Uma muralha contra o socialismo
Desde os anos 1930, os liberais concebiam a integração europeia como um dos meios de derrubar as estruturas da economia dirigida, tirando das mãos do governo a condução do mercado. Uma união econômica e monetária permitiria contornar a soberania nacional e serviria de barreira às tentações protecionistas ou socialistas
“Vocês sonham com uma Europa unida, autônoma, socialista. Mas se ela recusar a proteção dos Estados Unidos cairá fatalmente nas mãos de Stálin1.” Essas considerações, feitas por um dos protagonistas de Os mandarins, romance de Simone de Beauvoir, têm o mérito de lembrar um fato essencial: logo depois do segundo conflito mundial, foi a Guerra Fria entre as duas grandes potências que ditou a dinâmica do projeto europeu.
Enquanto o velho continente tinha sua parte Oeste sob a tutela americana e a União Soviética estendia sua dominação para o Leste, a cooperação intergovernamental seguia de vento em popa. Sob o amplo manto da paz e da liberdade, a causa europeia reunia uma nebulosa composta por conservadores católicos e socialistas reformistas, sindicalistas moderados e grandes patrões, servidores do Estado e intelectuais liberais. Nem todos estavam de acordo sobre a natureza precisa da unificação continental ou os parâmetros para sua realização, mas começaram a discutir suas bases em 1948, no Congresso de Haia.
Será que o projeto de uma união da Europa transcenderia as clivagens políticas? Na realidade, os europeanistas manobravam um navio que tombava claramente para a direita: desde a origem, os conservadores conquistavam a maioria. Até a revista católica Esprit se mostrava desconfiada: “Fiquemos atentos”, escreveu Jean-Marie Domenach em 1948, pois “a federação dos povos da Europa e o abandono das soberanias nacionais eram até agora o sonho mais ousado dos homens de esquerda. Hoje, os Estados Unidos da Europa contam com toda essa reação2”.
A paixão comum pela Europa não era, de fato, a única razão para aproximações ideológicas às vezes surpreendentes. Os militantes da esfera de influência pró-europeia “têm em comum, antes de tudo, a raiva contra o comunismo, que é raiva intelectual do marxismo para uns e simples raiva de classe para outros”, segue Domenach.
Nesse clima de tensões, a administração americana se afirmou como um apoio essencial – e decisivo – para a unificação da Europa. Durante dez anos, a CIA, central de inteligência americana, tornou-se, secretamente, uma das principais financiadoras dos movimentos federalistas, por meio de um organismo batizado de American Committee on United Europe (Comitê Americano para uma Europa Unida – ACUE).3 Assim, os Estados Unidos “freavam” a potência soviética e continham as vitórias eleitorais dos comunistas. Também fez parte da estratégia a inclusão dos países da Europa Ocidental numa aliança militar dirigida por Washington, na qual a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), instituída em 4 de abril de 1949, constituía a peça principal. Além disso, o governo americano exigia a criação de uma união alfandegária entre seus parceiros europeus, forçando a abertura dos mercados para escoar suas mercadorias e capitais.
Posicionamento estratégico
Essa perspectiva seduzia aqueles que flertavam com o neoliberalismo. Desde os anos 1930, eles concebiam a integração europeia como um dos principais meios de derrubar as estruturas da economia dirigida, tirando das mãos do governo a condução do mercado. Na era do Estado providência, uma união econômica e monetária permitiria contornar a soberania nacional e serviria de barreira de proteção às tentações protecionistas, ou até socialistas, dos governos.
Nada disso surpreendente, já que encontramos neoliberais convictos em postos-chave: o economista René Courtin, por exemplo, presidia o comitê executivo francês do Movimento Europeu, criado depois do Congresso de Haia, enquanto o “modernizador” Robert Marjolin dirigia a Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE).
Extremamente presentes na comissão econômica e social do Congresso de Haia, os defensores do neoliberalismo fixaram metas para o futuro, conseguindo fazer com que fosse adotada uma resolução final que evitava, cuidadosamente, qualquer referência baseada na planificação. Pelo contrário: obrigava a futura união a estabelecer “em toda a sua extensão” a livre circulação de mercadorias e capitais.4 A integração seria, assim, o vetor do restabelecimento do livre comércio no continente.
Esse lampejo de reação explica a atitude crítica dos trabalhistas britânicos. Apesar de se mostrarem favoráveis a diversas formas de cooperação intergovernamental, o primeiro-ministro Clement Attlee (1945-1951) e seu secretário de assuntos estrangeiros, Ernest Bevin, recuaram diante das iniciativas dos federalistas europeus. Isso porque o governo Attlee, que conduzia um programa ambicioso de reformas sociais – marcadas, entre outras coisas, pela fundação do sistema de saúde pública, o National Health Service, e uma série de estatizações –, se recusou a diminuir a soberania inglesa em proveito dos conservadores. Precursor na teorização do neoliberalismo, o jornalista americano Walter Lippmann deu-lhe, de bom grado, razão. “Não podemos nos iludir: a união política das nações livres da Europa é incompatível com o socialismo de Estado do tipo britânico”, afirmou na Gazette de Lausanne de 9 de maio de 1948.
Os interesses imperiais da Grã-Bretanha certamente reforçaram a hostilidade de seus governantes em relação aos projetos de integração. Considerada de maneira realista, a perda do controle dos governos sobre suas economias os levaria a confiar áreas essenciais da política nacional a instâncias supranacionais, que eram pouco legítimas do ponto de vista democrático e frequentemente dominadas pelos conservadores. “A única base aceitável para a integração econômica seria a busca do pleno emprego e da justiça social por todos os governos envolvidos5”, afirmava o Partido Trabalhista.
Abertura à direita
Mas os defensores do progresso social eram claramente minoritários. Na maioria dos países europeus, os socialistas não aderiram ao ponto de vista trabalhista e davam até mostras de abertura à direita. Alguns rótulos podiam, de fato, se mostrar equivocados: apesar de designado como socialista, o belga Paul-Henri Spaak se destacava, sobretudo, por sua dedicação aos interesses americanos. Na prática, ao priorizar a unificação continental, ele colocava o socialismo em segundo plano.6
“Nós não estamos de acordo em todos os pontos”, explicou o deputado André Philip (Seção Francesa da Internacional Operária, SFIO). “Mas eu, socialista, prefiro uma Europa liberal a nenhuma Europa, e acho que nossos amigos liberais preferem uma Europa socialista a nenhuma Europa7.” Tratando-se de Jean Monnet, essa suposição parecia um pouco arriscada. Nada prova que, de fato, o poderoso comissário do Plano Francês de Modernização e Equipamento tenha defendido uma Europa regida por princípios socialistas em vez de “nenhuma Europa”. Herdeiro de uma família de negociantes de Cognac, ele teve, antes de 1939, uma carreira excepcional de diplomata e financista de alto escalão. Assim, Monnet, peça-chave na recuperação econômica pós-guerra, frequentava com mais naturalidade os salões aveludados do poder que os congressos operários. Foi ele um dos principais entusiastas da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em abril de 1951. Instituída entre Alemanha Oriental, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos, ela constituiu a primeira etapa da construção comunitária de hoje.
Apostando na paz, essa iniciativa pretendia ser a primeira etapa para uma federação europeia. Mas ela ambicionava também “modernizar” e “racionalizar” um setor-chave da economia. Seria um esboço de coletivismo? Esse tipo de questionamento enraivecia Monnet: “Leiam o texto do tratado e me mostrem onde está o dirigismo do qual o acusam”. Para ele, o mercado e a planificação não eram contraditórios, já que a intervenção do Estado favorecia a concorrência livre. Encabeçada pela Alta Autoridade (futura Comissão Europeia), independente, a união da produção franco-alemã se expunha à crítica democrática. Na prática, ela acabava confiando a especialistas sem responsabilidade política o cuidado de administrar interesses dos trabalhadores e dos Estados. Foi precisamente por essa razão que o economista liberal Daniel Villey se mostrou encantado pelo “método” Monnet, que “não apenas defendia a França e a Itália [com uma grande base comunista] como ainda as obrigava, sob a pressão da concorrência, a tornar suas economias mais eficientes e mais liberais8”.
Assim, desde o começo, a integração europeia tomou a via do mercado. Assinado em 1957 entre os países membros da CECA, o Tratado de Roma confirmava essa orientação. Os neoliberais alemães, especialmente o chanceler Ludwig Erhard e seu conselheiro Alfred Müller-Armack, eram a inspiração. O que mostra como o socialismo pouco influenciou o texto fundador da Comunidade Econômica Europeia (CEE). Na falta de um nivelamento social “pelo alto”, a livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais enfraqueceu a intervenção pública e fez os sistemas de proteção social se dobrar às regras de uma economia de mercado concorrencial. “Invocaríamos as duras leis da competição internacional para demonstrar que um índice de emprego elevado só poderá ser garantido se os trabalhadores se mostrarem ‘razoáveis’”, notou, visionário, o francês Jean Duret, diretor do Centro de Estudos Econômicos da Confederação Geral do Trabalho (CGT).9
Desde 1957, o deputado radical Pierre Mendès France ressaltava que a única solução “correta e lógica” para a constituição do mercado comum seria exigir a “igualdade de encargos e a generalização rápida das vantagens sociais no interior de todos os países participantes10”. O ministério de Relações Exteriores da França tinha feito propostas nesse sentido. Mas essas veleidades não resistiram à determinação dos negociadores alemães. “A lista de reivindicações e reservas francesas era interminável”, lembra, com desdém, Robert Marjolin, então membro do gabinete do ministro de Relações Exteriores, Christian Pineau. “A negociação do Tratado de Roma consistiria em derrubar o maior número de demandas possível, só aceitando aquelas conformes ao espírito do mercado comum11.”
Tratado de Roma
O mercado comum só produziria plenamente seus efeitos com a adoção do Ato Único de 1986. Entretanto, no momento da assinatura do Tratado de Roma, os observadores mais experientes compreenderam que ele retiraria, em longo prazo, o poder de controle dos Estados sobre suas economias. Mendès France via nisso até uma “abdicação da democracia”. Um sistema que repousava principalmente na suposta ação benéfica da livre concorrência parecia, de fato, incompatível com uma política audaciosa de transformação social. Mas ele não impedia a promessa de realização futura de uma “Europa social”.
*François Denord é autor, com Antoine Schwartz, de L’Europe sociale n’aura pas lieu, Raisons d’Agir, Paris, 2009. Antoine Schwartz é autor, com François Denord, de L’Europe sociale n’aura pas lieu, Raisons d’Agir, Paris, 2009.