Uma pedra no sapato da tecnologia verde
Quando um bem ou serviço se torna mais barato, as pessoas tendem a consumir uma quantidade maior. E, além disso, gastam o excedente na aquisição de outros bens de consumo como TVs de plasma, viagens aéreas, telefones “inteligentes” etc. Ou seja, a vantagem ecológica da tecnologia se reduz a quase nadaCédric Gossart
Um belo dia seu fornecedor de água resolve adotar um comportamento ambientalmente responsável e o convida a mudar sua conta tradicional impressa por uma cobrança eletrônica. Ele argumenta que vai economizar papel, reduzindo custos e, consequentemente, barateando o serviço. A ecologia se juntando à economia para benefício de todos! Mas, será que o fato de economizar um pouco não fará com que você molhe sua grama com mais frequência ou tome banhos mais longos? Será que ainda estaremos sendo ecológicos? Esse paradoxo é chamado pelos economistas de “effet rebond”, ou efeito rebote. E pode-se dizer que lança uma sombra sobre as perspectivas da economia verde.
Na França, 35 milhões de medidores de eletricidade antigos serão substituídos por contadores “inteligentes”. Em Lyon, uma das praças-teste, os fornecedores de eletricidade vão instalar essas caixas na casa dos consumidores que permitirem. Isso possibilitará controlar remotamente o consumo, em tempo real, na esperança de que esse acompanhamento leve à redução da fatura1. Será o fim dos conflitos em torno do radiador porque os friorentos aumentaram o termostato do quarto às escondidas! Além disso, uma vez que o fornecedor também irá economizar – já que não serão necessários técnicos que façam a leitura dos medidores – os preços serão reduzidos ainda mais.
Mas, como será usado esse dinheiro economizado? Estudos não publicados dos serviços de pesquisa da EDF (Companhia de Eletricidade Francesa) mostram que, quando as taxas diminuem, as famílias de baixa renda tendem a aumentar a temperatura em suas casas. Já as famílias ricas por sua vez nunca mantêm o mesmo consumo por conta da renovação frenética de equipamentos modernos.
Quando um bem ou serviço se torna mais barato, as pessoas tendem a consumir uma quantidade maior, sem questionamento. E, além de gastar mais com aquecimento, o excedente financeiro também será gasto na aquisição de outros bens de consumo como TVs de plasma, viagens aéreas, telefones “inteligentes” etc. o que será, provavelmente, ainda menos favorável ao meio ambiente. Ou seja, a vantagem ecológica da tecnologia se reduz a quase nada – na verdade, em alguns casos, se torna negativa devido a esses ajustes nos comportamentos individuais. Por isso, o principal alvo das campanhas oficiais sobre o desenvolvimento sustentável passa a ser o consumidor responsável.
Tecnologia
Neste início do século XXI, os industrialistas e governantes veem a tecnologia como um catalisador milagroso capaz de lançar um novo ciclo de crescimento, criar empregos, eliminar os déficits, reduzir as desigualdades e, é claro, reabilitar os ecossistemas naturais. Quaisquer que sejam as estratégias propostas para melhor explorar os “serviços naturais” – energia, matérias-primas, absorção de resíduos… 2 – as novas tecnologias desempenham um papel determinante. A informática, em particular, forneceria uma ferramenta essencial para “enfrentar o desafio do clima”, reduzindo o consumo de energia3.
Graças às ecotecnologias da informação e comunicação, bem como à redução constante dos custos dos produtos eletrônicos, os “produtores responsáveis” colocam no mercado celulares e computadores “verdes,” feitos com plástico reciclado, bambu etc. Alguns chegam ao ponto de financiar companhias, com as normas europeias, para o processamento do lixo eletrônico nos países que importam esses aparelhos mais ou menos legalmente4.
Por parte dos distribuidores, é prática comum comprar de volta, no ato da aquisição de um novo produto, os aparelhos velhos que serão encaminhados para reciclagem. Todos podem, assim, ter um telefone em cada bolso, uma TV em cada quarto, um laptop em cada joelho. Mas a última moda ainda é o funeral virtual, dos quais a mídia elogia “os aspectos ecológicos”, tanto que parece evidente que eles “vão evitar desperdício de recursos naturais”. Neste caso, pelo menos, o “efeito rebote” não parece muito provável, os outros, se levados a sério, poderiam transformar os milagres dessas tecnologias “verdes” em quimeras.
Os economistas distinguem três tipos de efeitos rebote. O primeiro, batizado de “direto”, é o mais intuitivo, quando se reduz a intensidade energética de um serviço, seu custo baixa, portanto, as economias resultantes permitem consumir mais do mesmo serviço. O exemplo clássico é o do motorista que substitui o seu carro velho por um modelo mais eficiente e que se aproveita da sua economia de combustível para dirigir com mais frequência e mais longe5. Outro caso típico é o aquecimento.
Na França, os setores residenciais e terciários são os líderes no consumo de energia (43% do total, à frente de transportes e indústria) e dois terços desse consumo são atribuídos ao aquecimento. O paradoxo é que, se por um lado, por meio do trabalho de conservação de energia, de regulamentações térmicas etc., o consumo médio de aquecimento de um metro quadrado diminuiu, entre 1973 e 2005, de 365 kWh a 215 kWh, por outro lado, a energia dedicada ao aquecimento subiu 20% desde 1970. Será que parte dos ganhos foi absorvida por um efeito rebote? Tudo leva a crer que sim.
Entre 1986 e 2003, apesar das políticas de economia de energia, a temperatura média das habitações francesas passou de 19 °C a 21 °C (cada grau adicional aumenta em 10% o consumo de energia).
Para muitos, uma melhoria no conforto rima com superaquecimento e consumo excessivo. E isso inclui síndicos de edifícios que têm, à vezes, uma mão pesada sobre o termostato de aquecimento coletivo. Segundo a Agência de Meio Ambiente e a Gestora da Energia (ADEME), um apartamento ocupado não deveria ultrapassar uma temperatura média de 19 °C. Além disso, a sensação de conforto pode ter efeitos adversos na saúde humana (erupção cutânea, sudorese e hiperventilação).
O mesmo cenário se repete nos Estados Unidos. Segundo o relatório anual de 2010 da Agência Americana de Energia, o consumo de energia e as emissões de CO2 por dólar de Produto Interno Bruto (PIB) caiu mais de 80% desde 1980. Isso não impediu que o consumo total de energia e as emissões de CO2 no país aumentassem, respectivamente, em 25% e 165% no mesmo período6. Assim, os benefícios de uma campanha pública de sensibilização sobre sobriedade energética foram aniquilados.
Algumas políticas estão diretamente implicadas no aparecimento de um efeito rebote. É o caso das normas de desempenho energético, que promovem o surgimento de inovações tecnológicas7. Na verdade, medimos as temperaturas que tendem a ser mais elevadas nas novas habitações que nos edifícios antigos. Graças às técnicas para melhorar o isolamento e a ventilação, manter a temperatura dos quartos de uma residência a um nível elevado já não é um problema. Assim, uma política destinada a reduzir o consumo de energia tem causado o efeito oposto.
Vários métodos têm sido utilizados para medir o efeito rebote. A elasticidade-preço, por exemplo, se o consumo em kW-hora aumenta em 2% devido a uma baixa de 10% nos preços de energia, o efeito rebote é de 20%8. No setor dos transportes, medimos o aumento no consumo de combustível provocado pelo aumento da eficiência dos veículos. Neste caso, a inovação tecnológica reduz o custo de transporte por quilômetro, o que tende a aumentar a distância percorrida e o consumo global de combustíveis. Esse efeito foi estimado, pelos Estados Unidos, entre 20% e 30%. No Reino Unido, um estudo avaliou esse efeito em quase 30%, em consequência de políticas de economia de energia, conduzidas entre 2000 e 20109. Portanto, os ganhos de eficiência energética gerados por essas políticas não podem ser considerados rentáveis se não conseguirem ultrapassar a taxa de 30%.
No segundo tipo o efeito rebote é indireto. Ao contrário do caso anterior, o consumidor considera ter atingido um nível satisfatório de consumo do serviço, cujo preço caiu. Mas, por outro lado, ele vai gastar o dinheiro economizado, o que leva a um aumento dos fluxos de materiais na sociedade. Por exemplo, uma família vai investir os ganhos obtidos por instalar isolamento nas janelas, na compra de um console de jogos ou uma TV nova. Será que devemos estar atentos ao efeito paradoxal combinado de adotar um comportamento “ecologicamente responsável” e, simultaneamente, adquirir o último aparelho eletrônico que estiver na moda? A mesma carta que orienta o cliente, por razões de ecologia, a adotar uma cobrança pela internet, mostra quantos pontos ele tem para trocar “gratuitamente” de celular!
O conforto passa por uma superabundância em aparelhos elétricos devoradores de energia e poluentes. Os aparelhos elétricos, sem contar os aquecedores, são responsáveis por 20% do consumo de energia. Pela mecânica de um efeito de rebote indireto, as economias obtidas com o aquecimento podem afetar o consumo dos produtos de entretenimento (equipamentos de som, TVs etc.), que saltou 18 kWh por domicílio em 1973, para 321 kWh 25 anos depois10.
Eletrônicos
A difusão de equipamentos eletrônicos abre um terceiro tipo de efeito ricochete, que dessa vez é suscetível de alterar a própria estrutura das sociedades humanas. Quando a eficiência com que se opera um recurso aumenta, o custo deste diminui, favorecendo as atividades socioeconômicas que fazem uso intensivo deste recurso. Essas, então, atraem capitais financeiros e colaboradores, reforçando a sua posição para dominar a concorrência. Por conseguinte, toda a economia se volta para esse recurso, que se tornou mais barato. O petróleo é uma ilustração perfeita dessa sequência, quando se considera o impacto de sua exploração e sua produção na sociedade mecanizada, industrializada, urbanizada e motorizada. Da mesma forma, nossa capacidade exponencial de transportar e armazenar um byte de informação está a ponto de transformar profundamente a sociedade. Como no caso do automóvel (ver box), pode se tornar difícil para as pessoas se desprenderem da “civilização do petróleo” em que estamos, literalmente, colados.
Se não existem hoje em dia, esses fenômenos se tornam difíceis de entender, porque exigem conceber, para cada técnica empregada, todas as consequências estruturais que podem resultar de seu emprego maciço.
Em 1865, em um livro chamado A Questão do Carvão, o economista inglês William Stanley Jevons compartilhava sua preocupação com o esgotamento dessa fonte de energia vital para o poder de seu país. É verdade, o carvão vai desaparecer mais lentamente do que se havia previsto, mas a argumentação teórica do “Paradoxo de Jevons” continua sólida: quanto mais o carvão é utilizado de forma eficiente, mais se consome carvão. Conforme se usa menos carvão para produzir uma tonelada de ferro-gusa, os lucros da indústria siderúrgica aumentam. O que leva a indústria a investir para aumentar o seu volume de produção e diminuir seu custo de produção, provocando assim um aumento no consumo de carvão e do lucro obtido. Isso leva a maiores dividendos e, em teoria, à alta de salários, consequentemente do consumo líquido dos trabalhadores e acionistas.
Como os combustíveis energéticos, as tecnologias da informação são, hoje em dia, indispensáveis em todos os setores econômicos. Como o carro, eles transformam a sociedade, promovem mais rapidamente a inovação e aumentam as economias de escala11. Através delas, um maior número de produtores é capaz de inovar e a obsolescência de bens e serviços se acelera. Longe de estender a vida útil dos equipamentos e a sua capacidade de reparação, o ciclo de vida desses produtos diminui, resultando em maior necessidade de matéria-prima para a fabricação de novos.
Qualquer queda nos custos de energia preenche assim o reservatório “de demandas não atendidas” e um aumento no tempo de trabalho, à custa de horas de lazer, garante o aumento do orçamento necessário para atender a essas demandas12. O consumo dos recursos utilizados de forma mais eficaz diminui, mas para melhor, só para gerar o rebote.
Existem outras causas de efeito rebote: consumimos um bem ou serviço, pois ele fornece um maior nível de conforto ou desempenho, mas também porque temos que ganhar tempo13 e isso pode ter repercussões importantes ao se difundir de maneira maciça na sociedade. Os meios de transporte rápido serão, por exemplo, privilegiados, assim como os deslocamentos individuais superarão os coletivos e as filas nos aeroportos ou engarrafamentos nas estradas ganharão força…
Os que utilizam a internet também são vítimas desse fenômeno. O acesso rápido a documentos, que antes teriam sido pedidos pelo correio, ou que teriam de ser procurados numa biblioteca, cria uma riqueza de informações que leva, em última instância, a gastarmos mais horas do que o esperado para ler esse material no computador. Conforme sugerido por Hartmut Rosa14 tudo se passa como se a aceleração exigisse cada vez mais tempo…
Cédric Gossart é mestre de conferências da Escola Telecom de Administração (Evry).