refaço/refiz/ só não me canso de ser feliz”.
Nesse trecho da obra, medito também sobre a liberdade de ser o que sou, sem temer os desafios que não cessam de aparecer no caminho, abraçando a incerteza da vida. “A queda/ foi tão livre/ que voei”; “estabeleço uma rota/ mas fujo sem avisar/ quero me encontrar/ nas curvas/ de mim mesma”; “maturar/ é desfolhar-se”, são exemplos de poemas nesse sentido. Falando sobre mim mesma, abro espaço ainda para refletir sobre a experiência de ser mulher: “…é ser potência/ é pegar fogo/ e não se queimar/ é renascer/ mesmo em chamas”.
A importância da escrita em minha vida e a reflexão acerca do ato de escrever permeiam Trinta e cinco pausas do início ao fim. Ao falar sobre o ofício pelo qual nutro um amor incondicional, falo sobre mim mesma. Escrever e viver são atos com relação aos quais não consigo estabelecer diferença alguma, como busco demonstrar nos versos finais de minha obra:
“Estou em minhas mãos/haveria lugar melhor/eu caberia em outras? / me cabe estar em mim/ primeiro me vejo/ me sinto, me escuto/ percebo traços, curvas, cores/ texturas, marcas, movimento/ é no mexer das mãos/ que aparecem palavras/ é no dançar das mãos/ que danço no papel/ enquanto escrevo/ sinto que danço/ por toda a vida”.
Renata Magliano é médica, poeta e escritora.