Uma biografia à altura de De Gaulle
Gilles Perrault
Esqueça tudo! Esqueça as extensas leituras sobre De Gaulle — inúmeros artigos, ensaios muitas vezes excelentes, biografias conscienciosas, entre elas a excepcional, de Jean Lacouture — e entre, olhar intrépido, nesse monumento de 1400 páginas. Há cinco anos, Paul Marie de la Gorce mergulhava em um tema já muito batido, a Segunda Guerra
Mundial, e renovava-o totalmente graças a uma abordagem inédita que explicava os fatos sob seu aspecto mais decisivo: o das escolhas estratégicas dos beligerantes. [1] A presente obra reitera tal esforço. De Gaulle, claro, mas De Gaulle dans le siècle, e são estas últimas palavras que fazem a diferença.
Escapamos à celebração convencional de um destino fora de série. O herói é submetido a um exame retrospectivo de um historiador minucioso. Assim acontece com o ato fundador da epopéia: a convocação à Resistência, de 18 de junho. “De Gaulle tinha razão?” interroga-se o autor, friamente sacrílego. Lembra então as hesitações, os dias precedentes no gabinete de guerra britânico com seus vários membros eminentes, como Lord Halifaz, chefe do Foreign Office, que tendiam a entrar em negociação com um Hitler bastante disposto a deixar para a Grã-Bretanha seu esplendor imperial para ter as mãos livres a Leste. Mas o ímpeto de Churchill varreu sua timidez. De Gaulle tinha portanto razão. Chefe da França Livre, ele evocou em Londres a máxima de Chamfort: “Os apaixonados venceram, os razoáveis permaneceram”, acrescentando em seguida que seus companheiros e ele eram ao mesmo tempo razoáveis e apaixonados.
Homenagem à admirável paixão, a empreitada de Paul-Marie de La Gorce consiste em verificar, em cada etapa de vida de seu personagem, se suas atitudes entravam nas categorias do razoável, de acordo com o cenário mundial, europeu ou francês, e da relação de forças presentes. Foi preciso a intimidade do autor com a história da metade do século, enriquecida pela exploração exaustiva dos arquivos recentemente abertos, seu conhecimento aprofundado das cenas e dos bastidores, uma aptidão rara para mencionar as milhares de reviravoltas do fluxo dos acontecimentos sem nunca se perder em seus meandros. A isso se acrescentam suas entrevistas com De Gaulle, o primeiro presidente da Quinta República, cujo conteúdo ele revela pela primeira vez.
Visionário e pragmático
Dessa confrontação ressurge um De Gaulle ainda mais imponente. Animado até o último suspiro por sua estranha paixão pela França, ele foi também esse visionário lúcido, capaz de se projetar para além das realidades imediatas, mesmo as arrasadoras, para antecipar até o futuro longínquo. E foi também um pragmático hábil em tirar partido de um jogo freqüentemente sem trunfos. Houve algumas exceções. A mais notável foi em 1947, quando ele tentou voltar ao poder criando o Reagrupamento do Povo Francês (RPF). Convencido da iminência de uma terceira guerra mundial, caindo num anticomunismo e num anti-sovietismo pueril, esse homem dotado de um faro histórico raramente falho, parece desta vez ter perdido os parâmetros. Por outro lado La Gorce demonstra que, se ele não percebeu a chegada do maio de 68, compreendeu seu significado melhor do que muitos outros, inclusive do que a maior parte dos políticos de esquerda que viram nele nada mais do que um elevador em direção ao poder.
Desse livro profundo e esclarecedor citaremos a última frase, que conclui uma evocação emocionante da França Livre e da Resistência, porque é bela e corre o risco de vir a ser profética: “A História indubitavelmente recobrirá tudo. Ao final restará, talvez, alguma coisa além da História.”
Paul-Marie de