A dívida estudantil nos Estados Unidos
As taxas de ensino aumentam de duas a quatro vezes mais que a inflação. Globalmente, o custo do ensino superior dobrou em trinta anos. Longe de brecar essa tendência, a crise econômica funciona, ao contrário, como um aceleradorChristopher Newfield
Depois do subprime, será a vez da dívida estudantil no interminável folhetim da crise do capitalismo norte-americano? Estimada em mais de US$ 1 trilhão, ela dobrou nos últimos doze anos, a ponto de ultrapassar, hoje, o volume das compras por cartão de crédito. Em 2008, as dívidas médias contraídas por diploma chegavam a US$ 23.200 – valor um pouco menor no caso daqueles expedidos por universidades públicas (US$ 20.200). Em um contexto econômico difícil, marcado por uma taxa de desemprego elevada, um número crescente entre esses devedores é incapaz de reembolsar os empréstimos contraídos. A taxa de inadimplência dos estudantes – que não podem recorrer ao procedimento que alega falência individual – passou de 5% a 10% entre 2008 e 2011.1
O crescimento vertiginoso dessa dívida resulta da combinação de vários fatores. O primeiro reside na história do ensino superior nos Estados Unidos. Herdeiros de faculdades religiosas e universidades de pesquisa fundadas no século XIX por mecenas abastados – como Cornell, Johns Hopkins, Universidade de Chicago ou Stanford –, os grandes estabelecimentos privados de ensino superior estão, desde sua fundação, entre os mais caros do mundo: um ano de estudos em Harvard custa em média US$ 36 mil (US$ 52.650 se incluídos os custos de subsistência).2 E são os estabelecimentos privados que definem o preço no mercado: a concorrência generalizada entre faculdades para atrair o máximo de estudantes possível os incita a multiplicar as despesas a fim de oferecer mensalidades comparáveis à de uma instituição como Harvard. As subvenções do Estado não são suficientes, e as direções transferem uma parte dos custos para as taxas de matrícula, cada vez mais elevadas. As universidades públicas não são exceção: inicialmente criadas para oferecer uma solução alternativa quase gratuita ao setor privado, elas faturam atualmente cerca de US$ 13 mil por ano e por aluno. O ideal original evaporou-se e, para os estudantes, a conta não para de subir.
As taxas de ensino aumentam de duas a quatro vezes mais que a inflação. Globalmente, o custo do ensino superior dobrou em trinta anos.3 Longe de brecar essa tendência, a crise econômica funciona, ao contrário, como um acelerador. Se o setor privado registrou alta média de 8,3% em 2011, é no setor público que os valores decolaram, notadamente nos estados do oeste, particularmente dependentes da rede universitária pública. Observam-se, assim, altas de 21% na Califórnia, 17% no Arizona, 16% no estado de Washington…4
Esses aumentos são ainda mais problemáticos porque vêm acompanhados do desengajamento progressivo da maior parte dos cinquenta estados norte-americanos, principais beneficiários dos fundos do ensino superior. Em 1990, o estado de Washington investiu US$ 14 mil por cabeça, e os estudantes pagavam somente US$ 3 mil de taxa de matrícula. Vinte anos depois, essa relação está praticamente invertida: a subvenção pública não passa de US$ 5 mil, e cada inscrito deve pagar uma taxa anual de US$ 11 mil.5 Todas as universidades aumentaram suas tarifas, e os gastos médios de matrícula passaram de US$ 8,8 mil em 1999-2000 para US$ 14,4 mil em 2010-2011.
Instituídas pelo governo federal em meados da década de 1960, as bolsas de estudo concedidas diretamente aos estudantes (e aos não universitários) não acompanharam a escalada dos custos estudantis. A principal entre elas, a “Pell grant”, tem teto fixado em US$ 5,5 mil por ano, valor médio correspondente a apenas um terço de um ano universitário. Dessa forma, os estudantes recorrem não somente a financiamentos estatais – igualmente com um teto definido –, mas também aos de bancos privados, cujas taxas de juros são mais elevadas. Previsivelmente, o número de devedores de mais de US$ 40 mil aumentou dez vezes em dez anos.
Além disso, os jovens norte-americanos se matriculam cada vez mais em universidades com fins lucrativos, que custam caro e oferecem um ensino medíocre. Esses estabelecimentos privados, porém financiados em até 90% pelas subvenções,6 investem três vezes menos no ensino que as universidades públicas e cobram taxas de matrícula duas vezes maiores. Essa dinâmica repercute nos índices de aprovação: apenas 20% dos estudantes saem dessas universidades com diploma. Profundamente endividados, adquirem qualificações pouco consistentes e não têm perspectiva de conseguir um trabalho bem remunerado o suficiente para reembolsar os empréstimos contraídos.
Apesar de permanentemente questionadas pelo governo federal, essas universidades com fins lucrativos registram taxas recordes de recrutamento, sobretudo entre os estudantes mais vulneráveis, expulsos do sistema público pelas políticas sucessivas de austeridade. Em função dos cortes orçamentários no setor público, esse sistema, mais rentável, continua a prosperar. Enquanto o Reino Unido, assustado pela possibilidade de calamidade financeira que poderia resultar da dívida estudantil, desistiu de seguir com sua reforma universitária, os Estados Unidos persistem em nutrir um setor cuja própria existência repousa na obrigação do endividamento e na quase certeza de inadimplência em pelo menos metade dos casos.7
É que um grande obstáculo se coloca diante daqueles que defendem a reforma do sistema de ensino superior: o setor bancário. Principal beneficiário desse crescimento exponencial dos empréstimos estudantis, ele não tem nenhum interesse em mudanças. Com US$ 100 bilhões em empréstimos estudantis acordados em 2011 e US$ 1 trilhão de dívidas em espera, estão em jogo US$ 30 bilhões anuais de juros bancários.8
A situação é tão preocupante que, em janeiro de 2012, o presidente Barack Obama levou o tema ao seu tradicional “Discurso sobre o estado da União”. Na ocasião, ele ameaçou diminuir as subvenções públicas para as universidades que aumentassem rapidamente suas taxas de matrícula. Durante seu mandato, Obama também tentou reduzir a atuação dos bancos comerciais no programa federal de auxílio estudantil – sem sucesso. Essas iniciativas, contudo, não atacam diretamente o problema do custo dos estudos superiores e revelam a incapacidade do capitalismo norte-americano de suprir essa missão fundamental: permitir ao maior número de pessoas possível o acesso ao modo de vida da classe média.
Esse fracasso tem suas raízes nas políticas de austeridade colocadas em prática nos últimos trinta anos, que conduziram não somente ao declínio das infraestruturas escolares, médicas etc., mas também à estagnação dos salários e à explosão das desigualdades. No centro da ideologia neoconservadora – posta em voga com Ronald Reagan e levada adiante por todos os candidatos republicanos (e às vezes democratas) à Casa Branca – que inspira essas políticas, a “teoria do fluxo” sustenta a ideia de que a criação de empregos e de riqueza é uma prerrogativa dos norte-americanos ricos. Para cumprir essa missão, eles dispõem de um aliado de grande envergadura, o Estado, que cria as condições para um ambiente favorável ao setor. É dessa forma, por exemplo, que o ex-presidente George W. Bush justificou a diminuição do imposto sobre dividendos em 15%, ou seja, metade da alíquota fixada para o imposto de renda. As teorias reaganianas tiveram tamanho impacto que chegaram a desarticular em grande parte da opinião pública a ideia de um Estado atuante na vida pública, capaz de colocar em prática ou investir em projetos úteis à sociedade. Nesse contexto profundamente determinado pelas normas conservadoras em que até a mais tímida reforma no sistema de saúde é tachada de “socialista” e apresentada como um entrave à liberdade de concorrência empresarial, o presidente Obama e, de forma mais geral, o conjunto dos democratas se sentem obrigados, para ser escutados, a se mostrarem mais neoliberais do que eles gostariam.
Essas décadas sombrias de cortes orçamentários foram devastadoras para as universidades. Os neorreaganianos, contudo, continuam a predicar a transferência dos custos do ensino superior do setor público para o setor privado. Lá se vão trinta anos desse movimento, e os resultados estão longe de ser alcançados: três quartos dos norte-americanos mais modestos não obtiveram nenhum progresso no acesso ao diploma universitário.