Caminhos para inserir a discussão sobre representação política das mulheres na agenda do G20
Metade dos países que integram o bloco possuem menos de 30% de mulheres em seus parlamentos nacionais. O Japão tem o pior índice e, em segundo lugar, está o Brasil
A 2ª Conferência Digital “Power of Women”, será realizada no formato virtual durante os dias 17 e 18 de novembro, paralelamente à Cúpula do G20 Brasil. Um espaço importante para discussões sobre a representação política das mulheres nas esferas de poder nacionais e internacionais.
Em sua primeira edição, realizada em 2023, a Conferência Digital “Power of Women”, reuniu participantes de mais de 50 países, 5 milhões de pessoas no Instagram, cerca de 29 mil visualizações no YouTube e 100 líderes internacionais paralelamente à Cúpula do G20 Índia, trazendo as questões de gênero para o centro do debate político internacional e destacando a importância dos países membros do G20 avançarem nessa agenda.
A conferência é realizada pela organização estadunidense “Power of Women”, cuja missão é amplificar as vozes das mulheres em posições de liderança para garantir a criação e implementação de políticas globais que tratem as questões de gênero de maneira transversal. Durante o G20 Brasil, a “Power of Women” participou e contribuiu em mais de 25 reuniões, trabalhando em recomendações políticas sobre energia limpa, conectividade digital, educação, desenvolvimento liderado pelas mulheres, entre outros temas. Essas recomendações políticas foram elaboradas no âmbito do C20 (grupo de engajamento da sociedade civil), contribuindo para o Communiqué apresentado para as lideranças do G20.
A iniciativa também conta com a colaboração do G20 Social – órgão criado pela presidência brasileira para fomentar a participação de atores não governamentais no fórum, além dos grupos de engajamento do G20 sobre mulheres (W20), sociedade civil (C20), think thanks (T20), empresas (B20), ciência (S20), oceano (O20) e Instituições Superiores de Controle (SAI20).
Um tema transversal a todas as discussões realizadas durante a Conferência Digital “Power of Women” é a importância da participação política das mulheres nas discussões domésticas e internacionais. De acordo com a organização, a baixa representação das feminina nos processos de tomada de decisão leva a políticas e iniciativas que não abordam os desafios e as necessidades específicas enfrentadas por mulheres e meninas, perpetuando um ciclo de desigualdade.
Shenali Rajaratnam, fundadora da “Power of Women”, pontua que atualmente as mulheres estão sub-representadas em posições de tomada de decisão, o que afeta toda a sociedade. A ativista acredita que transformações sociais importantes seriam possíveis se as comunidades e lideranças apoiassem a ambição política da população feminina e lhes oferecessem condições para uma participação plena na esfera pública.
No Brasil, apesar das eleições de 2022 terem consolidado o maior índice de representação de feminina na Câmara dos Deputados, essa cifra ainda está longe de refletir uma representação paritária. Atualmente, as deputadas ocupam apenas 17,7% das cadeiras. A situação também é preocupante no nível local, tendo em vista que após as eleições de 2024, 87% dos municípios brasileiros serão liderados por homens.
Quando olhamos para os demais membros do G20, o cenário permanece alarmante: o estudo “Criando sinergias entre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o G20”, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que metade dos países que integram o bloco possuem menos de 30% de mulheres em seus parlamentos nacionais, sendo o Japão o país com o pior índice, seguido justamente pelo Brasil.
De acordo com o “Global Gender Gap Report 2023”, realizado pelo Fórum Econômico Mundial, países membros do G20, como a Arábia Saudita, enfrentam um cenário excepcionalmente alarmante a nível local, com apenas 1,2% de mulheres nessa esfera de poder. Os números também são preocupantes em lugares como Turquia (10,1%), Japão (14,31%), Brasil (15,7%), Indonésia (15,7%) e China (28,1%).
A criação de um grupo de trabalho no âmbito da trilha de sherpas do G20 sobre o empoderamento feminino durante a presidência da Índia foi um passo significativo no âmbito do fórum, a partir do trabalho desenvolvido pela sociedade civil sobre o tema em grupos de engajamento como o C20, W20 e T20. A issue note do Grupo de Trabalho sobre Empoderamento das Mulheres afirma que “O compromisso com a promoção da igualdade de gênero precisa ser amplamente consolidado: desde a representação política das mulheres e a paridade de gênero nos níveis mais altos do Poder Executivo até a equidade na elaboração de políticas públicas”, destacando, portanto, a necessidade de ação dentro da estrutura do G20 para combater a lacuna de gênero na participação feminina nos processos de liderança e tomada de decisão.
Durante os trabalhos do C20 Brasil, o grupo de trabalho sobre direitos das mulheres e igualdade de gênero realizou discussões sobre a representação igualitária de mulheres na vida pública, adotando como tema dos trabalhos “Promovendo a igualdade de gênero: Transformando sistemas para o empoderamento econômico e político das mulheres”. Organizações como o Instituto Geledés, International Center for Research on Women, International Planned Parenthood, Power of Women, Projeto Legislativas e Elas no Poder foram vozes importantes nesse processo de advocacy.
O Policy Pack do C20, lançado durante o Summit do C20 Brasil em 13 de novembro, reúne as recomendações da sociedade civil para os líderes do G20. Na seção sobre direitos das mulheres há um destaque para a importância de mudanças sistêmicas para garantir que as mulheres e meninas, em toda a sua diversidade, possam prosperar e contribuir de forma significativa nas suas comunidades. Além disso, a segunda seção do documento se dedica a apresentar recomendações específicas para promover uma representação igualitária na vida pública, ressaltando a importância dos países do G20 alcançarem a paridade de gênero por meio de ações como remover barreiras para a entrada das mulheres na política previstas em suas legislações, adotar arranjos institucionais para aumentar a participação das mulheres na política, aumentar o financiamento das campanhas femininas, prevenir e combater a violência e o assédio na política, e reduzir a desigualdade entre homens e mulheres nos trabalhos de cuidado. Por fim, o documento também destaca a importância de uma representação paritária nas instituições de governança global, garantindo uma coerência entre as políticas domésticas e externas.
Além disso, o P20, grupo de engajamento dos parlamentos dos países do G20, promoveu uma ampla discussão em julho sobre a importância da representação das feminina na política. A “Carta de Alagoas”, resultado do evento realizado pelo P20, traz recomendações que buscam institucionalizar a discussão sobre gênero e representação política nos trabalhos do grupo de engajamento, promover a criação de políticas públicas no fórum para alcançar a paridade de gênero e incorporar a perspectiva de gênero nos trabalhos dos parlamentos dos países membros do G20. As três áreas prioritárias da iniciativa são: justiça climática e desenvolvimento sustentável para mulheres e meninas; ampliação da representatividade feminina em espaços decisórios; e combate às desigualdades de gênero e promoção da autonomia econômica das mulheres.
Tulia Ackson, presidente da União Interparlamentar e da Assembleia Nacional da Tanzânia, participou da 10ª Cúpula dos Presidentes dos Parlamentos do G20, realizada em Brasília, entre os dias 7 e 8 de novembro. Para ela, a Carta de Alagoas precisa se tornar referência na promoção da igualdade de gênero na política, argumentando que “agora está na hora de levar essa declaração conjunta para nossos lares e assegurar que nossas palavras sejam asseguradas por ações concretas”. A presidente da União Interparlamentar é uma das palestrantes confirmadas na 2ª Conferência Digital “Power of Women”.
Além dela, também participarão da conferência Fatoumata C. M. Jallow Tambajang, ex-vice-presidente da Gâmbia, Nusrat Hanje, parlamentar da Tanzânia, e Pauline Lenguris, parlamentar da Quênia. A partir das visões das palestrantes sobre suas trajetórias políticas, os desafios enfrentados e as conquistas observadas, a Conferência Digital “Power of Women” buscará fomentar a participação de mulheres e meninas em todos os níveis de atuação política.
Como resultado do evento, uma declaração colaborativa de duas páginas será produzida e assinada digitalmente por indivíduos e organizações ao redor do mundo para pressionar os líderes do G20 a priorizarem as políticas sobre gênero apresentadas durante suas presidências, assegurando que as vozes da sociedade civil sejam ouvidas e que as recomendações sejam efetivamente implementadas.
Além disso, durante a conferência serão realizados seis eventos em que o público conseguirá interagir diretamente com os palestrantes. A ideia é que mulheres e meninas que possuem interesse em se engajar no debate político possam não só aprender, mas também debater com os convidados sobre como superar desafios e contribuir para a criação de uma sociedade mais justa, sustentável e igualitária. Shenali Rajaratnam, fundadora da “Power of Women”, destaca que atualmente enfrentamos problemas globais urgentes e, embora possam ser realizadas inúmeras cúpulas, não temos tempo ilimitado para resolvê-los. Para ela, a conferência oferece um espaço para que a sociedade possa se concentrar em soluções concretas, além de refletir sobre como podemos nos preparar para os desafios que estão por vir. Quer fazer parte dessa mudança? Participe da 2ª Conferência Digital “Power of Women”.
Ana Beatriz Aquino é estudante dos bacharelados em Ciências e Humanidades e Relações Internacionais da UFABC, pesquisadora no Legislativas e OPEB, membro do Grupo de Trabalho sobre Direitos das Mulheres e Igualdade de Gênero e do Grupo de Trabalho sobre Governança Democrática, Espaço Cívico, Anticorrupção e Acesso à Justiça do C20 Brasil.