A tirania da benevolência
A gestão da crise sanitária apoia-se na obrigação de cada um se proteger e proteger os demais, especialmente os “mais vulneráveis”. O governo francês apela ao altruísmo e, em caso de negligência, a punições. Mas esse chamado à responsabilidade revela uma incitação virtuosa ou um empreendimento de redefinição do cidadão?
“Informação coronavírus: vamos nos proteger uns aos outros.” A frase, que evoca ao mesmo tempo um preceito bíblico e o slogan de uma companhia de seguros, parece revelar uma verdade evidente, essas sentenças cheias de bom senso espontâneo que não podem ser questionadas. Parece de fato difícil responder com um “por quê?” tempestuoso. Quem poderia se opor a essa magnética incitação, sabendo-se que não cumpri-la implica colocar os outros em perigo? Só resta determinar quais regras devemos seguir para nos proteger uns aos outros: ainda que se possa debater sobre este ou aquele dispositivo, a afirmação inicial é evidente. No entanto, como frequentemente é o caso das verdades evidentes, essa ordem não tem nada de natural; ela tem a ver com a construção de um conjunto de valores e com uma concepção do humano. De modo flagrante, o léxico e as práticas do governo na gestão da crise sanitária permitiram…