A ficha dos empresários estaria começando a cair?
Quatro anos após o naufrágio do Lehman Brothers nos EUA, a liturgia dos fechamentos de fábricas, das falências fraudulentas e dos escândalos bancários continua a dar o ritmo da economia. Aliados tradicionais dos acionistas e dos proprietários de empresas, os executivos se questionam. E, às vezes, vacilam em seu postoIsabelle Pivert
Desemprego, pobreza, recessão… Nós conhecemos atualmente alguns dos efeitos da crise econômica e financeira desencadeada pela bolha especulativa imobiliária nos Estados Unidos. Ela teria também – mas mais discretamente – fragilizado a adesão até então total dos executivos ao sistema econômico mundial, colocando em dificuldade a ligação entre um modelo de organização social e seus mais fiéis assistentes?
“Em 2007-2008, compreendemos algo: em vez de permitir às famílias economizar para suas aposentadorias e às empresas financiar seus projetos industriais ou de serviços, o sistema financeiro, que deveria ser um intermediário, estaria, sobretudo, preocupado consigo mesmo, monopolizando a renda”, explica Bruno Biais, professor de finanças da Toulouse School of Economics e diretor de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês).1 E os economistas liberais se indignaram: “Quando agentes econômicos como os operadores de mercado financeiro dos grandes bancos de investimento norte-americanos influenciam os preços comprando ou vendendo grandes pacotes de títulos, ou pior, quando esses bancos, como o Goldman Sachs, fazem que o setor modifique suas regras para vantagem própria, é absurdo invocar a mão invisível do mercado”.
Sem dúvida, a capacidade crítica de quem observa é inversamente proporcional à sua proximidade com o sistema que analisa. Assim, de acordo com o ponto de vista de M., presidente da sucursal francesa de um banco de investimentos europeu, a crise se explica principalmente pelo comportamento de alguns indivíduos que trapacearam, mesmo que todos os bancos tenham sido punidos e sejam hoje denunciados como vilões. No entanto, a regulamentação que ele rejeitava anteriormente se revela de agora em diante essencial: “A meu ver, 50% dos produtos financeiros são inúteis à economia”. Aliás, “as finanças hoje em dia são como a siderurgia no passado. Houve um entusiasmo, mas acabou. A área bancária não é mais um setor em crescimento”. A prova é que seus filhos prefeririam contar aos amigos que seu pai trabalha no setor de cosméticos, por exemplo.
Mas nem todos os executivos trabalham em banco. Nas altas esferas dos setores produtivos da economia, combatem-se também finanças consideradas estéreis. Philippe Plunian, consultor da filial de uma empresa industrial do CAC 40 [grupo das quarenta maiores companhias com ações negociadas na Bolsa de Paris], resume sua irritação: “O dinheiro só pode voltar para a economia real se houver um processo humano para criar valor. Se não há dinheiro na economia real, não há valor gerado!”. Uma verdadeira reviravolta.
Em 1996, Plunian dirigia a filial francesa de uma companhia industrial norte-americana cotada na Bolsa. “O presidente nos explicou a estratégia do grupo durante uma videoconferência transmitida a todas as filiais: a ação de US$ 70 deveria valer US$ 110 cinco anos depois. Essa era uma visão puramente financeira e cabia a nós encontrar o projeto industrial capaz de nos permitir colocá-la em prática. As filiais que não obtiveram sucesso foram vendidas. Antes disso, eu nunca tinha pensado que minha vida estava atrelada às mudanças da Bolsa.” Essa descoberta levou a empresa a se questionar sobre se há “criação de valor pelo acionista”.Não: “É impossível para um alto dirigente, pois isso recoloca em questão todo o resto”. Esse fato é confirmado por C., doutor em Física, ex-pesquisador, atualmente chefe de projetos em uma empresa do CAC 40:“O que um executivo nunca deve fazer é contestar as orientações, o que é ainda mais verdadeiro para um alto dirigente, porque sabemos que ele tem, mais do que outros, a capacidade de sabotagem”.
A experiência do desemprego
Após algum tempo, uma insatisfação atropela, no entanto, as antigas certezas. “Para um presidente de empresa, o dinheiro não é a principal motivação. Se deixei meu cargo anterior [presidente da filial de um banco de investimentos norte-americano], é porque não suportava mais a pressão das reestruturações permanentes da minha equipe”, afirma M. Se essa não é a “principal motivação”, a remuneração dos executivos, entretanto, pode às vezes abreviar os períodos de incerteza. Na indústria, há cinquenta anos os salários anuais oscilam entre 75 mil e 150 mil euros. Hoje, eles chegam a, pelo menos, o dobro no caso do setor de serviços (conselhos, advocacias de negócios) e facilmente a dez vezes mais na área financeira.
Com a crise, alguns dos executivos entrevistados conheceram um ou mais períodos de desemprego: em 2011, por exemplo, os bancos despediram quase 150 mil pessoas pelo mundo. Apenas o britânico HSBC anunciou uma redução de 10% em seu quadro de funcionários até 2013, em torno de 30 mil empregados. Nos grupos industriais cotados na Bolsa, como Sanofi, Peugeot e General Motors, os cortes já feitos ou em processo somam também milhares. Entretanto, nada se faz: sem dúvida, é necessário “melhorar o sistema”, mas a hora não é para grandes mudanças. A resposta mais comum às dúvidas e incertezas? A retirada em direção ao setor privado. E, totalmente céticos quanto ao futuro econômico e social do mundo, os executivos não necessariamente querem agora encarnar um modelo para seus progenitores.
Sua confiança na grande empresa, que serviu de base para o sistema capitalista após o fim da Segunda Guerra Mundial, acabará? Tratar-se-ia então de uma das reviravoltas mais radicais que ocorreram em nossas empresas ao longo dos últimos anos. No momento, as dúvidas aparecem pouco. Mas uma desconfiança secreta seria suficiente para corroer as lealdades, até mesmo as submissões que alicerçam o sistema. É possível até mesmo que ela cause abandonos individuais: algumas das pessoas entrevistadas deixaram o mundo empresarial, retornaram aos estudos, abriram galerias de arte. Mas, por enquanto, a adesão a um sindicato ou a participação em manifestações de rua se revelaram bastante raras…
Isabelle Pivert é ensaísta, autora de Soleil capitaliste, entretiens au coeur des multinationales, Le Sextant, Paris 2006 e de Plan social, entretiens avec des licencieurs, Le Sextant, 2004.