A guerra das terras-raras vai acontecer?
Enquanto parecia ter o monopólio das terras-raras, recurso indispensável para a fabricação de produtos de alta tecnologia, a China importou mais do que exportou. Mas será que algo realmente mudou, considerando que seus clientes continuam tão dependentes da produção chinesa quanto antes? Ademais, Pequim segue ameaçando os Estados Unidos com a interrupção das entregas
A cena aconteceu em 20 de maio de 2019, em Ganzhou, cidade de uma dezena de milhões de habitantes situada na província de Jiangxi (sudeste da China). Xi Jinping, o presidente chinês, caminha pelos corredores de uma usina de terras-raras. Para essa “visita de inspeção”, amplamente coberta pela imprensa oficial, ele está acompanhado por Liu He, seu principal conselheiro econômico, negociador-chefe com os Estados Unidos e encarregado de desenrolar o conflito comercial entre as duas potências.
A data de estadia da dupla não foi fruto do acaso: dez dias antes, a administração do presidente norte-americano, Donald Trump, havia inaugurado uma nova etapa na guerra comercial, aumentando o nível das taxas alfandegárias em US$ 200 bilhões para bens chineses. No embalo, Washington colocou o gigante das telecomunicações Huawei na lista suja, impedindo-o de ser abastecido por componentes norte-americanos, dos quais alguns lhe são indispensáveis (semicondutores, sistema de exploração Android). Dois golpes duros para Pequim, pega de surpresa.
Ao colocar em cena alguns dias depois sua visita a uma usina de terras-raras, a mensagem de Xi não deixou dúvidas: a China possui um instrumento que pode reverter os golpes norte-americanos. A imprensa e alguns pesquisadores chineses se encarregaram das legendas: a China poderia parar de um dia para o outro de fornecer metais de terras-raras para empresas norte-americanas. Em um comentário em inglês publicado pelo jornal chinês Global Times, o professor Jin Canrong, que ensina Relações Internacionais na Universidade Renmin, de Pequim, julgou que a China “possui três grandes forças para ganhar a guerra comercial contra os Estados Unidos”, entre elas a proibição de exportação de terras-raras.1 Pouco tempo depois, a organização que representa os industriais chineses do setor se declarou oficialmente favorável à instauração de tais medidas de retaliação.2
A ameaça parece ter potencial para preocupar, pois já foi posta em prática no passado: depois da prisão de um barco de pesca chinês pela Marinha japonesa no arquipélago disputado das ilhas Senkaku/Diaoyu, em setembro de 2010, Pequim interrompeu bruscamente – mas sem reconhecer publicamente – suas exportações de terras-raras para o Japão, causando pânico nos mercados mundiais.
Mas o que são exatamente as terras-raras? Um misto de dezessete minerais com propriedades químicas próximas – entre eles o cério, o disprósio e o érbio – indispensáveis – mesmo se utilizados em quantidades por vezes ínfimas – para a fabricação das tecnologias de ponta da transição energética (algumas eólicas, veículos a energia nova) e aparelhos eletrônicos. As terras-raras são também utilizadas na indústria de defesa. E, desde o fim dos anos 1990, a China garante em média 90% da produção mundial.
Aumento dos ramos industriais
No entanto, somente um terço das reservas mundiais comprovadas se situa em seu território. O Instituto de Estudos Geológicos dos Estados Unidos (USGS) indica que podemos encontrá-las nos subsolos do Brasil, da Rússia, da Índia, da Austrália, mas também em diversos países do Sudeste Asiático.3 Desde o início dos anos 2010, projetos de exploração foram lançados no Canadá, na África austral, no Cazaquistão e na Groenlândia. Até mesmo a Coreia do Norte reivindica possuir reservas gigantescas.
Durante muito tempo, a China ocupou não menos que uma posição quase monopolística. Foi sob Deng Xiaoping, no final dos anos 1980, que o Partido Comunista Chinês (PCC) adotou uma política voluntarista de desenvolvimento das terras-raras. Essa indústria era então dominada pelos Estados Unidos, que controlavam, além da mina de Mountain Pass na Califórnia, a integralidade do ciclo da transformação em torno da empresa Magnequench, filial da General Motors e carro-chefe da de Indiana, cujas atividades eram florescentes.4 No entanto, Deng tinha consciência do interesse geopolítico da exploração das reservas chinesas. Em sua célebre viagem pelo sul da China em 1992 para retomar as reformas, o velho líder revelou sua visão: “O Oriente Médio tem o petróleo, a China tem as terras-raras”.
Desde então, todos os meios são válidos para desenvolver essa indústria: as autoridades chinesas outorgam terrenos, fornecem energia a preço baixo, subvencionam a abertura de novas minas. Elas se preocupam pouco com as condições de trabalho dos mineiros, extremamente precárias, e menos ainda com questões ambientais. Em paralelo, o mercado interno está protegido da concorrência estrangeira, reservando as atividades de extração apenas aos industriais chineses. À medida que os Estados Unidos se afastavam das atividades de mineração – a mina da Mountain Pass foi alvo de escândalos ambientais5 –, a produção oficial chinesa (que não inclui a exploração clandestina, estimada historicamente em um nível entre 20% e 40% da extração total) progredia irremediavelmente: 60 mil toneladas em 1998, 80 mil toneladas em 2002, 100 mil toneladas em 2004, 120 mil toneladas em 2006. A produção norte-americana foi interrompida em 2003, enquanto a dos outros países produtores atinge no máximo mil toneladas por ano.
Ao mesmo tempo que garantia seu domínio, a China se empenhava em atrair as empresas estrangeiras que dispunham de um conhecimento tecnológico em matéria de transformação, com o objetivo de aumentar a cadeia de valor. Essa captação se deu de forma direta: em 1995, a empresa chinesa Zhong Ke San Huan comprou a norte-americana Magnequench. Cinco anos depois, a usina de Indiana foi relocada na cidade de Tianjin, a leste de Pequim.
O governo chinês também recorreu a técnicas mais indiretas, adotando progressivamente uma série de restrições à exportação (taxas, autorizações, cotas) tanto para responder às necessidades crescentes de seu mercado interno quanto para aumentar o valor do estoque de seus clientes. Em 2010, quando gozava de um quase monopólio em matéria de extração, a China diminuiu drasticamente suas cotas de exportação para 30 mil toneladas anuais. A Organização Mundial do Comércio (OMC) a condenou quatro anos depois,6 mas o mal já tinha sido feito. Para enfrentar o risco de penúria ou para evitar ter de pagar um valor excessivo, empresas norte-americanas e japonesas do setor da transformação instalaram suas atividades na China. Ao longo da cadeia, incluindo atividades de alto valor agregado, como a produção de ímãs, parcerias se fizeram, conduzindo a transferências de tecnologia em proveito das empresas chinesas. Estas últimas se impõem hoje como as campeãs mundiais do setor.
Essa política de desenvolvimento constitui uma vitória industrial para a China, que se tornou capaz – em seu próprio solo e com suas próprias empresas, como a Shenghe – de extrair, separar, refinar e transformar as terras-raras. Seu objetivo de fabricar produtos mais valorizados, da mina até a produção de componentes sofisticados, foi mais do que atingido: ela garante hoje 80% da produção mundial de ímãs à base de neodímio, um dos mais utilizados (para telefones celulares, motores elétricos, aparelhos de ressonância magnética, algumas turbinas eólicas etc.).
No plano ecológico, o balanço é bem menos positivo… O desenvolvimento de todas essas atividades de extração foi sinônimo de desastre nas províncias em questão: a Mongólia Interior viu os lagos tóxicos se multiplicarem, assim como os casos de envenenamento por ácido sulfúrico e o que chamamos de “vilarejos do câncer”. Parte da população, preocupada com os riscos sanitários e ambientais, se mobiliza localmente, como em Guangxi, para manifestar sua oposição à extração poluente. Em suma, o custo ambiental dessa exploração mineira se tornou cada vez mais difícil de justificar para um regime que conhece o que se espera dele em matéria de luta contra a poluição, erguida sob Xi como “batalha fundamental” do PCC.
Além do mais, as reservas chinesas, estimadas em 44 milhões de toneladas, não são ilimitadas. E a demanda mundial deve continuar aumentando. O consumo de certas terras-raras pode ser multiplicado por vinte até 2035. Pequim se encontra, portanto, em uma situação paradoxal, na qual seu controle da cadeia de valor, principalmente do ciclo de transformação, a obriga a considerar limitar suas operações de extração.
Assim, as autoridades se esforçam, desde o início dos anos 2010, para manter a produção oficial entre 100 mil e 120 mil toneladas por ano. Elas tentam paralelamente consolidar a indústria, historicamente muito dispersa, em torno de grandes empresas, a fim de reduzir a extração clandestina. Ao longo da década, elas se voltaram sobretudo para novos parceiros, a fim de garantir o fornecimento de minerais: para surpresa geral, a China se tornou, em 2018, importadora de terras-raras brutas. Em 2019 ela importou, segundo a alfândega chinesa, 47 mil toneladas de minerais de terras-raras e 36 mil toneladas de óxidos de terras-raras, dois itens cujas importações agora ultrapassam as exportações. Essas terras-raras brutas ou pouco transformadas provêm da Austrália – via Malásia, onde a empresa australiana Lynas Corporation, por exemplo, instalou uma parte de suas operações de refinamento –, da Birmânia, do Vietnã e da África.
O desafio de Pequim, desse modo, é assegurar essas novas importações. Em 2015, a gigante Shenghe fechou um contrato com uma empresa australiana que explora uma mina em Madagascar. No ano seguinte, ela se tornou também a primeira acionista da Greenland Minerals Ltd., companhia de mineração australiana, com a qual fechou um acordo reservando a totalidade da produção de terras-raras pesadas da mina de Kvanefjeld, na Groenlândia, ou seja, 32 mil toneladas anuais desses preciosos minerais garantidas, assim que a produção começar.
Reduzir a dependência
O mais espantoso é que uma parte consequente das recentes importações provém… dos Estados Unidos. A Casa Branca, tendo tomado consciência de sua vulnerabilidade diante de seu “competidor estratégico”7 chinês, apoiou a reabertura da mina histórica de Mountain Pass, de novo em funcionamento desde o início de 2018. Mas o local ainda não conta com uma unidade de refino. Então, por enquanto, os Estados Unidos exportam terras-raras brutas para a China. Esta as refina e transforma antes de reexportar o produto acabado (como os ímãs) para o mercado norte-americano, mas também para o europeu, o japonês e o indiano.
Nesse contexto, a ameaça de um novo embargo chinês tem credibilidade? A imposição de novas medidas de restrição à exportação poderia, evidentemente, a curto prazo, favorecer as empresas chinesas, fornecendo a elas um acesso privilegiado a produtos acabados para os quais as possibilidades de substituição são difíceis de encontrar em diversos setores. Mas isso incitaria também seus parceiros a diversificar seus circuitos comerciais, o que poderia comprometer a centralidade da China na cadeia de valor. Paradoxalmente, essas restrições à exportação favoreceriam seus concorrentes. Com efeito, elas criariam provavelmente um “choque de oferta” e consequentemente um aumento dos custos mundiais, o que tornaria a exploração de novas minas mais rentável.
Com razão, a vontade norte-americana de não depender mais da China está abertamente estampada. Nos Estados Unidos, as operações de transformação dos minerais de terras-raras oriundos de Mountain Pass devem voltar até o final deste ano, e o Pentágono indicou sua intenção de financiar a construção de unidades de refino nacionais. A aproximação da administração Trump com diversos parceiros (Canadá e Austrália em primeiro lugar ) é investigada pelas autoridades chinesas. No verão de 2019, o Global Times conectava a vontade assumida do inquilino da Casa Branca de “comprar” a Groenlândia – prova, segundo ele, da “ansiedade” norte-americana diante da dominação chinesa no setor das terras-raras.8
Um ano depois da visita de Xi à usina de ímãs do Jiangxi, a China ainda não executou sua ameaça de embargo. Na barulhenta disputa que opõe as duas potências, uma evolução escapou à atenção da maioria dos observadores. Em 2020, a China não diminuiu suas cotas de produção de terras-raras, mas as aumentou em 10% – para Pequim, uma maneira talvez de tornar a oferta mais abundante, a fim de baixar os preços mundiais e matar no ninho os novos projetos de mineração nos quais os Estados Unidos estão de olho.
A epidemia de Covid-19, que colocou as minas chinesas e, mais amplamente, a economia mundial em suspenso, põe em xeque esse cálculo. Mas, no momento em que o mundo inteiro se questiona sobre sua dependência em relação à China, ninguém duvida de que as terras-raras voltarão para o centro do palco.
Camille Bortolini é analista econômica na Direção-Geral do Tesouro francês, com cargo em Pequim de 2017 a 2019. Os pontos de vista expressos pela autora nesse texto são pessoais.
1 Jin Canrong, “China has three trump cards to win trade war with US” [China tem três trunfos para vencer guerra comercial com os EUA], Global Times, Pequim, 15 maio 2019.
2 “China rare earth groups support counter-measures against US ‘bullying’” [Grupos chineses de terras-raras apoiam contramedidas contra o “bullying” norte-americano], Reuters, 7 ago. 2019.
3 “Minerals Commodity Summaries” [Balanço das commodities minerais], US Geological Survey, Reston, jan. 2020.
4 Ler Olivier Zajec, “Comment la Chine a gagné la bataille des métaux stratégiques” [Como a China ganhou a batalha dos metais estratégicos], Le Monde Diplomatique, nov. 2010.
5 Cf. Guillaume Pitron, La guerre des métaux rares [A guerra dos metais raros], Les Liens qui Libèrent, Paris, 2018.
6 OMC, “Disputa DS432 China – Medidas relativas à exportação de terras-raras, de tungstênio e de molibdênio”, Genebra, maio 2015.
7 Cf. a nova estratégia de segurança nacional norte-americana apresentada por Trump em dezembro de 2017.
8 Wang Jiamei, “Greenland interest exposes US rare earth deficit” [Interesse na Groelândia expõe déficit norte-americano em terras-raras], Global Times, Pequim, 21 ago. 2019.