Zika, Olimpíadas e a segurança
Para entender como essa ameaça de zika é alavancada pelas Olimpíadas, é preciso ter em mente dois elementos: por um lado, o alto fluxo e concentração de pessoas que passarão pela cidade do Rio de Janeiro; por outro, que as epidemias são menos suscetíveis de serem barradas por controles fronteiriços e alfandegáriosRamon Blanco
Normalmente, quando se pensa em ameaças à segurança internacional, os primeiros elementos que frequentemente sobressaem são as preocupações ligadas a ataques terroristas, armas químicas e biológicas ou até mesmo ameaças nucleares. Assim, ao se prepararem para um evento global, como os Jogos Olímpicos, não é incomum os países e as cidades-sede, compreensivelmente, centrarem grande parte de sua atenção securitária nesses elementos. Esse é o caso da cidade do Rio de Janeiro, no que toca às Olimpíadas de 2016.
Contudo, entender a segurança internacional somente nesses termos denota uma compreensão estreita. Há outras ameaças intimamente ligadas à (in)segurança internacional que o Brasil deveria ter como prioridade ao preparar-se em termos securitários para os Jogos Olímpicos. A epidemia do vírus da zika1 que assola o país é o exemplo mais emblemático. Para perceber essa epidemia como uma das ameaças à segurança internacional que o país precisa dirimir é necessário ter em mente o alargamento sofrido pela ideia de segurança internacional ao longo do tempo, sobretudo no pós-Guerra Fria,2 e como tal ameaça pode ser alavancada pelos Jogos.
O alargamento da ideia de segurança internacional
Durante muito tempo, a ideia de segurança internacional esteve umbilicalmente ligada aos Estados. Estes eram os únicos atores da cena internacional a serem problematizados como entes a serem seguros. Desse modo, a segurança internacional era entendida essencialmente de modo estadocêntrico, militarizado, e francamente subordinada à estratégia, e as ameaças a ela associavam-se de modo exclusivo às temáticas e dinâmicas que gravitavam em torno da sobrevivência dos Estados no cenário internacional. Não por acaso, estas compreendiam ameaças tradicionais, desde a proliferação nuclear até um conflito armado direto entre dois Estados beligerantes. Esse foi o racional securitário dominante durante todo o período da Guerra Fria. Nesse contexto, entender uma epidemia, por mais severa que fosse, como real ameaça à segurança internacional não fazia nenhum sentido.
Foi no pós-Guerra Fria que a ideia de segurança internacional começou a se transformar. Esta alargou-se, sobretudo, no que tange, por um lado, aos que devem ser os entes a serem seguros na cena internacional e, por outro, às esferas a serem problematizadas sob o enquadramento da segurança internacional. Nesse ponto, o racional securitário internacional superou o foco exclusivo nos Estados e passou a incluir também em suas problematizações as inseguranças dos indivíduos. Assim, outras esferas – em especial aquelas diretamente associadas às diferentes inseguranças cotidianas dos indivíduos como parte de uma população global – passaram a ser problematizadas dentro do enquadramento da segurança internacional. Consequentemente, observou-se a inclusão de elementos como alimentação, educação, saúde, emprego, meio ambiente, entre outros, no vocabulário e reflexão acerca da segurança internacional.
Vai dar zika nas Olimpíadas?
É nesse contexto que as epidemias podem ser entendidas como potenciais ameaças à segurança internacional. Basta lembrar, por exemplo, dos casos de ebola, da Sars,3 ou das gripes aviária4 e suína,5 para ficar apenas nos mais recentes. Infelizmente, a epidemia do vírus da zika, no contexto das Olimpíadas no país, insere-se nessa conjuntura. Não por acaso, a Organização Mundial da Saúde declarou-a, no início de fevereiro, como uma emergência global.6
Para entender como essa ameaça é alavancada pelas Olimpíadas, é preciso ter em mente dois elementos: por um lado, o alto fluxo e concentração de pessoas que passarão pela cidade do Rio de Janeiro, um importante foco da epidemia. A cidade receberá milhares de pessoas, entre delegações e turistas, de mais de duzentos países para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos,7 que posteriormente voltarão para seu país. Por outro lado, é necessário lembrar que, diferentemente das ameaças securitárias tradicionais, as epidemias são menos suscetíveis de serem barradas por controles fronteiriços e alfandegários.
Esses dois elementos, em conjunto, formam uma combinação no mínimo inquietante. Eles potencializam uma possível disseminação da epidemia, intensificando sua amplitude planetária, levando-a a poder atingir virtualmente todos os lugares do globo em um curtíssimo espaço de tempo. Portanto, é uma ameaça securitária real para a população global. Contudo, por mais paradoxal que possa parecer, dirimi-la não passa por combatê-la problematizando-a por meio de um entendimento securitário tradicional. Ao contrário, diferentemente das ameaças tradicionais à segurança internacional, ela é totalmente incólume a maiores investimentos em meios bélicos, militares e estratégicos. Enfrentar essa ameaça passa por focar investimentos em esferas que normalmente não são associadas à segurança internacional, como medidas sanitárias, saneamento básico, infraestruturas médicas e saúde pública.
É bem verdade que o país deve buscar prevenir-se contra ameaças securitárias tradicionais, que sempre são um grande risco em eventos desse tipo. No entanto, minimizar a ameaça securitária posta pela epidemia de zika seria, pelo menos, alarmante. Corre-se o sério risco de o país ser o epicentro de uma dispersão ainda maior de uma grave ameaça à segurança internacional. Portanto, além dos imensos riscos postos à população global, a alavancagem diplomática e geopolítica acertadamente perseguida pelo Brasil ao sediar um evento desse porte pode estar seriamente em perigo. Mesmo assim, é ainda bastante discutível se as autoridades percebem a real dimensão da ameaça que têm diante de si.
Ramon Blanco é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, onde coordena o Núcleo de Estudos para a Paz e a Cátedra de Estudos para a Paz, além de ser docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná.