A Inquietante Necessidade de Integrar Saberes: A Urgência de ouvi-los antes que o mundo se perca
Padre Justino, primeiro padre indígena da etnia Tuyuka e membro do povo Utãpinopona, é um e defensor incansável do diálogo intercultural
Em um momento em que a devastação da Amazônia atinge índices alarmantes, a proposta de Padre Justino Rezende, indígena da etnia Tuyuka e defensor incansável do diálogo intercultural, desafia as narrativas estabelecidas sobre a preservação do meio ambiente. Sua visão audaciosa, porém repleta de esperança, nos convida a repensar como a ciência ocidental, com toda a sua sofisticação tecnológica e empírica, pode – e deve – ouvir e incorporar os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas, cujas práticas sustentáveis e reverentes à natureza sobrevivem há milênios. Dessa forma, são consideradas ciências indígenas, pois são construções históricas, adequadas para viver bem em cada época, em cada território e com diferentes seres cósmicos. As ciências indígenas são dinâmicas, como todas as ciências existentes no mundo.
Justino defende que os saberes indígenas não são apenas complementares à ciência ocidental, mas fundamentais para enfrentar os desafios globais, como a crise climática. A sabedoria acumulada pelos povos originários, fruto de uma convivência íntima e respeitosa com os biomas, oferece respostas que a ciência ocidental muitas vezes ignora ou subestima. Para ele, é essencial que esses dois mundos do conhecimento – a ciência indígena (ancestral) e a ciência ocidental – dialoguem, para que possamos não apenas proteger a Amazônia, mas também preservar a vida do planeta de forma mais equilibrada.
No entanto, essa integração não ocorre sem barreiras. A visão ocidental, muitas vezes arrogante e fragmentada, tende a enxergar o meio ambiente como um recurso a ser explorado, e não como um organismo vivo, interconectado e essencial à existência de todas as formas de vida. Já para os indígenas, tudo – desde as árvores e os rios até as estrelas e os ventos – é parte de um todo que deve ser respeitado. Essa filosofia de reciprocidade, na qual cada ação tem consequências para o bem-estar coletivo, é central para a compreensão indígena e precisa ser reconhecida como ciência, e não como espiritualidade ou superstição.
Padre Justino coloca a necessidade de escutar esses saberes em termos simples, mas profundos: a ciência ocidental precisa entender que as práticas indígenas não são apenas alternativas, mas soluções legítimas e comprovadas através de milênios de suas histórias. Ao contrário do que muitos pensam, a ciência indígena não é um retrocesso, mas uma oportunidade para inovar de maneira sustentável. Sua visão do mundo, que integra não apenas os seres visíveis, mas também os invisíveis, revela uma visão holística da natureza, que a ciência ocidental, em sua busca pela segmentação e controle, muitas vezes não consegue alcançar.

O mais provocador de sua reflexão é a ideia de que a verdadeira inovação não vem de um único sistema de conhecimento, mas da capacidade de unir diferentes perspectivas. A ciência indígena, com sua sabedoria enraizada nas práticas cotidianas de convivência com o ambiente, não é apenas um repositório de técnicas antigas, mas uma fonte inesgotável de soluções inovadoras para os problemas que enfrentamos. Quando as universidades e os centros de pesquisa olham para os povos indígenas com o devido respeito e curiosidade, em vez de distanciamento ou até mesmo desdém, a possibilidade de um futuro mais sustentável se torna real. As ciências indígenas e a ciência ocidental precisam entender que, no mundo atual, nem uma nem outra conseguem resolver os problemas. As diversas ciências podem contribuir para buscar novos caminhos para o cuidado do mundo e seus habitantes.
A questão, então, é: estamos prontos para abrir nossas portas e corações para um conhecimento que desafia nossa visão de mundo? O que está em jogo não é apenas a preservação de um povo, mas a nossa própria sobrevivência. Como diz Justino, a humanidade precisa de uma mudança de perspectiva, na qual a ciência não olhe para a natureza apenas como um campo de estudo ou exploração, mas como um parceiro essencial na manutenção do equilíbrio vital da Terra. Os seres cósmicos são agentes que cuidam mais do que nós, que nos consideramos humanos. Por isso, a ciência, na perspectiva indígena, considera-os como outros humanos, outras gentes, que já existiam antes de nossa chegada aos territórios. Sua tolerância também é limitada e o momento atual mostra que essa tolerância está chegando ao seu limite. Os indígenas são como porta-vozes desses seres que não podem falar com linguagens humanas, não fazem reivindicações, mas as grandes secas, o aquecimento global e os grandes desastres ecológicos são expressões de que não têm para onde fugir. Temos que dialogar e criar estratégias para frear os desequilíbrios.
Em um mundo que parece tão imerso na busca por soluções rápidas e tecnológicas, o convite de Padre Justino é claro: talvez seja o momento de desacelerar, de ouvir mais e agir com mais humildade. A chave para a preservação do planeta e para um futuro mais justo e equilibrado pode estar em reconhecer que o conhecimento não é único, mas plural – e que os indígenas, com sua visão de mundo profundamente integrada à natureza, têm muito a ensinar à ciência indígena e ocidental, e ao mundo, sobre o que significa viver em harmonia com o planeta. Enquanto acontecem a aceleração dos desmatamentos das florestas e o escavamento dos rios em busca do ouro, os rios perdem seus canais de navegação, e os pássaros e demais seres ficam perdidos, sem perspectivas de vida. Ainda bem que existem pessoas sensíveis que organizam e lutam pelos direitos de viver e existir das florestas e das águas, que são profundamente direitos à continuidade de nossa existência e das futuras gerações.
Camila Del Nero é jornalista especialista em Causas e Justiça Socioambiental.