Uma nova chance ao PPA
Sem as regras do novo regime fiscal, não se sabe quais serão os limites de despesas do PPA, correndo-se o risco de este se tornar um instrumento pouco efetivo
Nos tempos recentes, o planejamento da ação do Estado, especialmente em âmbito federal, perdeu relevância. Com efeito, o Plano Plurianual (PPA) elaborado pelo governo Bolsonaro foi uma peça de ficção que resultou em uma gestão sem rumo e sem recursos. O novo governo vem manifestando interesse em retomar as funções de planejamento e, para tal, recriou o Ministério do Planejamento, anunciando que o PPA 2024-2027 está sendo elaborado com participação social.
O PPA é o principal instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do governo federal. Ele define as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública. Semanas atrás, o governo Lula lançou o processo de consulta popular para o PPA 2024-2027, tanto por meio de plenárias com duração de 3 horas nos estados, como por intermédio de uma plataforma virtual de participação.
Contudo, as informações disponíveis até o momento se referem somente aos programas, sem apresentar a dimensão estratégica do PPA, que declara a visão de futuro para o país, nem tampouco uma dimensão gerencial, que define as entregas para a sociedade, com respectivos indicadores e metas anualizadas e regionalizadas.
Outro entrave é o distanciamento entre a discussão em torno do PPA e as que dizem respeito ao arcabouço fiscal. Sem as regras do novo regime fiscal, não se sabe quais serão os limites de despesas do PPA, correndo-se o risco de este se tornar um instrumento pouco efetivo e estimular uma briga por recursos escassos no orçamento público.
Quer um exemplo? Na proposta do novo PPA é anunciado como objetivo do programa de Educação Básica “elevar a qualidade e promover a equidade”. No entanto, o projeto de novo arcabouço fiscal insere o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) dentro do limite do novo teto de despesas (de 2,5%), o que gera dúvidas quanto a efetivação do programa proposto. Mantendo-se a contenção de gastos, sabemos que o financiamento da educação não será ampliado conforme a necessidade represada. Há um déficit de salas de aula em várias unidades da Federação e o governo precisa aportar mais recursos para infraestrutura.
Não obstante, numa análise inicial das informações disponíveis sobre o plano, alguns programas chamam atenção. Na área indígena, o enunciado versa sobre a inédita garantia da participação da população indígena como formuladora, gestora e avaliadora da política pública que a beneficia. No que tange às mulheres, há uma nítida mudança de visão em relação ao PPA anterior, que dissolvia este público dentro de um conceito genérico de “defesa da família”. A Igualdade Racial, que havia sumido no plano do governo Bolsonaro, também volta às páginas do documento.
Algumas ausências também são sentidas. Até o momento, não se vislumbra no PPA em construção um programa especificamente voltado para crianças e adolescentes. As comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais também ficaram de fora. É imprescindível que durante o detalhamento do plano estes públicos sejam visibilizados.
Muito embora seja inegável a importância de um planejamento plurianual, a história de décadas de governos federais, de todos os matizes políticos, demonstra a fragilidade destas peças legais para a articulação e indução de políticas e de orçamentos públicos para garantir direitos. Em sua grande maioria, os orçamentos e as políticas setoriais seguem seu curso ano após ano descoladas das intenções e compromissos políticos materializados nos PPAs. Acreditamos que a discussão com a sociedade pode contribuir para mitigar esses riscos e conferir ao Plano uma legitimidade que irá auxiliar na sua implementação e efetividade.
Cristiane Ribeiro é psicanalista, integrante do colegiado de gestão do Inesc e Conselheira de Participação Social do governo federal.
Nathalie Beghin é economista e integrante do colegiado de gestão do Inesc.