Uma política agrícola pouco comum
Os projetos da Comissão Europeia em matéria agrícola para os próximos sete anos refletem o fracasso político da Europa comunitária. A repartição das subvenções entre agricultores e as normas ambientais seriam deixadas à boa vontade dos Estados-membros, desenhando uma política no papel longe dos imperativos sociais e ecológicos contemporâneos
Com a partida do Reino Unido, as finanças europeias serão amputadas em cerca de 10 bilhões de euros por ano. Enquanto esperam que os governos entrem em acordo sobre a criação de novos recursos, são os orçamentos das duas grandes políticas históricas da Comunidade Europeia que devem sofrer os cortes mais claros: a política de coesão (ou política regional) e a política agrícola comum (PAC), cujos créditos diminuiriam em 16% ao longo dos sete anos por vir, para atingir em média um pouco mais de 46 bilhões de euros por ano.1
Desde 1992, a PAC já foi amputada em seus principais instrumentos de regulação dos mercados, distanciando-se nesse ponto de certos objetivos que tinham sido designados a ela pelo Tratado de Roma em 1957: “aumentar a produtividade da agricultura”, “garantir um nível de vida equilibrado para a população agrícola”, “garantir a segurança dos abastecimentos”, “garantir preços razoáveis […] aos consumidores”; ou ainda “estabilizar os mercados”. Os preços mínimos garantidos, os direitos de alfândega variáveis instaurados no quadro da preferência comunitária, os auxílios à exportação e as cotas de produção, estabelecidos nos anos 1960, desmantelaram-se progressivamente após a adesão da União Europeia à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994. Em junho de 2018, a Comissão confirmou essa orientação: a ajuda aos agricultores deve ter “nenhuma ou pouca incidência nas trocas comerciais”, para que “a União possa respeitar suas obrigações […] no acordo com a OMC”. Os preços europeus devem se alinhar aos mercados internacionais.
No entanto, como uma pedrinha dentro do sapato, um “detalhe” incomoda esse mercado neoliberal forçado: os mercados agrícolas são estruturalmente instáveis; e as cotações internacionais estão em sua maioria ligadas ao dumping, pois correspondem aos excedentes dos países mais competitivos. Os agricultores europeus sofrem com os preços geralmente baixos que não cobrem seus custos de produção.
Na contramão das escolhas feitas por Bruxelas, as políticas agrícolas foram reforçadas no resto do mundo desde a crise alimentar de 2008. Na Índia e na China, os preços internos de diversos produtos ultrapassam assim os valores internacionais, graças a taxas de alfândega, preços mínimos garantidos e estoques públicos consequentes. Nos Estados Unidos, os produtores recebem auxílios variáveis segundo a evolução do mercado. Quase sozinha contra todos, a União Europeia se apega, por sua vez, ao programa de livre-comércio dos anos 1990.
No entanto, confrontados à crise do mundo agrícola, os economistas da Comissão Europeia cogitam tão frenética quanto inutilmente encontrar soluções que se enquadrem na proibição da intervenção pública. É assim que eles propõem a consolidação, na futura PAC, dos “instrumentos de gestão dos riscos”: seguros privados e fundos comuns. Mas esse tipo de instrumento só é eficaz quando os preços caem por um longo período. Da mesma forma que quando os preços caem para a maioria dos produtores ao mesmo tempo, tornam-se impossíveis os fundos de risco comuns, ou seja, exatamente o que se produz com mais frequência no setor agrícola.
Auxílios desvinculados, uma aberração
Em um contexto de desregulamentação dos mercados, as grandes empresas de transformação e distribuição continuam ficando com a maior parte no valor acrescido, em detrimento dos agricultores. Assim, os preços pagos aos produtores caíram pela metade em quarenta anos, enquanto os dos produtos agroalimentares comprados pelos consumidores pouco mudaram (queda de 7% em euros constantes desde 1975).2 As cadeias agroalimentares conhecem uma concentração cada vez mais aguda das empresas do pós (transformação, distribuição), mas também do pré (sementes, produtos químicos, maquinaria),3 o que não parece perturbar as autoridades de controle da concorrência.
O que propõe então a Comissão Europeia em 2018? Incitar a criação de organizações de produtores, locais ou nacionais, a fim de controlar a comercialização e os preços de venda de seus produtos, como já é o caso em certos setores desde 1960 na França (carne bovina, frutas e legumes frescos etc.). É evidente que esses reagrupamentos se impõem. No entanto, seriam o suficiente na ausência de uma intervenção pública? Ou ainda, se, diante dos problemas engendrados pela desregulamentação dos mercados, consegue-se encontrar as soluções na constituição de oligopólios de produtores, talvez fosse hora de parar de cogitar!4
Outro caminho que a Comissão Europeia deseja tomar: a “reserva de crise”. Nunca utilizado desde sua criação, em 2015, esse caixa de 400 milhões de euros debitados do orçamento da PAC tem por objetivo “a gestão de mercado ou a estabilização em caso de crises afetando a produção ou a distribuição”. Ele pode servir, por exemplo, para transferir ajudas para reequilibrar os mercados, incitando a diminuição da produção. A Comissão considera a partir de agora que se possam transferir de um ano para o outro os valores não utilizados. Mas, sem proposta de uma nova abordagem na gestão das crises, temos dificuldade em acreditar que essa reserva de crise seja um dia mobilizada.
A União Europeia dispõe ainda de um instrumento: os direitos de alfândega nas fronteiras europeias, que continuam sendo, para muitos produtos agrícolas, superiores ao que são em outros setores econômicos (11,1% em média, contra 4,2% para o conjunto do comércio europeu). Mas isso não leva em conta os acordos de livre-comércio que se multiplicam com diversos países e regiões do mundo, e ratificam a cada vez cotas de importação livres de taxas ou diminuições de taxas alfandegárias. Assim é com o Acordo Econômico e Comercial Global (Ceta) fechado com o Canadá e aplicado parcialmente desde 2017, e com o acordo negociado atualmente com o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela).
Enfim, para apoiar os agricultores que sofrem com os preços internacionais de dumping, a União Europeia, encorajada pelos economistas ortodoxos, pensava ter o controle da situação. Desde 1992, as reformas consistiram em fazer evoluir os auxílios para que fossem transferidos sem relação com a produção: esses auxílios desvinculados não deveriam afetar as escolhas de produção, mas respeitar os sinais do mercado. Foi assim que 340 mil dos 440 mil produtores agrícolas franceses receberam auxílios da PAC, representando 85% da renda agrícola francesa em 2016.5 Esses auxílios desvinculados são atribuídos qualquer que seja o nível dos preços e das rendas. Conclusão: são desperdiçados nos anos de vacas gordas, em vez de serem conservados para os anos de vacas magras. Transferidos por hectare e não por trabalhador, eles não apoiam o emprego, mas incitam ao aumento das superfícies cultivadas. Esses auxílios desvinculados deveriam continuar devorando o orçamento da próxima PAC, com o que é agora chamado de “auxílio de baixa renda”.
Outro perigo da reforma cogitada: o enfraquecimento do “pagamento redistributivo” destinado a apoiar as pequenas e médias propriedades rurais em nome do emprego. Se esse mecanismo, hoje facultativo, se tornar obrigatório, nenhuma regra será imposta aos Estados-membros quanto ao total alocado. Inclusive, como a cada reforma a Comissão Europeia propõe diminuir o valor dos auxílios para as grandes fazendas a fim de garantir um apoio “mais justo e mais específico”,6 ela considera a possibilidade de um débito dos auxílios de uma fazenda a partir de 60 mil euros, assim como um teto além de 100 mil euros. Mas seria possível aumentar esse teto ao nível dos encargos de trabalho (salários e equivalentes para o emprego familiar), o que priva essa proposta de qualquer efeito realmente restritivo.
Mesma constatação para o “ecodispositivo”, apresentado como a principal novidade da futura PAC: os Estados-membros poderiam transferir auxílios diretos para os agricultores que se comprometem com práticas benéficas para o meio ambiente. Mas, também nesse ponto, por falta de uma obrigação em consagrar para isso um orçamento mínimo, esse dispositivo permanecerá anedótico. Além disso, os países mais entusiastas deverão limitar suas ambições: o auxílio, transferido por hectare, deverá permanecer desvinculado da produção. Seu valor também será estritamente limitado aos aumentos de gastos sofridos pelo agricultor em nome da ecologia, como uma queda de rendimento ligada à conversão para a produção de orgânicos. Os serviços ambientais fornecidos pelos agricultores – para evitar o fechamento da paisagem pela manutenção dos terrenos, por exemplo – correm o risco de não serem remunerados corretamente. Por fim, as pistas entreabertas para tentar legitimar as subvenções desvinculadas ligando-as seja ao emprego, seja ao meio ambiente terminam num beco sem saída. Nos perguntamos se o objetivo real não seria suprimi-las em um dado momento.
Uma “subsidiaridade acrescida”, deixando aos países uma maior latitude, preside oficialmente a reforma. A Comissão Europeia propõe, desse modo, devolver aos Estados-membros a responsabilidade de definir as regras principais nos “planos estratégicos nacionais”. Assim se encontram as importantes normas ambientais. Nesse enquadramento muito flexível, tudo é feito para que cada governo encontre um bom termo para si e para que a negociação comum seja fluida. O resultado já é conhecido: no espaço de livre-comércio europeu, as disparidades de apoio e de normas só poderão reforçar as distorções de concorrência, já bem claras tratando-se das cotizações salariais.
Boa aluna da OMC
A União Europeia abandona conscientemente o papel de vigia do meio ambiente, que ela tinha, no entanto, começado a fazer com a diretiva que fixa os objetivos de redução da poluição das águas pelos nitratos e da eutrofização oriunda das atividades agrícolas. Em um espaço europeu diretamente conectado com os preços internacionais, os mais conservadores terão uma situação favorável, em cada país, para exigir regras mínimas para não atrapalharem sua competitividade.
O aumento das preocupações ambientais desde os anos 1980 tinha favorecido uma “ecologização” da PAC, por via do reforço aos auxílios à agricultura orgânica ou às zonas desfavorecidas. Esse “segundo pilar” da PAC beneficiava fundos crescentes a cada reforma; eles serão a partir de agora reduzidos em 25%. Quanto às condições ecológicas suplementares impostas a todos os beneficiários dos auxílios desvinculados desde as últimas reformas, a Corte de Contas Europeia estimou que eles não trariam “nenhum benefício para o meio ambiente”.7 A Comissão Europeia tirou disso conclusões muito singulares: ela não propõe mais nenhuma condição precisa em escala comunitária.
Ao querer se mostrar uma boa aluna da OMC, a Europa conduz sua política agrícola para um impasse. No entanto, a PAC é uma das bases de sua construção. Ineficaz diante das crises das rendas agrícolas e incapaz de acompanhar a transição ecológica e social da agricultura, a política atual contribui além de tudo para o bloqueio do multilateralismo comercial, já que os países emergentes e, agora também os Estados Unidos, contestam a neutralidade dos auxílios desvinculados, que são a quase totalidade dos auxílios europeus.8 Segurança alimentar, luta contra as mudanças climáticas, proteção dos recursos naturais, emprego, migrações: a agricultura se encontra no centro dos maiores desafios do século XXI. Apesar disso, a Comissão Europeia parece querer reduzir ainda um pouco mais suas ambições. E abandona em suplício diversos camponeses europeus.
*Frédéric Courleux e Aurélie Trouvé são, respectivamente, diretor de estudos do gabinete Agriculture Stratégies e professora de Economia da AgroParisTech.