A urgência de um novo PNE antirracista e antissexista
Há avanços, mas muito tímidos quando a nossa luta é por uma educação realmente antirracista e antissexista. Precisamos de mais ousadia e avanços verdadeiros, com metas transparentes sobre como deve ser a implementação de tais políticas
O Brasil vive um momento decisivo para o futuro da educação. Em 2025, o Governo Federal apresentará o documento que definirá as políticas educacionais para os próximos dez anos. Trata-se da proposta do novo Plano Nacional de Educação (PNE) (2024/2034), que será o terceiro pós-Constituição de 1988. No entanto, precisamos combater as barreiras históricas para a efetivação de uma educação de qualidade, como a falta de recursos suficientes, as desigualdades raciais, de gênero e territoriais. O atual PNE (2014/2024) que está em vigor teve seu prazo de vigência ampliado até o final de 2025, pois o novo plano decenal, Projeto de Lei nº 2.614/2024, está aguardando a apreciação do Congresso Nacional.
O Plano Nacional de Educação é marcado por implementações frustradas. Nos dois primeiros planos nacionais houve falta de recursos financeiros para sua efetivação, ou seja: a meta de financiamento, sem a qual as demais não se realizam. O primeiro, o PNE (2001/2011), sofreu veto presidencial à meta que estabelecia um volume de recursos equivalentes a 7% do Produto Interno Bruto (PIB), e o segundo, PNE (2014/2024), foi impactado pelo não cumprimento da meta 20, que estabelecia o equivalente a 10% do PIB ao final dos dez anos. A proposta atual, a que iremos debater neste artigo, também é de se ter 10 % do PIB até o final da vigência, escalonado a partir do sexto ano, quando deveremos atingir 7%, até alcançar os 10% em 2034.
O PNE (2024-2034) tem como base o documento final da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada no início de 2024, que teve o desafio de retomar a participação social na educação após um apagão de cerca de seis anos, marcado pelos processos de intervenção no Fórum Nacional de Educação e pelo fechamento de canais de interlocução entre a sociedade e os governos da época. O tema da Conferência foi ‘Plano Nacional de Educação (2024-2034) – Política de Estado para a garantia da educação como direito humano, com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável’. A partir dessa Conferência, saiu o texto a ser encaminhado para aprovação pelo Poder Legislativo, o que ocorreu com algumas alterações por parte do Ministério da Educação.

Créditos: Campanha Dandaras e Carolinas – Divulgação
A boa notícia é que a proposta apresenta uma visão sistêmica e sinaliza a importância de ser o articulador do Sistema Nacional de Educação, além de defender que os planos estaduais, distrital e municipais de educação estejam consonantes com o que recomenda o PNE e também preconizar a importância da equidade, com igualdade de condições para todas as pessoas. Apesar disso, repete em vários pontos a palavra ‘desigualdades’, mas não são explícitos na questão de “combate ao racismo e ao sexismo” nem se vê essa intenção nitidamente no texto.
O PL 2614/ 2024 ainda necessita de aprimoramento – Estruturado em 18 objetivos, envolve temáticas diversas, 58 metas e 253 estratégias. No entanto, mesmo com a disposição voltada à equidade, necessita ser mais preciso com relação à defesa e oportunidade de se ter uma educação nitidamente antirracista e antissexista.
A Conae propôs o atendimento de 100% da demanda por creches, visto que o PNE atualmente em finalização não cumpriu essa meta. Em regiões como o Norte e o Nordeste, o atendimento ficou muito aquém. As mães solteiras, que precisam deixar os filhos em creches para trabalhar, são as mais prejudicadas com a ausência dessa política. E sabemos qual é a cor dessas mulheres, a maioria negra, que não conseguem acessar uma política pública de qualidade.
Mas o projeto reduziu a proposta da Conferência, avançando muito pouco com relação ao PNE anterior. Propõe o atendimento de 60% da demanda até o final do decênio. Com relação à educação escolar indígena e quilombola, a proposta é ainda menor, 50%, além de ser bastante vago acerca das metas que ampliam em um terço da cobertura de creche para educação do campo.
Na educação básica, o ensino médio continua sendo o maior desafio, visto que a proposta é seguir com ‘o novo ensino médio’, mesmo com todos os diagnósticos já apresentados de que tal política amplia as desigualdades. A rede pública não possui infraestrutura para proporcionar o que se preconiza sobre as novas trilhas formativas, já que não dispõe ainda de corpo docente preparado ou em número suficiente, sem contar os prejuízos vindos com a drástica redução das horas-aula da área de humanidades, com a priorização da formação para o trabalho.
Não há diretrizes curriculares para a educação de gênero e educação sexual, com o objetivo de reduzir as desigualdades e combater as discriminações, ou mesmo situações de assédio, violência sexual, prevenção de gravidez na adolescência e infecções sexualmente transmissíveis (IST).
O projeto apresenta um objetivo específico para a educação escolar indígena, do campo e quilombola (objetivo 8), o que representa um avanço em relação ao plano anterior e é motivo de comemoração. Esse objetivo, porém, só apresenta metas para a educação infantil e, mesmo assim, como já mencionado, essas metas são rebaixadas em comparação aos demais públicos. O texto também é vago quanto à implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que estão em uma das diretrizes do objetivo 8, a saber: ‘Garantir, nos currículos das redes de ensino, a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, com o objetivo de considerar a riqueza e a contribuição da diversidade negra, quilombola e indígena para a compreensão da cultura e da história nacional.’ No entanto, sem uma meta clara de como será garantido isso, essa proposta fica vaga e fadada ao esquecimento.
Como podemos constatar, há avanços, mas muito tímidos quando a nossa luta é por uma educação realmente antirracista e antissexista. Precisamos de mais ousadia e avanços verdadeiros, com metas transparentes sobre como deve ser a implementação de tais políticas.
Diante desse cenário, uma campanha nacional liderada pelas organizações Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), N’Zinga – Coletivo de Mulheres Negras e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), com apoio do Fundo Malala, busca garantir que o novo PNE priorize uma educação antirracista e antissexista, com financiamento adequado e foco em escolas periféricas, quilombolas e rurais, além de assegurar o protagonismo de meninas e adolescentes negras na construção de propostas para a educação brasileira.

Buscamos mobilizar a sociedade e sensibilizar parlamentares sobre a importância de uma política educacional inclusiva, que combata as desigualdades raciais e de gênero de forma estruturada, culminando em um encontro em Brasília para entregar propostas diretamente ao Executivo e ao Legislativo. Neste momento, acontece uma mobilização social através de uma petição online Abaixo-assinado · Transforme a educação: Por um novo plano nacional de educação justo e igualitário – Brasil · Change.org, que pode ser assinada por todas as pessoas interessadas a fazer parte da construção de um futuro educacional mais justo para todas e todos! A educação brasileira precisa deixar de ser palco de desigualdades e se tornar espaço de emancipação e oportunidades.
Benilda Brito é coordenadora do Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras.
Cleo Manhas é assessora Política do Inesc.
Dyarley Viana é assessora Política do Inesc.
Gal Almeida é ativista da educação.
Givania Silva é cofundadora da CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.
Márcia Cristina Américo é educadora pelo CONAQ.
Paula Ferreira é pedagoga e Ativista Pela Educação do Fundo Malala.
Rafaela Rodrigues é doutoranda em Antropologia Social.
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