A face oculta da fraude social
Ministros das Finanças continuam a ver os gastos sociais apenas em termos de custos, o que poderia ameaçar os “equilíbrios orçamentários”. Ora, essa representação ignora o papel central da proteção social: recusar o surgimento e a instalação de uma classe “sem direitos”, proteger os vulneráveis e preservar a cidadaniaPhilippe Warin
“Impostos, previdência social, desemprego: quanto os fraudadores custam para nós”; “Fraudadores da previdência social. Os que arruínam a França”; “A França dos assistidos. Esses ‘abonos’ que desencorajam o trabalho”…1 A melhor maneira de minar a legitimidade da proteção social é dar a entender que ela se parece com uma peneira. Os trapaceiros deslizariam facilmente através das malhas de uma rede frouxa, e seu parasitismo acabaria por transformar a solidariedade nacional em uma ameaça para o país. Conclusão (implacável!): proteger a França implicaria erradicar a fraude; e erradicar a fraude significaria podar os direitos sociais.
Ninguém sugere que os larápios que recebem benefícios indevidos não existem. Porém, mesmo na opinião do Conselho de Estado, “a fraude dos pobres é uma fraude pobre”.2 Ainda que possam ser contestadas, as estimativas oferecem uma ideia de magnitude. Registrado em 29 de junho de 2011, o relatório Tian, nome do deputado da União por um Movimento Popular (UMP) Dominique Tian, relator da missão de avaliação das contas da previdência social,3 evoca 4 bilhões de euros de fraude nos benefícios, contra 16 bilhões de euros em contribuições e 25 bilhões de euros em impostos não recebidos pelo Tesouro – sendo essas duas formas de ladroagem apanágio de empresas e contribuintes ricos.
O agito em torno dos “abusos” apresenta, no entanto, também um segundo interesse, menos citado, para os adeptos da austeridade: quando se eleva a desconfiança sobre os beneficiários legítimos, consegue-se dissuadir um grande número de pessoas de fazer valer seus direitos. Contra o exército dos “parasitas” apresenta-se assim outro, ainda maior: o das pessoas que não acessam os benefícios a que têm direito. São 5,7 bilhões de euros de rendimento de solidariedade ativa (RSA), 700 milhões de euros de cobertura de saúde universal (CMU) complementar, 378 milhões de euros de ajuda para a aquisição de saúde complementar etc., que não são pagos para aqueles que deveriam deles se beneficiar.
Um escândalo ainda maior pelo fato de que aqueles que renunciam aos seus direitos, no entanto, os financiam. Um exemplo: 10 milhões de famílias pobres não se beneficiaram das tarifas sociais de energia entre a data de sua criação – 2005 para a eletricidade, 2008 para o gás – e o final de 2011, o que representa 767 milhões de euros que não foram recebidos; elas, no entanto, contribuíram para essa soma, pagando um preço alto pela eletricidade e pelo gás…
Essa situação não é de forma alguma exclusiva da França. Consequentemente, não se pode imputá-la à generosidade descontrolada de seu sistema de proteção social. Um estudo feito em 2004 pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que a taxa média de não recurso às ajudas ou aos programas sociais oscilava entre 20% e 40%, dependendo do país. O que varia é a forma de lidar com essa questão em contextos econômicos e financeiros que levam cada governo a reduzir os déficits públicos.
A luta contra a fraude vem se desenvolvendo há anos. No Reino Unido, a ação sobre o assunto, frequentemente citada como exemplo, pode ser desconcertante: o Ministério do Trabalho e das Aposentadorias consagra a isso um orçamento de 425 milhões de libras a cada quatro anos (2011-2014), para uma expectativa de ganho de 1,4 bilhão de libras no período. O fenômeno de não recurso maciço, identificado desde o período pós-guerra, permitiu mais tarde que Margaret Thatcher e seus herdeiros justificassem cortes profundos nos gastos sociais, argumentando com a inutilidade dos dispositivos disponíveis para a população.
Essa apresentação das coisas elimina a razão fundamental pela qual tantas pessoas se abstêm de reivindicar o que lhes é devido: as desigualdades sociais no acesso aos direitos. Ela escamoteia os obstáculos tanto institucionais quanto individuais que fazem que muitas pessoas renunciem aos benefícios, financeiros e não financeiros, aos quais têm direito. Entre esses obstáculos, o relatório coordenado em 2002 pela universitária irlandesa Mary Daly para o Conselho da Europa4 menciona a distância geográfica e os problemas de mobilidade, as obrigações, códigos e linguagens impostos ao público, o tratamento diferenciado e, por vezes discriminatório, dado aos requerentes etc.
Na França, o princípio da igualdade de acesso está consagrado no artigo 1º da lei de 1998 relativa à luta contra a exclusão. Mas a escolha mais fácil é a negação simples. Reduzir o não recurso de fato inclui ao mesmo tempo despesas adicionais e a renúncia às economias que o fenômeno permite. Num contexto orçamentário difícil, tal decisão requer identificar prioridades… especialmente se implica amputar o montante das ajudas sociais. Em suma, espalhar uma quantidade menor de geleia sobre uma fatia de pão maior.
As coletividades territoriais podem pagar o preço, porque elas têm de socorrer as pessoas em dificuldade. É por isso que comunas e departamentos estabelecem gradualmente serviços de monitoramento e de acompanhamento de seus administrados em suas demandas. Não apenas por uma questão de amor à igualdade ou por um senso de responsabilidade diante dos efeitos da crise sobre os mais pobres, mas também pela simples lógica contábil: trata-se de evitar que a economia gerada pelo não recurso para o Estado se traduza em custos suplementares no âmbito local.
Apresentado em janeiro de 2013, o Plano Plurianual do governo contra a pobreza e pela inclusão social evoca grandes princípios, entre os quais a “não estigmatização”, para acabar com a desconfiança generalizada, e o “direito justo”, para “garantir que o conjunto dos cidadãos receba o que merece, nem mais nem menos”. No entanto, os ministros das Finanças continuam a ver os gastos sociais apenas em termos de custos, o que poderia ameaçar os “equilíbrios orçamentários”. Ora, essa representação ignora o papel central da proteção social: recusar o surgimento e a instalação de uma classe “sem direitos”, proteger os mais vulneráveis e preservar a cidadania social de cada um.
Rigor e austeridade: a tendência reforça a ideia de que qualquer novo aumento nos gastos deve ser compensado por novas receitas e por diversas medidas de isenção ou redução de impostos. Mas é possível ter uma visão diferente. Em tempos de crise, os benefícios e as ajudas sociais permitem compensar as perdas de rendimento e sustentar a demanda. Eles contribuem para a criação de empregos no setor da economia social e solidária. Geram despesas privadas (de salário e de consumo), que por sua vez produzem novas receitas por meio da contribuição e da tributação… das quais se alimentam os orçamentos de proteção social. Esse círculo virtuoso é exatamente o oposto da engrenagem que o Fundo Monetário Internacional (FMI) descreve hoje como o resultado de políticas de austeridade que ele havia tão ardentemente defendido.
Quando se reabilitam as funções positivas do gasto social – que desempenha um papel mais virtuoso que a poupança das famílias, com seus comportamentos capitalistas ou especulativos –, a contradição entre o progresso em direção à igualdade de acesso aos direitos e o respeito a restrições econômicas desaparece. O não recurso não aparece mais como uma bênção, uma oportunidade de economizar facilmente: ele assinala o fracasso de políticas públicas caracterizadas por uma destruição maciça de riquezas.
Ajudar as pessoas a fazer valer seus direitos, portanto, beneficiaria a todos…
Philippe Warin é Diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Cofundador do Observatório dos Não Recursos aos Direitos e Serviços (Odenore), que assinou coletivamente a obra L’envers de la “fraude sociale”. Le scandale du non-recours aux droits et services[O avesso da “fraude social”. O escândalo do não recurso aos direitos e serviços], La Découverte, Paris, 2012.