A pequena e valiosa glória dos prêmios literários
No caso de Joanna Kavenna, apesar de ter 34 anos, foi preciso um amadurecimento de sete romances terminados e rejeitados pelas editoras para que finalmente tivesse um reconhecimentoRenata Miloni
Recentemente foi divulgado o nome da vencedora do Orange Prize, prêmio literário inglês criado, em 1996, exclusivamente para a ficção produzida por mulheres. O livro que venceu este ano é The road home, de Rose Tremain. A pergunta que sempre paira quando um autor desconhecido em determinado lugar ganha um prêmio é simples: “por quê?”. A minha é quase a mesma, mas em outro sentido: por que não conhecer? A autora tem alguns livros lançados no Brasil pela Editora Rocco e espero que, a partir de agora, tenha mais destaque na mídia.
O Orange oferece também, desde 2005, um prêmio de menor quantia para o melhor livro de autora estreante, valor que agora foi destinado a Joanna Kavenna e seu romance Inglorious.
Como ainda não tive acesso aos livros das duas autoras, o que posso ler delas por enquanto são apenas entrevistas. O jornal The Guardian publicou na última sexta-feira, dia 6, um perfil de Kavenna. O repórter Stephen Moss foi até a casa da escritora para entrevistá-la e o resultado do encontro é uma agradável surpresa.
Leio, com certa freqüência, algumas pessoas dizerem que não se deve considerar muito do que um escritor tem a dizer, pois geralmente ele tenta ser acima do que é, ainda mais quando é entrevistado. Tenho minhas dúvidas em relação a isso. Claro que a possibilidade de a obra transcender o que um escritor diz é (e até deve ser) maior do que o contrário. Mas ao focar no escritor como pessoa, cujas opiniões podem ser interessantes, não vejo qualquer razão para ignorar.
Com o prêmio de dez mil libras, a vida de Kavenna passará por bem-vindas mudanças, especialmente porque seu segundo filho, uma menina, nasceu há algumas semanas. O que também, não de maneira teórica, está incluso no merecimento. Afinal, todo escritor sério pretende se sustentar com o que escreve. E aqui não cabe qualquer metáfora.
Com uma elucidativa definição sobre o que é um escritor sério, Joanna Kavenna usou Virginia Woolf como exemplo. Ela explica:
Ela se levou incrivelmente a sério e insistiu para ser aceita em termos iguais pelos escritores [ homens] da época. Você precisa sentir que o que você faz é sério, porque ninguém mais lhe dirá isso.
Talvez o que Kavenna demonstra ao definir a seriedade do escritor é o que chamam de autoconsciência. Creio que esteja certa e, acima disso, ela me parece saber que às vezes nem esse fator ajuda efetivamente a carreira ? simplesmente porque não deve chegar à metade o quanto o futuro dos livros depende de quem os escreve.
Esse tipo de declaração feita por Joanna só confirma o que todos já sabem: ser escritor não é só escrever e quase sempre tudo parece caminhar mais lentamente. No caso dela, apesar de ter 34 anos, foi preciso um amadurecimento de sete romances terminados e rejeitados pelas editoras para que finalmente tivesse um reconhecimento.
Mas o que ela transparece na entrevista é um pouco diferente do que tantos escritores fazem: reclamar demasiadamente e ter ataques histéricos, geralmente em público, porque não conseguem publicar seus livros. É exatamente assim que Kavenna me surpreendeu, com a lucidez que ela demonstra ter em relação às inúmeras negações pelas quais passaria (e ainda vai passar) por ter decidido escrever quando mais nova.
Vida longa aos prêmios literários (por que não?)
Não sou uma pessoa que dá muito valor aos prêmios literários, mas não os desprezo. O principal motivo desse desagrado é não saber o que motivou os jurados a chegarem ao resultado final, as razões de seus votos. Por isso a Copa de Literatura Brasileira, por exemplo (o único?), deve ser respeitada pelo menos por trazer essa diferença: o “jogo limpo”, a exposição de opiniões sobre os livros. O que impede aqueles que realmente premiam os escritores de fazer o mesmo?
Apesar de ter participado de um prêmio destinado a mulheres, creio que Joanna Kavenna acredita na igualdade das palavras. Não existe literatura feminina, na minha opinião. O que existe é literatura e quem a produz não deve estar acima do que é escrito. Por isso Kavenna diz não entender direito o que significa chick-lit (“literatura de mulherzinha”), pois, segundo ela mesma, é um termo “usado para desprezar a escrita ou para evitar que pensem sobre isso”. Ou seja, o fato de existir uma divisão só faz a literatura produzida por mulheres se tornar cada vez mais tida como algo contrário, algo distante da própria literatura.
E talvez seja exatamente por isso que o Orange foi criado, partindo dessa contestação, pois é uma área feita em maioria pelos homens. Não acredito que este seja um prêmio para reforçar ainda mais a separação dos sexos. Como em todas as minorias, iniciativas assim precisam ser tomadas para que o espaço seja igualado ou que, pelo menos, não se distancie com o passar do tempo. Não para que os escritores possam “competir” ? o que, aliás, fugiria totalmente da questão ?, mas para que os leitores tenham acesso a vários estilos e origens. Assim como os brasileiros têm aos livros de Rose Tremain e devem ter para conhecer a literatura de Joanna Kavenna (neste caso: atenção, editoras!).
Se o que Joanna escreve é realmente bom, não tenho como dizer. Mas alguns prêmios podem, além de tudo, nos