A Tanzânia aposta na China
Mais de vinte pessoas foram mortas em 16 de janeiro de 2019 em um atentado contra um hotel de Nairóbi. Na competição por investidores que o opõe à Tanzânia, o Quênia sofre com a insegurança. Pilar histórico da cooperação sino-africana, o país de Julius Nyerere é cada vez mais palco de um enfrentamento econômico entre China e Estados Unidos
Em algum lugar na costa da Tanzânia, três pescadores originários de Cantão (Guangzhou, China) descansam à sombra de uma árvore curtindo cigarros Safari. As volutas de fumaça sobem lentamente. Poder-se-ia acreditar em uma representação chinesa de Esperando Godot às margens do Oceano Índico. Até que punhos vingativos se estendem para o céu azul: o nome do presidente Xi Jinping e o de Bagamoyo acabam de ser pronunciados.
Pequeno porto de pesca a 70 quilômetros ao norte de Dar es Salaam, Bagamoyo abrigará dentro de dez anos o maior porto do continente africano. A China Merchant Holdings, primeiro operador portuário público chinês, está prestes a lançar ali o que a agência Ecofin não hesita em chamar de “o canteiro de obras mais significativo nas relações da Tanzânia e da China nas últimas quatro décadas”:1 um investimento de US$ 10 bilhões, fornecidos em parte pelo fundo soberano do sultanato de Omã e pelo Exim Bank chinês. O alinhamento dos cais e das bacias se estenderá por mais de 20 quilômetros de costa. Além disso, haverá uma zona econômica especial baseada no modelo de Shenzhen, na China, e capaz de embarcar e descarregar 20 milhões de contêineres por ano, o equivalente ao porto de Roterdã, e causar, de acordo com as autoridades da Tanzânia, uma “revolução industrial” nesse país predominantemente rural, onde 80% da população continua a viver abaixo da linha de pobreza.2
Exemplo de rara estabilidade na região, a Tanzânia vem sendo dirigida desde o final de 2015 por John Magufuli, um herdeiro do histórico partido Chama cha Mapinduzi (CCM), ou “Partido da Revolução”, fundado em 1977 por Julius Nyerere (ler o boxe na pág. 33). A linha original do CCM não resistiu aos “ataques neoliberais do final dos anos 1980 e 1990, que desnacionalizaram a própria noção de nacionalismo”, analisa Daudi Mukangara, professor de Ciência Política da Universidade de Dar es Salaam. Impulsionada por um dos mais fortes crescimentos do continente – 5,8% em 2018 e uma previsão de 6% para 2019, de acordo com o FMI –, a Tanzânia está engajada em um vasto programa de construção de infraestrutura (ler o artigo na pág. 31).
Em Bagamoyo, o sultanato de Omã retomou força a poucos passos de Zanzibar, onde brilhou até 1861, em particular graças ao comércio de escravos negros para os Estados do Golfo. Já a China amplia sua influência na África Oriental a partir de um país que foi um pilar histórico da cooperação sino-africana (ler o boxe na pág. 32). O pequeno porto de pesca para o qual as duas potências voltaram sua atenção foi, até meados do século XIX, um lugar importante de trânsito de copra [polpa seca do coco] e de marfim, mas também de escravos. Seguindo os rastros abertos pelos traficantes de escravos árabes, muitas expedições, incluindo as dos britânicos Richard Francis Burton e Henry Morton Stanley, foram realizadas rumo ao interior partindo de Bagamoyo. A cidade abrigou em seguida a primeira missão católica na África Oriental, depois se tornar por um curto tempo a capital da colônia da África Oriental Alemã, antes de passar para o controle de Londres. Com a anexação de Zanzibar em 1964, Tanganica, três anos após a independência, tornou-se a Tanzânia.
Pioneira do eixo Sul-Sul, a China parece aqui fechar o ciclo da história da globalização da África, abrindo caminho adiante dos operadores turcos, egípcios, indianos ou aqueles do Golfo. O acordo para o lançamento do novo porto foi divulgado no final de março de 2013, quando o presidente chinês fez sua segunda viagem oficial ao continente, reservando sua primeira parada para a Tanzânia. Xi ainda faria mais três viagens ao continente. Nunca desde o lançamento da política de abertura sob Deng Xiaoping, em 1978, um chefe de Estado chinês visitara tanto a região.
Nyerere tinha ido trinta vezes ao Império do Meio, “contra apenas uma vez à União Soviética”, recorda Charles Sanga, seu último assistente pessoal. “No final de sua vida, em 1999, ele achava que só tínhamos um amigo genuíno: a China.” Sanga também foi embaixador da Tanzânia em Pequim na primeira reunião de cúpula China-África, realizada em setembro de 2000 “na presença de apenas quatro chefes de Estado africanos, entre eles nosso então presidente, Benjamin Mkapa”.
Dez anos se passaram.3 Por nove anos, a China tem sido o maior parceiro comercial do continente, à frente dos Estados Unidos. Na oitava cúpula China-África, sob a bandeira das novas “rotas da seda”, em setembro de 2018, em Pequim, ela prometeu US$ 60 bilhões, incluindo um quarto dos empréstimos sem juros, um terço do crédito e US$ 10 bilhões destinados a um fundo para o financiamento de projetos de desenvolvimento, enquanto US$ 5 bilhões deverão apoiar as exportações africanas. Na ocasião, o presidente Xi prometeu não financiar nenhum projeto “fútil”; unicamente “infraestruturas capazes de eliminar os gargalos que bloqueiam o desenvolvimento do continente”.4 Entre 2000 e 2016, de acordo com dados da China Africa Research Initiative, em Washington, a China já teria emprestado US$ 125 bilhões para o continente. Em 2017, o comércio bilateral teria alcançado US$ 180 bilhões, incluindo US$ 75,3 bilhões em importações. Em comparação, o comércio da África com os Estados Unidos não ultrapassava US$ 39 bilhões.
“O presidente Magufuli foi eleito em 2015 num programa de reconquista da soberania econômica da Tanzânia diante dos investidores ocidentais”, explica o professor de Ciência Política Rwekaza Mukandala, ex-vice-reitor da Universidade de Dar es Salaam. “Para ele, a China é a que tem mais condições de ajudar nesse projeto.” A opinião é compartilhada por Octavian Mshiu. O presidente da Câmara de Comércio e Agricultura da Tanzânia assume o papel estratégico conferido a Bagamoyo, que “permitirá associar firmemente a Tanzânia ao projeto de novas ‘rotas da seda’ e fazer dela a líder da realocação de algumas empresas manufatureiras chinesas na África Oriental”. O vizinho Quênia, com o qual a Tanzânia compete para servir de canal para os países sem litoral na África Oriental, apresenta muitos problemas para Pequim. Está sob a influência dos Estados Unidos, que fizeram dele um de seus parceiros estratégicos no continente. Por outro lado, é um Estado instável, confrontado com o terrorismo e ainda sujeito ao tribalismo.
Maior parceiro comercial da Tanzânia, a China manteve um silêncio notável sobre a deriva autoritária do presidente Magufuli, enquanto Washington e outras chancelarias ocidentais estão preocupadas com os abusos dos direitos humanos e os riscos que representam para o desenvolvimento. Eles denunciam as restrições à liberdade de imprensa e à liberdade de reunião, uma lei considerada abusiva sobre a segurança cibernética e a promulgação do Statistics Act, que impede qualquer publicação de cifras que não sejam as produzidos pelo governo; mas também as tentativas de assassinar os opositores e o misterioso desaparecimento, no final de 2017, do jornalista Azory Gwanda.
Em novembro de 2018, por ocasião da inauguração da biblioteca da Universidade de Dar es Salaam – um elegante conjunto de edifícios financiado pela China, ao lado do Instituto Confúcio –, Magufuli fez um discurso inequívoco: “A China é uma verdadeira amiga, que oferece ajuda sem impor condições. […] Coisas gratuitas são muito caras, especialmente quando vêm de certos países. As únicas que não nos custarão nada são as que vêm da China”. Em 2016, Washington tinha anulado uma dotação de US$ 470 milhões do Millennium Challenge Account, um fundo de desenvolvimento bilateral, em resposta às violações das liberdades civis.
Guerra de influência com os EUA
A Tanzânia e sua vizinha, a Zâmbia, estão entre os principais teatros africanos da nova “guerra de influência entre as duas maiores economias do planeta”.5 O “consenso de Pequim” opõe-se ao “consenso de Washington”: por um lado, a ajuda não condicional, fora das regras do jogo internacional, concedida em troca de acordos comerciais ditados pela China; no lado ocidental, empréstimos (FMI, Banco Mundial) acompanhados de condições políticas e sociais: privatização, menor gasto público etc. O governo de Donald Trump agora exibe abertamente a disposição de se contrapor a uma China acusada de “organizar desavergonhadamente sua política de investimento na região para obter vantagens competitivas sobre os Estados Unidos”, como afirmou John Bolton, conselheiro de segurança nacional, em 13 de dezembro à Heritage Foundation, em Washington. O Império do Meio também se vê acusado de “distribuir subornos, assinar acordos opacos e fazer uso estratégico da dívida para submeter os Estados africanos aos seus desejos e demandas”. Essas acusações da virtuosa América em nada atingem a China. O país reafirma sua promessa de “contribuir para o desenvolvimento da África, aproveitando seu próprio desenvolvimento”.6
Em seu discurso sobre a nova estratégia norte-americana para o continente, Bolton falou sobre a África Oriental: as dívidas das empresas públicas, especialmente na Zâmbia, as colocariam à mercê de Pequim. Em Lusaka, os Estados Unidos estão agora em guerra aberta com seu concorrente. A Tanzânia é oficialmente um dos quatro países africanos (com Etiópia, Quênia e Egito) selecionados em 2015 para receber empresas chinesas; Magufuli pretende transformá-la em uma nação “semi-industrializada” até 2025. Ele espera que o setor industrial represente então pelo menos 40% de sua riqueza, contra menos de 10% hoje.
Para financiar esse programa, o governo declarou uma guerra feroz contra a corrupção e o desperdício de dinheiro público, mas também contra o “voo em grande escala” constatado na indústria de mineração. Quarta maior produtora de ouro do continente, a Tanzânia alterou as leis que regem a atribuição de contratos de mineração para empresas extrativas, dando-se o direito de renegociá-los ou encerrá-los no caso de comprovada fraude fiscal. A nova legislação retira ainda o direito das empresas de mineração de recorrer à arbitragem internacional. O contencioso tributário com a Acacia Mining, subsidiária da gigante do ouro Barrick Gold, acusada de avaliar por baixo sua produção de ouro durante anos para economizar bilhões de dólares em royalties e impostos, resultou em um acordo amigável cujas cláusulas resta determinar. A Tanzânia obterá uma participação de 16% nas três minas de ouro da Barrick Gold e 50% dos rendimentos delas decorrentes.
A política brutal de Magufuli, “tão errática quanto imprevisível”, de acordo com um jornalista local, foi de início apoiada com entusiasmo pela jovem geração intelectual de Dar es Salaam. “Então, desde 2016, o regime começou a mergulhar no autoritarismo”, diz o ex-deputado de 42 anos Zitto Kabwe, líder da Aliança para a Mudança e a Transparência, à esquerda do partido de oposição Chadema. Ele critica a “retórica patriótica do governo”, que “ainda não teve impacto no dia a dia dos tanzanianos”. Segundo ele, essa política, “apesar de levantar a questão fundamental da propriedade dos recursos, enfraqueceu o crescimento do setor de mineração e assustou os investidores, que agora estão com medo de ter de lidar com a justiça da Tanzânia”. O programa de seu partido, chamado “Declaração de Tabora”, “é inspirado na Declaração de Arusha, de 1967, que foi a certidão de nascimento do Ujamaa [família]” e pretende estabelecer as bases “de um socialismo adaptado para a Tanzânia do século XXI”. Kabwe se mostra crítico em relação às instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI), “que impuseram o Código de Mineração de 1998, favorável às multinacionais da extração, e nos fizeram afundar na armadilha da dívida”. Mas o mesmo ocorre com a China, que “avança seus peões a toda velocidade na África em seu próprio interesse”. No entanto, ele também pede que se tenha cuidado com a narrativa antichinesa simplista, tão útil aos interesses ocidentais: “Nossa dívida pública externa pertence em 60% a organizações multilaterais como as de Bretton Woods e apenas em 10% à China”.
Consultor fiscal e um dos 4 mil a 5 mil empreendedores chineses do setor privado que estariam presentes na Tanzânia, Andrew Huang, instalado no país desde o final da década de 1990, reconhece que as medidas tomadas pelo governo no setor de mineração “esfriaram” alguns de seus compatriotas, acreditando que “alguns não pagavam impostos”. “Demonstrar firmeza, como faz o presidente Magufuli, é uma coisa boa para este país”, considera Huang, cujo negócio é regido pelo direito tanzaniano. Fabricação de motocicletas, processamento de produtos agrícolas… Ele promete um afluxo de empresas chinesas: “O desenvolvimento da Tanzânia está apenas começando. Graças a Bagamoyo, a Tanzânia se tornará em breve a Dubai da África”.
*Jean-Christophe Servant é jornalista.