Uma causa negligenciada da crise norte-americana
Os EUA reclamam frequentemente da concorrência industrial dos países asiáticos. Eles esquecem que em 1997, quando a crise financeira abalou a região, eles impuseram tal tratamento de choque que os países atingidos juraram nunca mais ficar em posição de falência e decidiram acumular divisas… exportando para os EUADean Baker
(MIgrante birmanesa trabalha em fábrica de roupas taiwanesa no noroeste da Tailândia)
Ao analisarem os desequilíbrios na economia dos Estados Unidos, os economistas, em geral, minoram – ou descartam – o impacto do déficit comercial do país, embora seja um elemento fundamental em seus problemas financeiros. Ainda menos comentada é a origem desse déficit, consequência direta do plano de salvamento elaborado pelo Tesouro norte-americano por ocasião da crise asiática de 1997. Esse programa, colocado em prática pelo FMI, conduziu ao crescimento da bolha imobiliária cuja explosão, em 2007, abalou o sistema financeiro.
Antes de 1997, os Estados Unidos registravam déficits comerciais de pouco mais de 1% do PIB. No espírito da administração Clinton, um dos objetivos principais da redução do déficit orçamentário era provocar a queda das taxas de juros, que, por sua vez, acarretaria a queda do dólar e tornaria os produtos norte-americanos mais competitivos no mercado internacional. Ao mesmo tempo, a medida melhorava o saldo da balança comercial e estimulava a economia. De fato, esse foi o cenário econômico dos Estados Unidos nos dois anos seguintes à eleição de Bill Clinton para a Casa Branca: o dólar caiu em 1993 e 1994; pouco a pouco, reduziu-se o déficit em relação ao PIB, que naquele momento estava em processo de crescimento de 3% ao ano.
Robert Rubin, nomeado secretário do Tesouro em 1995, não escondia o desejo de uma política com o dólar forte. A simples declaração dessa intenção provocou a revalorização da moeda em meados desse mesmo ano, mas foi em 1997, com o plano de salvamento da crise asiática, que o aumento da dívida norte-americana se consolidou.
Até então, os Estados do Leste Asiático se construíam segundo os modelos econômicos de países em via de desenvolvimento: havia décadas, sustentavam altas taxas de crescimento, e, nos mais avançados (Taiwan, Coreia do Sul), os níveis de vida se aproximavam das normas europeias. Contudo, com a crise financeira de 1997, esses Estados foram acusados de clientelismo e corrupção.
Desvalorizar para exportar
O FMI impôs reformas drásticas com a finalidade de adequar a economia desses países ao modelo norte-americano, ao mesmo tempo que os Estados Unidos os obrigavam a pagar integralmente suas dívidas e abriam as portas de seu mercado consumidor às suas exportações asiáticas. As moedas desses Estados degringolaram em relação ao dólar, e as exportações decolaram.
A crise, porém, ultrapassou as fronteiras da região e os termos severos do plano de salvamento inquietaram outros países em via de desenvolvimento. Essas nações concluíram que seria melhor não ter de negociar com o FMI, e a forma mais segura de não experimentar a mesma situação dos países do Leste Asiático era aumentar a reserva de divisas a título de precaução contra um rebote da conjuntura. Para atingir esse objetivo, a medida mais simples é desvalorizar a moeda o suficiente para fortalecer as exportações e produzir altos excedentes comerciais: dessa forma, os dólares dos países importadores fluem para os caixas dos Estados exportadores. Foi exatamente o que aconteceu a partir de 1997. Essa supervalorização do dólar contribuiu para a explosão do déficit comercial norte-americano, que, no último trimestre de 2000, ultrapassava 4% do PIB. O rombo diminuiu ligeiramente com a recessão de 2001, mas voltou a subir à medida que a economia recuperou o dinamismo, chegando a 6% do PIB (US$ 805,7 bilhões) no segundo trimestre de 2006 – justamente quando a bolha econômica atingia seu ponto culminante.
Sentimento de riqueza
A relação entre esse cenário e a bolha imobiliária? Os déficits comerciais criam um desequilíbrio na demanda interna: em vez de consumir produtos nacionais, a população compra bens importados. Essa carência foi, em parte, mascarada pelo boomda construção, fomentada pelos empréstimos a juros baixos para a compra de bens imobiliários cujo valor parecia crescer indefinidamente. Ademais, a falta relativa de demanda por produtos nacionais foi amortizada pelo aumento do consumo, alimentado pela sensação de riqueza que os norte-americanos experimentaram ao ver seus bens imobiliários supervalorizarem. Esse “efeito riqueza” aumentou quando os preços dos imóveis estavam no auge. Com a balança comercial mais equilibrada, a bolha pararia de crescer, pois a pressão da inflação – contida pelas importações a baixo preço – teria, provavelmente, conduzido o Federal Reserve (FED) a aumentar suas taxas de juros.
Contudo, em um contexto em que o déficit comercial atingia seu auge, o Banco Central norte-americano parecia considerar a bolha imobiliária uma muleta capaz de sustentar a atividade econômica. Alan Greenspan, então presidente do FED, acreditava, ademais, que o crescimento do número de pequenos proprietários favorecia a adesão firme dos norte-americanos à economia liberal.
O déficit comercial norte-americano criou um ambiente propício para o aumento da bolha imobiliária na última década. Ao projetar essa situação no futuro, é difícil imaginar a retomada do crescimento vigoroso da economia norte-americana sem a desvalorização do dólar e sem o reequilíbrio de sua balança comercial.
Dean Baker é economista, co-diretor do Center for Economic and Policy Research, Washington (EUA).