A segurança pública e o campo progressista
Apesar da expansão de verba para a área, em quase todos os aspectos da segurança pública o Brasil registra um acréscimo de casos. Enquanto isso, a letalidade policial cresceu em 188% em relação a 2013, representando um total de mais de 6.000 mortes em 2023. Jovens e negros são sua ampla maioria
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) é uma organização não-governamental, apartidária e sem fins lucrativos que se dedica a construir um ambiente de referência e cooperação técnica na área da Segurança Pública. Anualmente, a organização realiza relatórios amplamente reconhecidos para a formulação de políticas públicas e planejamento na área. Uma análise d o anuário de 2024, com dados referentes à 2023, revela dados importantes sobre a segurança pública o Brasil hoje.
Em que pese uma ampla divulgação acerca da queda do número de roubos e furtos em território nacional, outros dados saltam à atenção no que tange aos múltiplos aspectos da segurança pública. Houve crescimento da letalidade policial em 188% em relação a 2013, representando um total de mais de 6.000 mortes em 2023. Jovens e negros são sua ampla maioria.
Em uma lógica simples, se poderia compreender que a maior letalidade policial acarretaria um incremento da segurança pública. Contudo, diversos são os números que demonstram o completo oposto. Nos crimes contra a mulher, o número de registros cresceu entre 10 e 30%. No que concerne ao feminicídio, um acréscimo de 0,8%. Os principais alvos são jovens negras, mortas na própria residência, por parceiros ou ex-parceiros. Acerca dos crimes de importunação sexual, o Brasil registrou um acréscimo de 30 a 40% em suas diferentes modalidades. Além do acréscimo de 6,5% em casos de estupro, um caso é registrado a cada 6 minutos. A nação também registrou um aumento nos casos de crime de ódio, como racismo e LGBTfobia, de 70 a 80%. Houve queda, contudo, de 14% nos casos de injúria racial.
A argumentação do incremento do poder letal das forças policiais cai por terra, visto que, em quase todos os aspectos da segurança pública, o Brasil registra um acréscimo de casos.
Outro dado expressivo e intrigante do anuário é o crescimento de 5% (R$ 137,9 bi) em investimento em políticas públicas de segurança. Além da expansão da iniciativa privada no segmento, houve acréscimo de 9,3% de vigilantes regulares e 3,6% de empresas autorizadas.
Esse número expressivo é resultado da política de diversos parlamentares de direita, ligados a setores do empresariado atuante no ramo das políticas que oferecem maior participação no âmbito da segurança pública, principalmente a partir do decreto que regulamenta a expansão do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) no sistema prisional. Cega e bruscamente, esses parlamentares incrementaram os investimentos na mesma estrutura que garantiu o aumento dos crimes de ódio e brutais no Brasil em 2023.
Alguns exemplos dessas políticas nacionais foram o Pacote de Segurança Pública assinado pelo Presidente Lula, responsável por promover a expansão territorial da polícia no território da Amazônia Legal e o maior repasse de verbas para o Fundo Nacional de Segurança Pública para o combate ao crime organizado. Mesmo assim, restringiu-se o armamento para caçadores, atiradores e colecionadores.
Assim, pode-se entender que a mera expansão de verba para a segurança pública, na estrutura na qual está formulada, não apresenta resultados na diminuição de crimes. Pelo contrário, estes investimentos possuem uma orientação política de perpetuar a atual ordem de segurança pública. Ordem que proporciona o aumento do número de crimes de ódio.
No último ano, o governo Lula entrou em uma profunda discussão acerca da privatização dos presídios. Com a posição contundente, apesar de tardia, do então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, ele pontuou os malefícios do decreto, ressaltando a possibilidade da expansão do crime organizado nas estruturas penitenciárias. A estrutura dos presídios, inclusive, obteve um crescimento de 2,4% na população carcerária, na casa de 800.000 pessoas, sendo que ¼ desta população ainda se encontra sem julgamento. Isso demonstra que a atual política nacional segue a mesma lógica dos últimos governos: a de compreender o encarceramento como um aparato de controle social e racial, independentemente da posição política dos últimos governantes.
As medidas na área da segurança pública tomadas pelo Governo Lula tentam estabelecer um pacto nacional, buscando diminuir a barbaridade policial incrementada pelo Governo Bolsonaro, ao mesmo tempo que garante os interesses dos setores privados nesta área. Alguns exemplos são o pacote de segurança pública e a expansão das PPIs. Eles são, na realidade, a demonstração das falhas desse pacto, porque garantem a lógica da letalidade: converte-se à política bolsonarista de incremento da brutalidade policial. Essa é uma lógica herdada da Ditadura que se estabeleceu nas estruturas da sociedade brasileira. Mesmo após a “Constituição Cidadã” de 1988, ela se manteve a mesma, praticamente.
O campo progressista possui grandes discordâncias sobre o debate que ronda a segurança pública, virando assunto apelativo em cada eleição. Enquanto alguns enaltecem a necessidade do investimento na área, outros pontuam a necessidade de reconstruir a segurança pública nacional. Também existem outros que acreditam na necessidade de incrementar o poder letal da polícia, como é o caso dos atuais governadores da Bahia e Amapá, ambas vinculadas ao Partido dos Trabalhadores (PT). Estes encabeçam 8 das 10 principais cidades mais violentas do país. São os mesmos estados que também possuem 7 das 10 cidades com maior violência policial no país. Lauro de Freitas e Salvador, ambas na Bahia, estão nestes indicadores e lideram o ranking das 5 cidades com maiores números de registros de roubos e furtos do país.
O debate geral acerca da segurança pública ainda está imerso em estruturas herdadas da Ditadura, fazendo com que exista uma grande contradição em setores da esquerda moderada (PT, PSB, PCdoB). Tentam utilizar das reformas para frear a violência policial. Fracassam, contudo, na medida em que tanto estabelecem acordos com setores privados e com a direita – ligados às milícias e aos militares – quanto tentam reformular uma estrutura que nasceu do bojo de governos ditatoriais. Esses acordos garantem a continuação da letalidade policial e da estrutura de segurança herdada pela Ditadura.
Pode-se rapidamente perceber que a atual forma e estrutura da segurança pública estão fadadas ao fracasso no objetivo de assegurar segurança física e mental para a população brasileira. Diversos setores deste intitulado campo progressista se rendem a argumentos estritamente bolsonaristas e reacionários. Vários momentos dos governos petistas podem ser destrinchados para exemplificarem a necessidade de repensar a segurança pública para a esquerda, todavia a falta de maiores análises sobre o tema só fomenta os resultados apresentados pelo anuário, incrementando mortes, brutalidade e a não-redução de crimes e do crime organizado.
Fontes