A presidencial vista do campo
Durante cinco semanas, a reportagem do Le Monde Diplomatique se estabeleceu em Merlieux-et-Fouquerolles, vilarejo com 260 habitantes do departamento de Aisne (Picardia), para acompanhar a campanha eleitoral francesa e sua ressonância em pequena escalaJulien Brygo
A forma desta reportagem foi tomada de empréstimo de Pierre Belleville, que a utilizou para construir a pesquisa sobre os vales siderúrgicos em La Fensch e La Moselle, na região francesa de Lorraine: Laminage continu. Crise d’une région, échec d’un régime [Laminação contínua. Crise de uma região, fracasso de um regime], Julliard, Paris, 1968.
Depois de Anizy-le-Château, principal cidade do distrito, na estrada Nationale 2, virar à esquerda. Direto. Monumento aos mortos. Campos de batata, trigo, beterraba. Chegamos. Sequência de pavilhões arrumados, entrecortados por grandes casas de pedra. Merlieux-et-Fouquerolles, no departamento de Aisne, se parece com milhares de vilarejos da França. Sem bar, sem correio, sem lugar de socialização. Sobra uma escola, ameaçada, como as outras escolas rurais, de fechar. Cada lar dispõe de ao menos um carro. O bistrô mais próximo se encontra a 5 quilômetros.
Carteira de identidade
No censo de 2008, a comunidade contava com 260 habitantes (155 em 1962), divididos em 101 lares e apenas duas residências secundárias. Número de nativos: três, segundo o prefeito.
Dezessete habitantes entre 15 e 29 anos, trinta entre 30 e 44 anos, e 37 com menos de 14 anos. Os de mais de 60 anos representam 10,2% da população. Taxa de inatividade: 22%. O desemprego atinge 10,6% da população ativa, ou seja, 1,6 ponto a mais que em 1999.
O maior empregador é o Centro Permanente de Iniciativas para o Meio Ambiente (CPIE, em francês), cujos efetivos oscilam entre 30 e 45 empregados. Na sequência vem o Conservatório da Picardia (10), depois a administração municipal (5). A indústria mais próxima, a 7 quilômetros, é a fábrica de alumínio Hydro, em Pinon (90 operários), e o maior empregador privado da zona é a Sociedade Aniziana de Construção (SAC), a 5 quilômetros: mais de 300 operários da construção – mas nenhum sindicato.
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“‘É a guerra. Aqui é o massacre da serra elétrica.’ Assim se expressou ontem Jean-François Copé, chefe da UMP [União por um Movimento Popular, partido de Nicolas Sarkozy], em um pequeno comitê, felicitando-se pela reação de suas tropas diante das declarações e propostas de François Hollande.” L’Union, 12 jan. 2012.
Crônica
A Guerra. A única que conta: 1914-1918. Aqui, nas estepes da Picardia, não longe de Craonne, a lembrança da Grande Guerra forjou as mentalidades. Um século depois, ela continua marcando o território, geograficamente (cemitérios militares a perder de vista, igrejas fortificadas, proximidade do Chemin des dames [local de importante batalha da Primeira Guerra Mundial, grande derrota do Exército francês, que resultou num massacre. – N.T.]). E ideologicamente: a política aparece como uma coisa da qual se deve desconfiar. Assim como os estrangeiros, os uniformes e os eleitos. “A eleição presidencial é fabricada pelas mídias”, acena Gilles Pasquier, agricultor da vila. “Eles não falam das pessoas simples como nós”, comenta a babá Delphine Choquart.
Pesquisa
Em Merlieux, acontece uma guerra velada: contra a morte da democracia, contra a morte da escola – chamada de “grupo”. A guerra das classes médias contra a queda na dos pobres; a guerra das classes pobres contra aestigmatização; a guerra contra o empobrecimento latente. Nesse vilarejo que vota tradicionalmente à esquerda, a eleição presidencial suscita apenas um interesse bem relativo. Os politizados se fixam em suas posições. Os despolitizados (os que se tornaram assim e os que sempre foram assim) fogem dos debates ou assistem a eles como se fosse um espetáculo. Mas percebe-se uma desconfiança, que não é bem um desinteresse, mas mais uma proteção contra o que quase todos chamam de “as mentiras” dos políticos, acusados de trabalhar “em seu próprio interesse”. “Se todos brigam por esse cargo, é porque ele deve ser bom”, ouvimos de Olivier Clermont, prefeito desde 2001 do vilarejo.
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“Um ano depois de sua ascensão à presidência do partido, o ‘efeito Marine Le Pen’ se confirma, segundo o diretor-geral do instituto de pesquisa TNS Sofres. […] Assim, eles são 31% a se declarar ‘de acordo com as ideias da Frente Nacional’ contra 22% em janeiro de 2011.” Le Monde, 12 jan. 2012.
Crônica
Amélie Deneuville está com cara de poucos amigos; ela acabou de brigar com seu companheiro. Na praça diante da escola, a jovem, faxineira da escola e da prefeitura, se adianta para cumprimentar Sylviane Gatteau, assistente do prefeito, e Céline, uma funcionária municipal. A conversa começa. “Eu”, diz Céline, chapéu enfiado na cabeça e cigarro na boca, “sei em quem vou votar. Minha avó sempre dizia: ‘A esquerda é para os operários e os pobres; a direita é para os ricos. Então, não se engane!’.”
– E você, Amélie, sabe em quem vai votar?, pergunta Sylviane.
– Ah, não, essas coisas de política…
– Mas você vai votar, né?
– Ah sim, vou cumprir meu dever de cidadã. Vou ver, e decido.
– Mas você é pobre ou rica?
– Eu sou pobre, ué! Tenho um Contrato Único de Inserção (CUI) não renovável. Acaba em dois meses.
Funcionária pública, Céline vai votar “socialista”, como ensinou sua avó, e como muitos aqui. O que ela quer, principalmente, é que se encontre um meio de “pôr para trabalhar os que vivem de auxílio sem fazer nada”.
– Mas, retoma a assistente, você sabe que é porque eles não encontram trabalho…
– Ah, é? Pois eu acho um trabalho para eles! Vou ser ministra do RSA [Renda de Solidariedade Ativa]! Comigo vão achar trabalho… Nos hospitais, nas escolas, nos vilarejos…
– A gente ouve muito isso aqui, comenta Sylviane. A raiva contra as pessoas que recebem auxílios e têm muitos filhos. E a dos operários ou pessoas com subempregos que acordam cedo. É isso também a base da Frente Nacional. Aqui, ela cresceu muito nesses últimos anos.
Pesquisa
Onde se encontrar? Os bistrôs fecharam. Os serviços públicos? Um ônibus escolar, a prefeitura, uma escola, e acabou. São as crianças que dão vida ao vilarejo: seus passos e risos ressoam todos os dias nas ruas, às 8h29, às 11h31, às 13h29 e às 16h31. Claro, existe o CPIE, onde trabalha uma dezena de merlienses, e as quatro bibliotecas (duas sobre meio ambiente, uma municipal e uma social), mas as duas primeiras só atraem estrangeiros e as duas últimas abrem raramente. Por fim, há a La Renaissance, uma pousada-restaurante recentemente reaberta, mas os habitantes do vilarejo não comem lá, só grupos que estão de passagem.
Os moradores se cruzam quando precisam solicitar um documento administrativo na prefeitura, devolver um livro na biblioteca ou quando saem para passear com seus cachorros. E se encontram no Carrefour de Anizy, a 6 quilômetros; na festa da escola de música de Anizy; ou quando vão à feira de Anizy – apenas três barracas no inverno, que vendem endívias, batatas, beterrabas, mel… No dia a dia os encontros são raros. A padaria itinerante de Anizy não passa por Merlieux, nem o peixeiro ambulante. “Antes existia a fogueira de São João, com seus omeletes imensos, que faziam muito sucesso, ou os bailes no espaço de convivência rural. Mas tudo isso acabou há muito tempo”, desola-se Annick Geoffroy, conselheira agrícola que reside em Merlieux há onze anos.
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“A França perdeu ontem seu precioso ‘AAA’ da Standard & Poor’s, um abalo que chega no pior momento para o presidente Nicolas Sarkozy, a cem dias da eleição presidencial. ‘Não é uma boa notícia’, mas não é ‘uma catástrofe’, esforçou-se para relativizar o ministro da Economia, François Baroin.” L’Union, 14 jan. 2012.
Crônica
O gelo cobre com uma película fina os campos e arbustos que rodeiam as casas do vilarejo. Na praça da prefeitura, neste sábado, 14 de janeiro, falam do Banco Central Europeu (BCE), de “taxas de juros” e de “lucros recordes do CAC 40”. São 10h10. A notícia da agência de classificação de risco rapidamente perde o interesse em comparação com o direito sobre a madeira e a distribuição ritual das parcelas dos bosques comuns (10 metros cúbicos por habitante). Questão altamente política, a repartição da madeira ocorre por sorteio desde que uma disputa aconteceu há alguns anos. “O interesse”, diz o prefeito, “é madeira barata: 7 euros o metro cúbico [contra 55 a 100 euros no comércio]. O preço é votado no conselho municipal.” Vamos com Jean-Pierre Ranvier, de 64 anos, sindicalista do correio, aposentado. De galochas e casaco, ele anuncia o panorama: a campanha presidencial para ele deveria ser a ocasião para “chutar o pau da barraca”, pois “estamos em uma situação revolucionária”. “O único que tem essa postura é [Jean-Luc] Mélenchon”, conclui. Os carros param. Inspeção dos lotes.
O sorteio parece igualitário. Mas, no jogo do azar, alguns se sentem lesados por lotes muito pequenos, mal localizados ou muito distantes de seu domicílio. Discretamente, o prefeito vem dizer aos descontentes para “não se preocupar”, que “não adianta ficar brigando”, que “vamos reajustar mais tarde”. Ranvier se mostra crítico contra esse sistema de sorteio: “Sob a aparência igualitária, na verdade é uma renúncia ao político, ao sentido do debate no vilarejo. Isso evita que as pessoas conversem, que digam francamente as coisas e decidam coletivamente”.
Para Clermont, a palavra “política” é sinônimo de gestão. Débito, crédito, sem dívidas. “Eu sou claro, administro minha prefeitura como minha empresa agrícola. A gente vive com o que tem, não acima de nossas possibilidades.” Em oposição aos “políticos” que “rodam em belos carros e se divertem com o dinheiro do povo”, ele se mostra como exemplo do que deveria ser um eleito: remuneração baixa (530 euros) e dedicação total. “Inclusive, vieram me procurar”, esclarece. E, visivelmente, ele tomou gosto.
Carta eleitoral
Em 2007, os merlienses votaram maciçamente à esquerda. Ségolène Royal (Partido Socialista, PS) levou o primeiro turno com 46 votos (30,07%), enquanto Nicolas Sarkozy obteve 29 (18,95%), e Jean-Marie Le Pen, 20 (13,07%). Apenas seis eleitores se abstiveram. Nas eleições regionais de 2011, no segundo turno o candidato de esquerda, Daniel Counot, foi eleito com 65,8% contra 34,2% da Frente Nacional. A esquerda e a extrema direita ocupam assim um lugar importante. Voto dos habitantes no plebiscito de 2005 sobre a Constituição Europeia: “não”, com 71,6%.
Pesquisa
Nos anos 1970 e 1980, Merlieux foi terreno de experiências progressistas. Sob o impulso do prefeito de então, Roland Durand (1945-1983, Partido Comunista), depois de Daniel Corcy (1983-2001, tendência esquerda socialista), uma gestão municipal da água foi criada. E ainda é praticada. Graças a duas fontes situadas no alto do vale, os habitantes pagam seis a sete vezes menos pela água do que as vilas vizinhas, que usam o serviço de multinacionais do setor. Também foram construídos um conjunto habitacional com autogestão e um conjunto habitacional social, que permitiram a reabertura da escola em 1988. Essa gestão coletiva possibilitou a criação de uma ambiciosa Festa do Livro, que vai assoprar suas vinte velinhas em setembro de 2012.
Desses tempos de ação coletiva, não resta muita coisa. Os habitantes os evocam como um período glorioso em que “as pessoas se falavam”, “se conheciam” e “agiam juntas”. Dominique Lestrat, educador aposentado e verdadeira figura política do vilarejo, está na origem da comunidade anarquista, a do Moulin de Paris, depois do grupo Kropotkine e do Salão do Livro Anarquista. Desde 1973, ele e seus camaradas colocaram em ação uma espécie de vigilância popular que consiste em “manter os eleitos sob controle para garantir que respeitem suas promessas e não ajam contra os interesses dos moradores da vila”.
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“O encontro sobre a crise convocado por Nicolas Sarkozy para tentar conter a alta do desemprego e aumentar a competitividade das empresas francesas começou quarta-feira, pouco antes das 9 horas. Os responsáveis dos sindicatos e do patronato chegaram sucessivamente ao Eliseu, a maior parte sem fazer comentários.” L’Union, 18 jan. 2012.
Crônica
Na falta de um bistrô, os habitantes se convidam uns à casa dos outros. Na quarta-feira à tarde, por exemplo, Andrée Méraut e suas duas filhas vão à casa de Colette Dassigny, sua vizinha e conselheira municipal. Para conversar sobre a chuva, o tempo. E, como o jornalista está lá, sobre política.
“Eu sou Marine!”, lança de cara Colette. “Ah, isso não! Frente Nacional também não, né?!”, exclama Andrée. “Eles são extremistas demais!” Silêncio. “Não se pega o suficiente dos ricos e se dá muito a gente que não faz nada”, insiste a conselheira, voltando-se para o cachorro do vizinho que passeia na frente de sua casa. Ela continua: “Trabalhei 25 anos, mas meu vizinho não trabalha e ganha duas vezes mais que eu. Pago impostos, mas não tenho direito ao auxílio-habitação nem ao salário de idosos. Pago 548 euros de aluguel, 115 euros de gás: não me sobra nada! Aí do lado eles vivem como príncipes. Isso me irrita!”. No entanto, sua vizinha é mãe e dona de casa, e o homem trabalha meio período…
Colette se descreve como uma “revolucionária”, pronta a “tomar as armas e subir nas barricadas”. Barricadas? “Contra Sarkozy”, que “mentiu para nós, os operários e os pobres, dizendo que iria valorizar o trabalho; e nos roubou, dando aos ricos e pegando dos pobres.” A estagnação das pequenas aposentadorias. As promessas não mantidas. As “traições” de François Mitterrand e a “moleza” da esquerda socialista: “Marine é a única saída”.
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“O Partido Socialista, que se absteve, terça-feira na Assembleia, sobre o voto de ratificação do Mecanismo Europeu de Estabilidade, encontra-se no meio do fogo cruzado. Jean-Luc Mélenchon declarou: ‘Todo eleito do povo deve expressar uma opinião. É impossível se esconder no banheiro ou em qualquer outro lugar’ quando ‘o futuro do país’ está comprometido. No lado oposto, o primeiro-ministro qualificou como ‘erro histórico’ a abstenção socialista.” L’Union, 23 fev. 2012.
Pesquisa
Longa barba, camiseta com o slogan“Nem Deus nem mestre” e óculos redondos, Lestrat atravessa o vilarejo com seus adesivos. “As eleições ainda o divertem?” Nunca sem sua maleta de “trabalho”, ele vai bem além de Merlieux para militar. “A lógica de vilarejo não é mais coerente. As pessoas funcionam por redes. Por exemplo, as pessoas que vêm à biblioteca social vêm de todos os cantos. O grupo Kropotkine é uma ligação entre pessoas que não vivem no mesmo vilarejo e que, no entanto, fazem política.” Filho de uma operária que colocou oito filhos no mundo, Lestrat, de 60 anos, deveria ser operário na fábrica Volbert (pneus Michelin), em Soissons. Escondido da mãe e com a cumplicidade de seu professor, que tinha notado seus talentos para a escrita, ele prestou o concurso da escola normal, “para virar professor”. Desde os 18 anos, ele colocou na cabeça a ideia de coletar “todas as obras sobre anarquia”. Hoje, ele possui 8.854.
Crônica
Reunião de preparação para a Festa do Livro, 14 de fevereiro de 2012. “Por que não criamos brigadas de intervenção política nos supermercados, por exemplo? São um dos últimos lugares onde as pessoas se encontram! Poderíamos baixar lá para ler textos políticos. Não?” Silêncio. “Ah, você não está no grupo certo. Aqui é literatura juvenil.” Marie Juille, funcionária da prefeitura de Laon e voluntária na futura Festa do Livro, retrai-se. “Ah bom. Que pena.”
Julien Brygo é Jornalista.