Uma democracia incompleta
Dois livros pesquisam a condição feminina: o primeiro conta as primeiras décadas da entrada da mulher no mundo “masculino” da política; o segundo mostra a fragilidade do avanço da mulher e os obstáculos que tem pela frenteEliane Viennot
Com a concessão do direito de votos às mulheres, em 1945, uma página da história da República francesa é virada. O voto torna-se finalmente universal. O livro de William Guéraiche, Les Femmes et la République relê, a partir de um ponto de vista original, as primeiras décadas da entrada das mulheres no mundo hermeticamente masculino da política. É difícil propor uma tipologia dessas mulheres devido ao baixo índice de participação, cada caso parecendo assim particular. Mesmo assim, o livro desafia a idéia de que as mulheres seriam excluídas em bloco do processo político e desmonta os mecanismos de uma “ordem” que as integra numa dupla condição, a qual elas respeitam (isto é, “fazem o jogo”) e que as separa do conjunto das mulheres.
Mudando as regras do jogo
Na ausência de uma mudança desta ordem (o que não ocorreu, apesar da abertura do pós-libertação e a mudança do processo de eleição do presidente da República), as diferentes estratégias adotadas pelas feministas de diferentes países não alcançaram êxito e nenhuma melhoria significativa da representação feminina nos cargos públicos da nação foi constatada neste período — isto justifica a esperança que o autor parece por na paridade, que representa uma mudança real nas regras do jogo político. Poderíamos discutir algumas de suas escolhas (não levar em conta o movimento associativo, focalizar a esquerda apenas a partir dos anos 70 etc.), criticar a sua maneira de debater com inimigos não identificáveis ou ainda recriminá-lo por superestimar a capacidade do leitor o acompanhar (não oferece uma lista de siglas, faltam fichas recapitulativas por mulheres etc.). Mas a pesquisa é a primeira sobre o tema, e por isso mesmo essencial.
O livro Comment les femmes changent la politique, et pourquoi les hommes résistent, de Philippe Bataille e Françoise Gaspard, completa felizmente a pesquisa acima. Construído em torno de uma investigação meticulosa conduzida junto às mulheres socialistas candidatas às eleições legislativas de 1997 (devido à decisão de Lionel Jospin de “reservar” 30% de candidaturas às mulheres), o livro é precedido por um sólido levantamento sobre “a longa marcha das mulheres para se tornarem atrizes políticas”. Mostra em que medida os comportamentos e as regras descritas por William Guéraiche continuam em vigor (a certeza dos homens de que são eles os únicos “candidatos naturais”; o sentimento das mulheres de que as batalhas internas para conquistar a candidatura não estão à altura do preço pago etc.). Mostra ainda a fragilidade de um avanço surgido exclusivamente da boa vontade do “príncipe”, e não de uma modificação da regra — e é disto que nem todas as beneficiárias parecem ainda sequer conscientes.
William Guéraiche, Les Femmes et la République. Essai sur la répartition du pouvoir de 1943 à 1979 , Editions de l’Atelier, Paris, 1999.
Philippe Bataille e Françoise Gaspard, Comment les femmes changent la politique