A ciência confirma novamente a importância da restauração da Mata Atlântica
Confirmando outros estudos, os resultados de estudo publicado na Nature apontam a Mata Atlântica entre os biomas de maior prioridade para a restauração no mundo
Um estudo internacional liderado pelo pesquisador brasileiro Bernardo Strassburg e publicado na renomada revista Nature chamou a atenção novamente para a restauração de ecossistemas. A partir de uma sofisticada modelagem matemática planetária, ele identificou as áreas prioritárias para a restauração que combinam a conservação da biodiversidade, a mitigação de mudanças climáticas e os custos para a recuperação dos ecossistemas.
A pesquisa apontou que a restauração de 30% das áreas prioritárias do mundo evitaria a extinção de 71% das espécies ameaçadas, sequestraria 49% do aumento total de carbono na atmosfera desde a revolução industrial e reduziria 41% dos custos. O cenário que otimiza aspectos ambientais e econômicos poderia alcançar uma relação custo-benefício de até treze vezes, principalmente se incluir vários biomas da Terra.
Confirmando outros estudos, os resultados apontam a Mata Atlântica entre os biomas de maior prioridade para a restauração no mundo. Afinal, ela reúne uma altíssima diversidade de espécies vegetais e animais e tem somente 12,4% da sua área original com vegetação nativa, segundo o Atlas do monitoramento do bioma produzido pela SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde 1990.
Além de ciência, não faltam acordos, compromissos e políticas para acelerar a restauração da Mata Atlântica e de outros biomas no Brasil e no mundo. A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período de 2021 a 2030 como a Década da ONU sobre Restauração de Ecossistemas. O Desafio de Bonn definiu a meta de restaurar 350 milhões de hectares de ecossistemas degradados até 2030, com a adesão de diversos países, governos locais e empresas.
No plano nacional também temos compromissos, leis e políticas que se relacionam com essas iniciativas internacionais. A nossa contribuição ao Acordo de Paris (NDC) prevê a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030. O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica é uma inciativa voluntária que reúne empresas, governos locais e ONGs pela meta de restaurar 15 milhões de hectares do bioma até 2050.
Boa parte dessas metas podem ser alcançadas somente com o cumprimento do Código Florestal, já que, dos 19,5 milhões de hectares de déficit de matas para cumprir com a lei no Brasil, a maior parte está localizada na Mata Atlântica. São 6,8 milhões de hectares ou 35% do total do déficit nacional, sendo quase 4 milhões de hectares somente de Áreas de Preservação Permanente (APPs) hídricas (matas no entorno de nascentes ou beira de rios).
Para apoiar o cumprimento do Código Florestal, foram criadas ou aprimoradas outras políticas públicas, como o Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa) e o próprio plano Safra. Neste, o Programa ABC passou a financiar a recuperação de APPs e reservas legais. Já os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) colocam os Estados no papel de regulamentar e colocar em marcha o Código Florestal.
Finalmente, temos a Lei da Mata Atlântica, que protege o bioma em escala nacional e tem a inovação dos planos municipais como instrumento para a conservação e a recuperação da vegetação localmente.
A restauração dos milhões de hectares de APPs tem o papel fundamental de conectar outros remanescentes de Mata Atlântica, incluindo os das ainda poucas unidades de conservação do bioma. São 2.595 unidades de conservação federais, estaduais ou municipais, que ocupam 17,3 milhões de hectares, o que representa apenas 13% da área total da aplicação da Lei da Mata Atlântica. E vale destacar que esse valor desconsidera as diversas sobreposições entre as unidades de conservação do bioma e inclui as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), onde a atividade agropecuária é permitida. Além disso, ignora a fragilidade da demarcação e da real efetivação das UCs para alcançarem seus objetivos de conservação.
A restauração também é muito importante para contribuir para a quantidade e a qualidade da água. Temos bacias hidrográficas com menos de 10% de vegetação nativa, o que está diretamente relacionado com as nossas crises hídricas. O projeto Observando os Rios reúne 3,5 mil voluntários que monitoram a qualidade da água de 240 corpos d´água em 111 municípios dos dezessete estados do bioma e apresenta o grave retrato de que nenhum destes tem qualidade ótima e quase 20% têm qualidade ruim ou péssima. Isto é, além de faltar matas, temos rios mortos e muitos na UTI na nossa Mata Atlântica.
Finalmente, o relatório “Restauração de Paisagens e Ecossistemas no Brasil”, organizado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e o Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), aponta que a restauração da Mata Atlântica pode gerar três milhões de empregos no campo.
Com todo o arcabouço regulatório da esfera internacional para a local e do robusto conhecimento acumulado sobre o papel estratégico da Mata Atlântica para mitigar as mudanças climáticas e a provisão de serviços ambientais essenciais para a economia e para a saúde das pessoas e do planeta, é urgente a sua restauração em grande escala. Não há tempo a perder. Mãos à obra!
Luis Fernando Guedes Pinto e Rafael Bitante Fernandes são, respectivamente, diretor de Conhecimento e gerente de Restauração Florestal da Fundação SOS Mata Atlântica.