A jogada por trás dos sites caça-cliques
A grave crise da imprensa iniciada nos anos 2000 se encerrou, ao menos no plano econômico. De um lado, os grupos tradicionais que apostaram nas assinaturas e na informação on-line paga se recuperam. De outro, emergem dezenas de sites de variedades inteiramente dependentes da publicidade – e do número de páginas visitadas
Sophie Eustache e Jessica Trochet
Fabricar em alguns minutos artigos insólitos sobre o último tema que agita as redes sociais, inserir sutilmente referências elogiosas aos anunciantes, espalhar o conjunto de vídeos divertidos que vão viralizar na internet: a receita levou a picos de audiência sites de variedades como Melty, Konbini e BuzzFeed. A imprensa tradicional direciona a esses jovens concorrentes um olhar ambivalente, composto de desprezo por um jornalismo abertamente descuidado e de fascínio pelo número de visitas que ele gera.
Cofundador do Melty e presidente da empresa até o ano passado, Alexandre Malsch foi descrito como um “prodígio digital” (Lemonde.fr, 16 ago. 2014), que “fala ao ouvido dos adolescentes” (L’Obs, 7 fev. 2016), e foi tema de dezenas de reportagens elogiosas. “O que mais nos incomodava, tendo em vista nossas condições de trabalho, que não eram ideais, era nos exaltarem como sendo uma empresa muito cool: temos uma mesa de pingue-pongue, trabalhamos em colchões com computadores portáteis. Há sofás, uma televisão, uma sala com videogames… Você está entre amigos, portanto não calcula suas horas”, conta Mathieu,1 ex-redator-chefe adjunto do Meltystyle, um site consagrado à moda masculina e às novas tecnologias, e redator-chefe do VirginRadio.fr, cuja produção editorial foi terceirizada pelo grupo Lagardère para o grupo Melty. Mathieu deixou a empresa em seguida a uma síndrome de burnout.
Isso porque, por trás da decoração descolada, esconde-se um universo de pessoas submetidas a trabalhos forçados. O Melty funciona em parte graças ao “conteúdo” fornecido por autônomos pagos em função do número de cliques que o artigo gerou: 4 euros, no mínimo, e um máximo de 30 euros quando o texto atinge 10 mil visualizações em 24 horas. Esse sistema, que lembra aquele dos colhedores sazonais pagos por quilo, resume bem a visão do fundador do grupo: “Acho uma grande pena que os assalariados não digam a si mesmos de vez em quando que suas conquistas sociais não são mais competitivas em relação ao mercado”,2 confidenciou Alexandre Malsch ao jornalista William Réjault em 2015. “Alguns freelancers autônomos para os quais essa era a única renda trabalhavam o tempo todo. O que funcionava melhor no Melty eram as séries norte-americanas, portanto em horários defasados pelo fuso. Muitos freelancers começavam às 5 horas da manhã”, detalha o ex-redator-chefe. Para turbinar as contas no fim do mês, os redatores fixos tinham a possibilidade de escrever fora dos horários de trabalho, sendo cada matéria remunerada a 10 euros sob a forma de um bônus excepcional, para escapar às contribuições previdenciárias. “Como éramos mal pagos, a maioria fazia isso. Em alguns meses, redigi sessenta artigos a mais. Passava meus sábados ali, ia até a redação. Para nós, era o tempo todo uma corrida por dinheiro e por audiência”. Segundo o coletivo Génération Précaire [Geração Precária], a empresa envolvia em 2014, “além de seus 72 funcionários, sessenta freelancers autônomos e trinta estagiários”.3
O algoritmo redator-chefe
Como site de diversão e agência de comunicação, o Konbini também ignora a legislação trabalhista recorrendo largamente aos autônomos, obrigados a trazer seu próprio material. “Quando a ministra da Educação, Najat Vallaud-Belkacem, veio, ela exclamou: ‘Que prazer dá ver uma linda redação; é raro hoje em dia’. Tive vontade de lhe responder: ‘Abra seus olhos, ninguém tem contrato aqui, a maior parte é de autônomos…’”, revolta-se Hélène, redatora do Konbini. Ela denuncia também a ênfase dada às futilidades em detrimento das condições de trabalho. “No espaço aberto, temos dificuldade para encontrar um lugar para sentar para trabalhar; em contrapartida, existem mesas de pebolim. A piada é dizer que vamos virar a mesa de pebolim para fazer dela uma mesa de trabalho!”
Esses sites têm como especialidade a produção industrial a baixo custo de conteúdos destinados a jovens. O Melty é para a informação e a cultura o que o McDonald’s é para a gastronomia. Sua escolha por encher os leitores de 12 a 25 anos com artigos sobre Justin Bieber, Game of Thrones ou Beyoncé não tem nada de neutra: trata-se de criar um ambiente de redação positivo para levar a mensagem dos anunciantes. Estes últimos pagam não para exibir um banner ao lado das matérias, mas para figurar nelas. A proverbial fronteira entre informação e publicidade, esse muro intransponível que os jornalistas das mais prestigiosas publicações chamam de “Muro de Berlim”, cedeu diante dos ataques do dinheiro. Para melhor convencer, a publicidade assume a forma de informação. Esse financiamento do conteúdo editorial pelas marcas se chama publicidade nativa (native advertising) e sinaliza o espírito da época.
Quando dirigia seu site, Alexandre Malsch colocava como ponto de honra almoçar uma vez por semana no parque de diversões Disneyland. Depois, transportava esse universo de papelão para o mundo da informação. “Numa reunião editorial”, lembra-se Mathieu, “ele podia nos dizer:
– Vocês usam uma linguagem muito jornalística; aqui fazemos agito, fazemos entretenimento. Em vez de dizer ‘a redação lhe aconselha isso’, escrevam ‘a gente curtiu muito’.
Mas, quando você assina um artigo com o seu nome, escrito em vinte minutos porque está em uma fábrica, você ainda assim quer que ele reflita certa qualidade. Sua responsabilidade está em jogo.” No início de 2017, o grupo desfrutava de uma audiência significativa: 27 milhões de visitantes únicos por mês na web e nas plataformas sociais (Facebook, Snapchat, Instagram).
E não sem motivo: a corrida ao clique orienta até a escolha dos temas. O verdadeiro redator-chefe do Melty é um algoritmo chamado Shape, que analisa os hábitos dos leitores (temas de conversa nas redes sociais, pesquisas no Google e tendências no Twitter) a fim de definir os assuntos suscetíveis de gerar mais interesse. Estagiária no Melty em 2010, Mathilde se lembra de uma lógica absurda: “Tão logo o algoritmo via um assunto subir nas estatísticas, era preciso fazer um artigo a respeito, mesmo que não houvesse informação. Uma vez, fui até a redatora-chefe e lhe disse que não tinha informação sobre o tema solicitado (a cantora Britney Spears). Ela me respondeu: ‘Sem problemas, você inventa’”. Desde então, o grupo desenvolveu novas ferramentas internas, não mais para detectar as tendências, mas para impô-las. A ideia é jogar a linha e ver que iscas os leitores mordem.
Para manter a audiência, os redatores inundam a rede com artigos calibrados para otimizar o referenciamento no Google – notadamente repetindo o tempo todo a palavra-chave. Para um funcionário, oito artigos redigidos por dia não representam um ritmo excepcional. Também no Konbini o sucesso e a quantidade estão acima de qualquer outra consideração; a plataforma se orgulha dos 10 milhões de visitantes únicos por mês e de 25 milhões de pessoas atingidas no Facebook. “Uma vez acabamos discutindo com meu chefe porque a matéria não era ‘positiva’ e não dava audiência”, testemunha Hélène. “Acabou sendo retirada do site.” Desde então, os editores veem o rigor como perda de tempo. Um ex-redator-chefe de uma edição do Konbini cuja sede se encontra no exterior (a empresa está presente em Londres, Nova York, México e Lagos) explica: “Um dia nos disseram: a partir de agora, é preciso que vocês pensem em encontrar um meio de colocar sua ética jornalística de lado”.
Nesses sites com audiências astronômicas, o leitor é mais um alvo de marketing do que uma pessoa a ser informada. A base de comércio do Konbini se apoia num conteúdo patrocinado. “Os contratos são da Coca, Nike etc.”, lamenta Hélène. “O que me choca é quando vejo o pessoal do comercial dizer ao cliente que um jornalista vai tratar do assunto!” A Orange financia o tópico de atualidades fotográficas, o refrigerante norte-americano subvenciona a seção “Football Stories”, que aliás tem o subtítulo “Saboreie o futebol pop com Coca-Cola e Konbini”. A censura não se esconde. “Sobre a Copa do Mundo de Futebol no Catar, queríamos fazer uma matéria sobre as condições de trabalho nos canteiros de obras”, relata Basile, redator durante três anos no Konbini. “A redatora-chefe recusou, porque a Coca não teria aceitado um assunto como esse.”
Aos olhos dos industriais, essas propagandas disfarçadas de artigos ou reportagens apresentam a vantagem de contornar os bloqueadores de publicidade. “É um supernegócio!”, entusiasma-se Maxime Barbier, cofundador e diretor do MinuteBuzz, concorrente do Konbini. “Estamos tomando o lugar dos anunciantes. É como se, na época, a TF1 tivesse dito à Danone: eu faço sua propaganda e além disso eu a transmito. Nossos brands contents [conteúdos de marcas] conseguem milhões de visualizações; as pessoas nem se dão conta que são conteúdos de marca!” O MinuteBuzz também constrói sua economia em torno do conteúdo patrocinado. Todo mês, a empresa produz seiscentos vídeos, dos quais cerca de 10% patrocinados por marcas, e os difunde unicamente nas redes sociais (o MinuteBuzz fechou seu site em outubro de 2016). Esse modelo não atrai somente os anunciantes. Em dezembro de 2016, a TF1 se tornou acionista majoritária dessa jovem empresa que reivindica 250 milhões vídeos visualizados por mês, 9 milhões de fãs, um crescimento de 80% por ano e um volume de negócios de cerca de 5 milhões de euros em 2016.4 Essa fusão deu origem à rede TF1One, presente exclusivamente nas redes sociais. “Temos acesso a todos os conteúdos produzidos pela TF1 (jornalismo televisivo, documentários…). Fazemos disso um conteúdo 100% social, tirando o som, por exemplo, ou acrescentando pequenas inserções de imagens da web”, detalha o diretor-geral do MinuteBuzz. “São assuntos que nenhuma mídia da nossa geração trata: você nunca vai ver seu jornalista franco-parisiense em Ardèche entrevistar um cara que fez um túnel de vento num baú.” Com essa aquisição, a TF1 espera atingir os jovens, considerados refratários à televisão, mas também se beneficiar de um know-how em termos de conteúdo patrocinado.5
Lançado em 2006 nos Estados Unidos e em 2013 na França, o site BuzzFeed também só vive à custa da publicidade e do conteúdo patrocinado. Mas, contrariamente a seus concorrentes, a empresa busca manter uma fronteira entre o serviço comercial (baseado em Londres) e a diversão e a informação (baseados na França). Se a versão norte-americana se distinguiu por casos de plágio e depois pela publicação no início de janeiro de 2017 de um documento não checado que continha alegações escabrosas sobre as atividades de Donald Trump na Rússia, a edição francesa se esforça por dar ênfase ao jornalismo. Recrutada em 2015, a redatora-chefe passou pela Slate e pelo L’Express. A equipe conta com quatro pessoas em tempo integral no serviço de entretenimento e sete jornalistas no serviço de informação. Neste último, David Perrotin alegra-se por ter tempo: durante a campanha, explica, “dissemos uns aos outros: vamos pesquisar os perfis dos 525 candidatos designados para as eleições legislativas pela Frente Nacional. Foi o que me atraiu no BuzzFeed: ter os meios de investigar”. Diferentemente do Konbini e do Melty, o BuzzFeed é regido pela convenção coletiva dos jornalistas. Mas, se os bastidores refletem o trabalho de uma redação clássica, o site parece uma mistura confusa de fofocas exageradas, listas com traços barrocos (“23 coisas normais na Bélgica, mas que parecem superbizarras aos olhos dos franceses”, 27 jun. 2017) e tópicos com nomes que deixam perdidos os não iniciados: OMG (oh my God, “oh meu Deus”), LOL (laughing out loud, “morrendo de rir”), Cute (“gracinha”), WTF (what’s the fuck, “que porra é essa”)… Difícil identificar uma linha editorial mínima ou uma hierarquização da informação. “O BuzzFeed é uma mídia que se baseia mais no compartilhamento do que no clique. Escrevemos para leitores e leitoras que vivem na internet e nas redes sociais e têm vontade de compartilhar artigos informativos ou de entretenimento porque estes falam a eles, os tocam, os irritam, os fazem rir…”, explica a redatora-chefe, Cécile Dehesdin. Em contraste com a imprensa tradicional, o tráfego do BuzzFeed provém essencialmente das redes sociais. Essa dependência dos gigantes do Vale do Silício e de seus algoritmos de referenciamento, que atinge igualmente o MinuteBuzz, o Melty e o Konbini, desenha para essas mídias um futuro duvidoso. Em 2011, o motor de busca do Google modificou seu algoritmo para jogar para baixo os resultados dos artigos do tipo “armadilhas de clique”, que com frequência parasitavam o topo da lista.6 Várias “fazendas de conteúdo” que já fabricavam aos montes esses textos desprovidos de conteúdo tiveram de mudar de estratégia.
*Sophie Eustache e Jessica Trochet são jornalistas.
[Texto publicado na edição 121 do Le Monde Diplomatique Brasil- agosto de 2017]