Uma reforma radical da Previdência
A luta por um salário mínimo universal e vitalício é a única alternativa eficiente contra o desemprego e a precarização do trabalho. Este benefício garantiria a satisfação das necessidades humanas básicas e a ele teriam direito todos os seres humanos adultos — independentemente de trabalharem!René Passet
A decisão de criar, na França, sistemas de aposentadoria privada por capitalização tem o objetivo de preservar o sistema previdenciário? Não visa, mais que isso, ampliar a esfera de influência do sistema financeiro? Banqueiros, seguradores e cronistas econômicos insistem em repetir alguns dados: a população francesa envelheceu; a duração da vida média após a aposentadoria aumentou cinco anos em um quarto de século; a aposentadoria das crianças do baby-boom do pós-Guerra obrigará ao pagamento de pensões elevadas; a relação ativos-inativos não para de se degradar, etc. Não se trata de questionar estas constatações. O que se discute são as conseqüências que se tira delas, e sobretudo a lógica que sustenta o argumento.
A crer nos porta-vozes do lobby da previdência privada, poderíamos pensar que o contexto econômico permanecerá estável nas próximas décadas, que em 2017 ou 2037 a situação será exatamente idêntica à de 1997. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), a população ocupada em 1995 (22 milhões) representava cerca de 2,9 contribuintes por aposentado do regime geral (7,7 milhões de beneficiários). O Livro Branco publicado em 1991 pelo governo de Michel Rocard estimou que esta relação diminuiria a 1,7 em 2040. É “esquecer” que, se a produtividade por hora de trabalho de cada assalariado continuar a crescer, até lá, ao ritmo médio verificado no período 1992-94 (2% ao ano), ela terá, nesta data, se multiplicado por 2,4. Em outras palavras, em 2040 a produção de 1,7 assalariado será igual à de 4 assalariados de 1995, e poderá portanto financiar mais aposentados que hoje.
A crise, frisam alguns, limita a capacidade de financiamento do sistema. O aumento anual da massa salarial não passa, desde 1986, de 1% — contra 5% durante os “trinta anos gloriosos”. Mas é preciso lembrar que o produto nacional é sempre o dado que determina os limites da economia. O envelhecimento da população e o aumento do valor das aposentadorias elevaram os gastos com a Previdência de 10,5% do PIB, em 81, para 12%, em 95. Mas se o próprio PIB continuar a crescer ao ritmo anual (moderado) de 2,1% ao ano, também constatado em 95, ele terá dobrado, em 2030; um aumento idêntico ao número dos habitantes com mais de 60 anos, que terá passado de 9,3 para 18,8 milhões. Não há, portanto, esgotamento das capacidades do sistema.
Solução incoerente
Face a estes dados, a incoerência das soluções propostas na França assusta. De uma parte, coloca-se em ação políticas draconianas de contribuição: alongamento do tempo de contribuição de 37,5 para 40 anos, para obter aposentadoria plena; cálculo do benefício segundo os 25 anos de contribuição mais elevada, contra os 10 melhores anos no sistema anterior; indexação da aposentadoria aos preços, e não mais ao salário real. Estas medidas são adotadas em plena recessão, e então o governo suplica aos consumidores… que consumam.
A criação dos sistemas de previdência privada organizaria, afirmam seus partidários, a partilha entre as gerações, graças a um sistema de “capitalização” no qual cada geração pouparia para assegurar seu próprio futuro. Mas o que se acumula não são bens reais, dos quais se desfrutrará mais tarde, mas papéis que dão direitos, na partilha do produto nacional, no momento em que cada um deixar a vida ativa. Qualquer que seja o modelo de financiamento — repartição ou capitalização —, a questão das aposentadorias diz sempre respeito à partilha do PIB entre ativos e inativos num certo momento.
O objetivo seria, então, estimular o crescimento econômico através de capitais novos — e nacionais — que permitiriam reduzir a dependência das empresas em relação a exterior? Mas, ao contrário do que se diz, não é a falta de poupança que freia o crescimento das empresas francesas. Sua capacidade de autofinanciamento eleva-se a 115% de suas necessidades. O verdadeiro problema é que elas usam esta capacidade para ampliar suas aplicações financeiras, ao invés de investir em produção — o que é, de fato, menos atrativo, em períodos de juros reais sempre positivos.
A poupança de longo prazo representada pelos sistemas privados teria ao menos a virtude de estabilizar as aplicações em bolsas de valores? Alardeia-se muito esta hipótese, mas os fatos a desmentem. Nos Estados Unidos, os fundos de pensão detêm os títulos públicos por um período médio que não ultrapassa os sete meses. Quando os fundos assumem a direção de empresas (através do sistema conhecido como corporate governance), seus gerentes impõem imperativos de lucratividade imediata, ao invés de planos de longo prazo. Alguns fundos chegam a publicar “listas negras” das empresas que não pagam dividendos anuais muito altos a seus acionistas.
E eis, então, uma advertência a quem adere às aposentadorias privadas. Estas pessoas deveriam ser avisadas que, no caso de um crash da bolsa semelhante ao que ocorreu nos anos 30, os sistemas de capitalização estariam entre as primeiras vítimas. Os títulos de rendimento variável têm enorme importância na carteira de papéis da maior parte deles. Representam 76% dos ativos na Inglaterra, onde além disso 21% desses títulos é de origem estrangeira. E como os títulos da dívida pública norte-americana alimentam os fundos japoneses, as pensões dos futuros aposentados nipônicos dependerão em parte dos impostos pagos pelos contribuintes nos EUA. Pode-se dizer que é uma situação segura?
Um ciclo de vida fictício
A passagem à aposentadoria evoca irresistivelmente o quadro em que o humorista Roland Magdane se interrogava com gravidade sobre o que se passa no interior de uma lata de conservas durante a ínfima fração de segundo que precede a expiração da data de validade. Vista desse modo, a questão se apóia na ficção de um ciclo de vida trinário, perturbado pelas evoluções demográficas, econômicas e sociais modernas: juventude-dependência-formação; maturidade-casamento-atividade profissional; velhice-aposentadoria-pensão. Cada uma destas fases correspondia, até há pouco tempo, a um conjunto convergente de critérios biológicos, profissionais e sociais. Estávamos acostumados à coincidência entre o fim da vida profissional, a obtenção de aposentadoria e o envelhecimento biológico.
Mas o desemprego morde as extremidades da vida ativa. Chegamos a ela cada vez mais tarde, e a deixamos cada vez mais jovens. Não há outra saída a não ser uma alternância entre tempos de trabalho, de formação, de lazer, de cultura e de atividades diversas ao longo do ciclo da vida. Uma renda mínima garantida, que permitisse a cada um cobrir suas necessidades essenciais sem ser obrigado a trabalhar (e o que se afirmou acima mostra que a realização progressiva deste objetivo não é de modo algum impossível) introduziria novos patamares sociais de liberdade. Sua introdução, estendida progressivamente a todos os cidadãos, estaria justificada pelo fato da produção nacional se originar cada vez mais de bens autenticamente coletivos.
Sua produção resulta, na verdade, de sistemas integrados “homems-máquinas-organização”, nos quais tem cada vez menos sentido identificar a parte proveniente do capital ou do trabalho. A produção moderna de riquezas depende de uma rede de interdependência que as empresas costuram entre elas mesmas e com seu meio social, institucional e natural. O saber, que joga um papel cada vez mais importante no processo, é fruto de um patrimônio universal, constituído do esforço das gerações passadas e de todos os indivíduos contemporâneos.
A criação desta renda mínima garantida permitiria vencer a contradição atual entre os que têm um emprego e os que são descartados, e instaurar uma gradação entre quem escolhesse não trabalhar, quem tivesse atividade ocasional ou de tempo parcial, e quem trabalhasse período completo. O contrato temporário, inteiramente deformado no contexto atual, seria o instrumento natural desta evolução. O emprego não seria mais medido segundo o número de indivíduos ocupados — e portanto a noção de pleno emprego perderia sentido — , mas se exprimiria segundo o número de horas trabalhadas numa coletividade ao longo de um período de tempo determinado: dia, semana, mês ou ano. A passagem à aposentadoria seria feita progressivamente, ao ritmo de cada um, sem jamais tornar-se irreversível.
Já é possível escutar o riso dos “realistas”. A visão exposta aqui não é, certamente, a da ortodoxia dominante. Mas só se pode interpretar o presente através de uma visão de longo prazo. A