A produção de verdades falsas: o que o PSL aprendeu com Foucault
O candidato apresenta-se claramente como um chefe e busca convencer que para a saída da crise o povo precisa de uma liderança, alguém que seja “honesto, patriota e que tenha Deus no coração”
“Não há hoje um povo que não clame por César”, disse o jurista Francisco Campos em seu livro O Estado nacional publicado em 1939. Nas épocas de crise, as massas não conseguem resistir à sedução de um Leviatã. Mas, para entender melhor esse processo no mundo atual, precisamos estabelecer conexões entre poder e verdade.
Poder
Hoje o único candidato com essas características é Jair Bolsonaro, e é por isso que diversas instituições o apóiam ou deixam sua característica autoritária ganhar musculatura. Ele é o único que consegue criar um índice alto de obediência apenas através da fala. Muitos que votam em Haddad já declararam que no dia seguinte fariam oposição ao governo, um cenário que não convence ninguém de que a crise estaria por acabar.
Para o mercado financeiro, um César seria ótimo, pois poderia interferir na política com suas propostas arrasadoras e ninguém iria se importar se o chefe balançar a cabeça em sinal de positivo. Para o Judiciário, não haveria problema algum, pelo contrário, o estabelecimento da ordem é até agradável, tiraria a mídia do seu pé e, por conseguinte, a população.
Mas não é porque o candidato do PSL mostra-se repressivo que ele adquiriu grande adesão, não só popular quanto das instituições, mas porque ele “induz ao prazer, forma saber, produz discurso”.[1] A vontade de obedecer não surge apenas do teor repressivo que apresenta a imagem do Leviatã, mas pela capacidade de gerar o prazer de agredir, de poder falar abertamente que não se gosta de pobre e negro etc. Não precisa haver proposta alguma, basta gerar prazer para que o outro obedeça.
O candidato apresenta-se claramente como um chefe e busca convencer que para a saída da crise o povo precisa de uma liderança, alguém que seja “honesto, patriota e que tenha Deus no coração”. Essa era uma característica muito comum no mundo ocidental do período “entre guerras” onde se fazia “um imenso esforço para convencer as multidões e as massas de que elas têm necessidade de chefes”.
Para Durkheim, a autoridade moral é um “problema sociológico” e estabelece “uma visão hierárquica da sociedade na qual uma das formas principais do vínculo social é a obediência de uns às ordens ou às prescrições dos outros”.[2] Contudo, a qualidade da obediência vai depender dos seguidores e da situação.
Sobre essa questão vale lembrar o que diz o filósofo John Rawls que, embora tente se esquivar dessa questão, entende que o “desejo de obedecer” tem “uma ligação íntima com o desejo […] de reconhecer os direitos e as liberdades de outros e de repartir com equidade os benefícios e os encargos da cooperação social”.[3] E vemos isso no baixo índice de criminalidade que existe nos países onde há uma maior liberdade garantida em lei para as diversas minorias como LGBTs, mulheres, usuários de drogas etc.. Obedecer é ter a liberdade garantida.
Dos dois tipos de obediência citados, a do prazer desencadeado pela figura do Leviatã e a que se concretiza pelo reconhecimento da liberdade alheia, a primeira parece agradar a maior parte da população.
Verdade
Tanto em uma quanto em outra forma de obediência apresentada aqui, o objetivo do poder é produzir verdade. Como destaca Foucault: “o problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”.[4] Foi isso que Bolsonaro (e os grupos econômicos e políticos que estão por trás de sua campanha) conseguiu fazer ao enfraquecer a mídia tradicional e o conhecimento científico que, tradicionalmente, possuíam o monopólio de produção da verdade. Apoiando-se nas novas tecnologias de comunicação (redes sociais), investiu em uma nova forma de produzir verdade (mesmo que sejam fake news), uma economia que deu muito certo.
Novamente Foucault nos ajuda a compreender a questão: “Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder […] mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento. Em suma, a questão política não é o erro, a ilusão, a consciência alienada ou a ideologia; é a própria verdade”.[5] E esse objetivo foi alcançado com louvor pelo PSL, que através de novas ferramentas de fabricação de “verdades falsas” conseguiu eleger diversos deputados e está prestes a eleger um presidente da República.
*Raphael Silva Fagundes é doutor em História Política pela Uerj e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.