Viajar, conhecer e preservar
O que é o “turismo comunitário” e como ele permite conhecer novas partes do planeta, mantendo contato com os habitantes do local e participando da preservação de sua cultura e ambienteAnne Vigna
As organizações indígenas, camponesas e ambientais são as primeiras a se decepcionar com o aviltamento do eco-turismo. Algumas delas viram na idéia de “turismo comunitário” a oportunidade de realizar intercâmbio com os visitantes num contexto diferente. Outras financiam a proteção das terras (contra incêndios e corte ilegal da madeira), guiando os excursionistas. Há mais de 20 anos, com uma grande diversidade de idéias, conceitos e meios, certas comunidades elaboraram projetos de recepção e de acolhimento, auxiliadas por associações e universitários, ou inspiradas nos fóruns dos quais participaram.
Hoje exilado no Canadá porque sua vida está ameaçada pela política do governador do Estado mexicano de Oaxaca [1], Ulises Ruiz, Raul Gatica explicava, em junho de 2005, os motivos da criação de um projeto turístico pelo Conselho Indígena Popular de Oaxaca ? Ricardo Flores Magón (CIPO-RFM), uma rede de 22 comunidades: “Lutamos contra o corte ilegal de nossas florestas (realizado com o apoio do governo) e a devastação generalizada de nossas terras. Sofremos uma repressão sem precedentes. Quando se encontram turistas em nossas comunidades, há bem menos paramilitares, bem menos problemas. É também um meio de mostrar nossas condições de vida e nossa luta.” O CIPO não criou cabanas para os visitantes. Eles dormem, vivem e comem com famílias da comunidade e “nas mesmas condições: é um dos pontos principais de nossa proposta. Eles vêm à nossa casa”. Colheita do milho, extração do mel, pesca ou preparação das tortillas, de acordo com a estação do ano e do meio-ambiente, desde as praias do Pacífico até às frias montanhas da Sierra Norte. A rede do CIPO oferece uma maravilhosa viagem ao coração da realidade indígena de Oaxaca.
Na Guatemala, contra as futuras represas previstas pelo Plano Puebla Panamá sobre o rio Usumacinta, prepara-se o mesmo tipo de operação. “O turismo comunitário ajuda, primeiro, devemos encontrar atividades para ficarmos em nossas terras. Além disso, é um excelente meio para chamar a atenção”, explica Augustin Terala, membro da Frente Petenero contra as Represas (FPCR). Ao mostrar a beleza do rio Usumacinta, os membros da Frente querem explicar aos visitantes os estragos ecológicos que provocariam as obras de concreto.
Apresentar a floresta ou vender miçangas?
Na mesma região, a Associação das Comunidades Florestais do Peten (Acofop), reforça sua atividade de turismo comunitário face à ameaça de um outro tipo de turismo no sítio arqueológico do Mirador (leia “Em nome da Natureza”, nesta edição). Há mais de 10 anos, a comunidade da Carmelita [2] propõe descobri-lo em pequenos grupos, durante 5 dias de caminhada na floresta: um verdadeiro turismo de baixo impacto pelas veredas e um momento privilegiado com os que vivem e trabalham nessa floresta. “Sabemos que o projeto de Hansen [arqueólogo norte-americano que elaborou o complexo turístico] propõe que vendamos lembranças, mas preferimos passear pela floresta e mostrar nosso trabalho, explica Freddy Molina. O turismo limitado e administrado pela comunidade é um complemento interessante de nossa atividade florestal que também apresentamos ao visitante.”
Antropóloga do Instituto de Pesquisas Sociais da UNAM (Universidade do México), Luisa Paré pensava a mesma coisa ao criar o primeiro projeto que iria originar a Rede de Eco-Turismo Comunitário dos Tuxtlas (RECT), no Estado de Veracruz, no México. O principal objetivo era enfraquecer a criação brutal da Reserva da Biosfera dos Tuxtlas, em 1998, a qual expropriava os habitantes de suas terras e impunha regulamentos às comunidades locais para impedir o desflorestamento. “A criação da reserva não propunha alternativa econômica”, lembra a antropóloga, “e os habitantes não foram consultados sobre o seu traçado. A prioridade era a biodiversidade e os habitantes deviam adaptar-se. Sabíamos, ao contrário, que, sem a participação da população, a criação de uma reserva nada mudaria em termos de preservação.”
Ao longo dos anos, várias atividades econômicas compatíveis com o ambiente (eco-turismo, artesanato em madeira, agricultura biológica) foram desenvolvidas nas aldeias. Os habitantes aceitaram proteger a floresta e as nascentes de água, graças a um plano de desenvolvimento sustentável, como o desejava a direção da reserva. “Mas, em troca, eles recebem compensações justas e participam do processo de decisão, pois prestam um serviço ambiental. Ou seja, eles trabalham, como a reserva, em prol da proteção dos recursos do planeta.”
O eco-turismo tende a ir neste sentido: obter recursos financeiros e materiais destinados às populações locais para que elas protejam o meio-ambiente e tenham acesso a serviços, tais como a água potável e a eletricidade ? aliás, indispensáveis para receber um turista. No meio rural, um turismo limitado e controlado localmente pode ser uma fonte de renda interessante, em particular durante as estações do ano em que a atividade agrícola é fraca. Diante da situação econômica catastrófica na qual se encontra o campo na América Central e no México, o eco-turismo já permitiu evitar a falência de pequenas explorações familiares. E a organização comunitária dessa atividade é essencial: é fundamental que numa aldeia, os problemas do turismo (gestão do lixo, consumo de água e de energia), bem como seus eventuais benefícios (empregos, formação, serviços públicos), sejam ob
Anne Vigna é jornalista.