Vitória histórica no processo do amianto
Em 1998, os habitantes de Casale Monferrato, vila do Piemonte invadida pela poeira mortal de uma usina de amianto, criaram a Associação das Famílias de Vítimas; em 2004, eles prestaram queixa junto ao procurador de Turim. Fim da história: a condenação retumbante, em fevereiro, de dois dirigentes do grupo mundo EternitPatrick Herman
Turim, 13 de fevereiro de 2012. A cidade piemontesa se tornou por um dia a capital mundial da revolta contra a impunidade dos grandes grupos industriais. Quase 2 mil pessoas se espremem nas escadarias do palácio de justiça, com bandeirolas e fotos de vítimas pregadas às grades. Este dia é histórico, ninguém duvida. O veredito do primeiro grande processo penal do amianto, cujos acusados são dois altos dirigentes do grupo mundial Eternit, o barão belga Louis de Cartier de Marchienne e o bilionário suíço Stephan Schmidheiny,1 vai sair em alguns instantes. Em todas as cabeças desfilam as lembranças da interminável luta para que a justiça fosse feita. Mil oitocentas e trinta pessoas morreram, mais de mil estão doentes, e o pico do número de vítimas só será atingido em 2020. O procurador Raffaele Guariniello pediu vinte anos de reclusão.
Dezenas de ônibus levaram os autores da denúncia e suas famílias. Muitos prefeitos, vestidos com suas faixas oficiais, se unem a estudantes e antigos mineiros vindos da região da Lorena, de capacetes na cabeça. Presidente da Associação das Famílias das Vítimas de Casale Monferrato, pequena cidade onde, a cada semana, uma pessoa ainda morre de mesotelioma, o câncer de pleura (membrana que envolve o pulmão) característico da exposição ao amianto, Romana Blasotti Pavesi está rodeada: ao longo dos anos, ela perdeu cinco pessoas próximas. Vindos do mundo inteiro, os militantes das associações nacionais e da rede internacional Ban Asbestos (“Proíbam o amianto”) trocam as últimas informações.
Grande figura da luta contra o amianto no Brasil, Fernanda Giannasi encontra Eric Jonkheere, vindo da Bélgica, cujos pais e irmãos foram levados pelo mesotelioma. Reconhece-se de longe a alta silhueta de Barry Castleman. Ouvido como especialista em centenas de processos nos Estados Unidos, ele lutou frente à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1998, quando o Canadá, que protege as minas do Quebec há décadas, havia feito uma queixa oficial contra a decisão francesa de proibir o amianto, considerando que ela era um entrave à liberdade do comércio – reclamação que foi rejeitada em setembro de 2000, e depois em segunda instância em março de 2001.
Antigo operário da usina Eternit de Niederurnen, perto de Zurique, Franco Basciani tem uma palavra a dizer sobre a reconversão para o “desenvolvimento sustentável” do bilionário Schmidheiny, acusado de ter se omitido ao não instalar medidas de segurança necessárias para proteger os trabalhadores das usinas e a população do entorno: “Um ilusionista”.
Às 13h30, diante de uma sala em pé, o juiz Giuseppe Casalbore pronuncia a sentença: dezesseis anos de reclusão para os dois acusados e indenizações para os sindicatos (de 100 mil euros), as associações e coletivos territoriais (20 milhões de euros para a região de Piemonte, 25 milhões para Casale Monferrato). Depois começa, num silêncio profundo, a litania das pessoas indenizadas. Ela vai durar três horas.
França continua em negação
Nos corredores, Jean-Paul Teissonnière, que representava algumas partes civis italianas, sublinha a amplitude da condenação: “Esta condenação é a prova de que uma instituição judicial pode levar em conta o que de fato aconteceu”. Mas, como não ver o contraste com a situação do caso no seu país? “Na França, vive-se sempre na negação. O Ministério Público faz de tudo para bloquear o bom andamento da investigação. Os procuradores da República devem se libertar da cultura da submissão!” Dezesseis anos após a primeira queixa ser feita, quando as condições de trabalho eram similares às da Itália, com vítimas também contadas por dezenas de milhares, a juíza Marie-Odile Bertella-Geffroy, do Polo de Saúde Pública do Tribunal de Grande Instância de Paris, acaba de ver parte do processo ser retirado de suas mãos: a câmara de instrução do tribunal de apelação de Paris anulou, por detalhes de procedimento, a investigação sobre cinco dirigentes das usinas Eternit. Nenhum procurador teve a ideia, em dezesseis anos, de abrir um inquérito judicial. Enfim, a Eternit acaba de dar queixa de difamação contra Teissonnière: ele afirmou em uma entrevista que o grupo tinha continuado a “envenenar” as pessoas, sendo que, há vinte anos, ele já podia não mais utilizar o amianto.2
Conscientes da envergadura mundial deste julgamento, os advogados italianos, belgas e franceses não pretendem parar por aí. Depois de terem cooperado para analisar a política da Eternit, eles decidiram criar um fórum internacional contra os crimes industriais: a associação Interforum. Este reagrupa os advogados e pesquisadores a fim de perenizar a ligação que se estabeleceu durante a preparação do processo. “É preciso fazer com que este processo não continue sendo uma exceção. Ele abriu uma brecha que precisamos aumentar”, exorta Annie Thébaud-Mony, diretora de pesquisa honorária no Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm) e especialista em cânceres profissionais, que milita há muito tempo pela proibição do amianto.3
A hora é propícia para uma estratégia coordenada pelos próximos meses, pois procedimentos de apelação já estão em andamento, como em Bruxelas, onde a Eternit foi condenada a pagar 200 mil euros de indenização à família Jonkheere. “O Interforum não pretende limitar seu campo de ação à Europa”, precisa a pesquisadora. “Existem as filiais de dejetos na África, com pilhas contendo chumbo enviadas ao Senegal para serem recicladas e que contaminam toda uma população; há o shipbreaking, que envia barcos em mau estado para a Ásia, com as condições de trabalho que conhecemos na desmontagem…”
Para os agentes do processo, tudo começa em Turim. No dia seguinte ao veredito, o procurador Guariniello formulava nesses termos seu desejo de ver a criação de um ministério público europeu: “O crime viaja na velocidade da luz; a justiça não pode continuar a persegui-lo numa diligência”.4
Patrick Herman é Jornalista.