Um suave torpor envolve a rodoviária de Agadèz nesta manhã de quarta-feira. A estação quente se aproxima. No amanhecer, um véu de poeira caiu sobre a cidade. Mas não é a meteorologia que explica a escassez de viajantes. “Não há mais viajantes há muito tempo”, lamenta um atendente. “As pessoas que vão para o norte estão se escondendo”, continua, deitado em uma esteira ao lado de um colega adormecido.
Chamada pelas agências de turismo de “a porta do deserto”, Agadèz, principal cidade do norte do Níger, já não merece esse nome. Antigamente, porém, a rodoviária central, de onde saíam os comboios em direção à cidade de Dirkou e depois à Líbia, era o coração de Agadèz. Toda segunda-feira, dezenas e dezenas de veículos, às vezes duas centenas deles, seguiam para o deserto, transportando gado e passageiros. Estes, oriundos da África Ocidental e, mais raramente, do centro ou do leste do continente, tentavam, em sua maioria, chegar à Líbia e, inch’Allah, à Europa. Escoltados pelo Exército até a fronteira com a Líbia, os comboios eram, para quem neles seguia, sinônimo de grandes esperanças e, para os habitantes de Agadèz, uma lufada de ar fresco. “Toda a cidade vivia disso”, suspira, com o pensamento longe, Mahaman Sanoussi, um conhecido ativista local. “A migração era lícita. Os transportadores estavam bem estabelecidos. Eles pagavam seus impostos como qualquer empresário. A Lei 2015-36 mudou tudo”.
Descrita como um flagelo no norte do Níger, a lei de 26 de maio de 2015 “sobre tráfico ilícito de migrantes” tornou ilegal, do dia para a noite, o que antes era um comércio como qualquer outro, colocando na prisão dúzias de jovens do país. O ano de 2015 foi aquele em que a União Europeia construiu um muro invisível para barrar os migrantes vindos do sul; o ano da Agenda Europeia da Migração e da cúpula de La Valette. Reunidos na capital maltesa, os 28 membros do bloco dedicaram-se a pensar em uma forma de externalizar sua luta contra a imigração, com a cumplicidade de alguns Estados africanos. A União Europeia sabe bem como convencer seus “parceiros”: quantias colossais (mais de 2 bilhões de euros) foram prometidas a governos sem dinheiro para “acompanhá-la” na retenção daqueles que queriam tentar a grande viagem. Um Fundo Fiduciário de Emergência “em prol da estabilidade e da luta contra as causas profundas da migração irregular e do fenômeno das pessoas deslocadas na África” financia muitos projetos no contexto do que a Comissão Europeia chama de uma “cooperação sob medida”1 com a Nigéria, o Senegal, a Etiópia, o Mali e o Níger.
Principal destino da “ajuda” de Bruxelas
Fazendo fronteira com a Argélia e com a Líbia, o Níger ocupa um lugar central na estratégia europeia. Após a liquidação do regime de Muamar Kadafi pela coalizão franco-britânica, em 2011, Agadèz se tornou o principal ponto de passagem para o Velho Continente. Em 2016, cerca de 400 mil migrantes teriam passado por ali, a caminho do Magreb2 e, depois, para muitos deles, rumo ao Mediterrâneo. Assim, em 2015, a União Europeia elegeu a cidade como um dos principais alvos de sua política de contenção migratória. País mais pobre do mundo, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Níger enfrenta muitas ameaças em suas fronteiras: Boko Haram no sudeste, grupos armados malineses no noroeste, milícias tubus no norte. O Estado liderado por Mahamadou Issoufou, aliado da França, precisa de dinheiro e de apoio militar. O Fundo Fiduciário de Emergência alocou ali, em três anos, mais do que em qualquer outro país, 266,2 milhões de euros. O discurso oficial da ajuda ao desenvolvimento e da luta contra o tráfico de seres humanos não é suficiente para esconder um objetivo muito mais prosaico: conter, se necessário à força, o fluxo de migrantes para a Europa (ver boxe).
Parte dos fundos deve ser usada para a reconstrução do Estado e para o controle das fronteiras: fortalecimento das forças de segurança nigerianas pela criação de uma unidade de elite contra as migrações e implementação de uma equipe conjunta de investigação para perseguir “redes criminosas ligadas à imigração irregular”. Criada em 2012, a Missão Civil de Reforço das Capacidades da União Europeia (Eucap-Níger) também foi chamada a contribuir, por meio de uma antena instalada em Agadèz. Desde 2015, sua “unidade de migração” organiza treinamentos para as forças de segurança, além de distribuir equipamentos. Oficialmente, os policiais vindos dos quatro cantos da Europa não intervêm em campo: eles coletam informações e transmitem conhecimento técnico.
A elaboração da Agenda Europeia da Migração e a adoção da Lei 2015-36 foram praticamente simultâneas. Dentro do governo nigerense, ninguém nega: a lei foi inspirada, se não imposta, pela Europa – aliás, ela foi parcialmente redigida por funcionários franceses. “Houve pressões, é verdade”, admite que o general Mahamadou Abu Tarka, presidente da Alta Autoridade para a Construção da Paz (HACP), órgão ligado à presidência e responsável pelo monitoramento da implementação da lei. “Mas já pensávamos nisso havia algum tempo. Desde 2012, a explosão dos fluxos migratórios tornou-se uma grande preocupação para nós. Nós a toleramos no início, principalmente porque era uma forma de nossos cidadãos ganharem a vida. Mas ela era uma fonte de tráficos diversos. Quando a Europa disse: ‘Vamos lhe dar o dinheiro’, aproveitamos a oportunidade.” Como adverte um ditado local: “Quando você está no fundo de um poço, aceita qualquer coisa que venha de cima, até uma cobra”.
Agora, qualquer pessoa que ajude um migrante a entrar ilegalmente no território, ou a sair dele, em troca de algum benefício financeiro ou material pode ser punida com prisão de cinco a dez anos e multa de até 5 milhões de francos CFA (7.630 euros). Oferecer ajuda durante a estadia – abrigar, alimentar, fornecer roupas – resulta em penas de dois a cinco anos de prisão. Desde 2016, cerca de trezentas pessoas, motoristas ou “passadores”, foram presas, e mais de trezentos veículos foram apreendidos.
Os defensores da lei têm o cuidado de especificar que ela incrimina os passadores, não os clientes. Mas, para estes, que muitas vezes deixaram tudo na esperança de ingressar na Líbia, na Argélia e até na Europa, a lei parece muito com uma punição. Qualquer pessoa que não consiga provar sua nacionalidade nigerense e esteja viajando ao norte de uma linha que vai de Agadèz a Dirkou – ou seja, várias centenas de quilômetros distante das fronteiras com a Argélia e a Líbia – é considerada candidata à imigração clandestina. Uma simples presunção basta para mandá-la de volta para o sul do país, às vezes após passar alguns dias na prisão. “Na realidade, a aplicação da lei provocou uma proibição de fato de qualquer deslocamento ao norte de Agadèz […]. Além disso, a falta de clareza do texto e sua aplicação repressiva – em vez da tentativa de proteger as pessoas – levaram à criminalização de qualquer migração, pressionando os migrantes a se esconder, o que os torna mais vulneráveis a abusos e a violações dos direitos humanos”, constatou em outubro de 2018 o relator da ONU para os Direitos Humanos dos Migrantes, Felipe González Morales, após uma missão no Níger.3
Para a Europa, a política é um sucesso. Mas a que preço? Segundo a Eucap-Níger, as chegadas à Itália caíram 85% em três anos. De 2016 para 2018, o número de migrantes fazendo parada em Agadèz passou de 350 para menos de cem por dia. No posto de Séguédine, localidade situada no deserto entre Dirkou e a fronteira com a Líbia, o número de pessoas registadas passou de 290 mil, em 2016, para 33 mil, em 2017. No entanto, como frequentemente ocorre em tempos de proibição, a atividade não parou: as pessoas simplesmente arrumaram um jeito de desaparecer dos radares, o que torna incerto qualquer cálculo dos fluxos. De acordo com um pesquisador que vive no Níger e acompanha de perto a mudança das rotas de migração (e que pediu anonimato), “foram principalmente os ‘pequenos’ transportadores que foram afetados; os ‘grandes’, que têm contatos políticos e meios para subornar as forças de segurança, continuam”. Nesse país minado pela corrupção, algumas dezenas de milhares de francos CFA (10 mil francos CFA = R$ 65) por passageiro bastam para comprar o silêncio das patrulhas.
Passageiros abandonados no deserto
O visível tornou-se invisível e, portanto, incontrolável: modificadas para escapar dos controles, as estradas tornaram-se mais perigosas; os “guetos”, grandes casas onde os migrantes se abrigam e se alimentam em Agadèz, tornaram-se clandestinos, às vezes parecendo uma prisão cujos ocupantes não podem sair sem correr o risco de serem pegos; os preços triplicaram; quando surpreendidos pela aproximação de policiais, transportadores abandonam passageiros, às vezes crianças, no deserto.4 Para os habitantes da região, a vida cotidiana se deteriorou. Segundo vários estudos, mais da metade das famílias de Agadèz vivia da migração; quase 6 mil empregos diretos dependiam dela: passadores, coxers (intermediários), proprietários de “guetos”, motoristas. E milhares de outros eram indiretamente beneficiados: cozinheiros, comerciantes, motoristas de táxi, bem como suas famílias.
Mohamed Abdul Kader é uma das pessoas atingidas. No bairro situado próximo ao centro histórico, ele é chamado de “Boss”. Com 48 anos, nascido em Agadèz, Boss viveu por um tempo na Líbia. Ele começou a abrigar migrantes no fim dos anos 1990. O “negócio” estava engatinhando. As estradas para a Mauritânia e para o Marrocos via Mali tinham acabado de ser fechadas por causa da rebelião tuaregue.5 Assim, a rota do Níger se impôs naturalmente: localizada na intersecção de várias rotas comerciais, Agadèz sempre foi um lugar de passagem para o sal, para os escravos, para o gado… “Em 2002, criei uma agência de viagens”, conta Boss. “Tínhamos um escritório na rodoviária. Na época, os migrantes vinham de ônibus, depois partiam para Dirkou em caminhões basculantes. Dali, pegavam um 4×4 para chegar à Líbia.” Ao longo dos anos, os clientes foram se tornando cada vez mais numerosos. Boss expandiu sua rede: seus contatos o procuravam da Nigéria, de Gana, da Gâmbia, do Senegal e de Burkina. Depois de receber os viajantes, ele cuidava de tudo até a partida deles: documentos, hospedagem, alimentação. “Era uma atividade de transporte bastante comum. Tínhamos de estabelecer uma relação de confiança entre os clientes, seu ‘padrinho’ no país, que nos contatava, e nós. Tínhamos de fazer as coisas corretamente, garantir que os clientes chegassem com segurança e saúde, se quiséssemos ter outros”, explica, ciente de que a imagem dos “passadores” mudou.
Tudo era organizado em detalhes. Quando os candidatos ao exílio chegavam à barreira de entrada da cidade, pagavam uma taxa informal aos policiais. Uma vez na rodoviária, ficavam a cargo das agências. Homens os conduziam ao seu “gueto”.6 Quando saíam, pagavam novamente uma taxa na saída da cidade, que retornava para o município. A taxa de 1.100 francos CFA (R$ 7,10) por pessoa era uma pequena fortuna. Para o município, as receitas poderiam variar de 3 milhões a 7 milhões de francos CFA (R$ 19,5 mil a R$ 45,5 mil) por semana. Esse dinheiro ajudou a financiar muitos projetos.
As regras eram as mesmas em todos os lugares, e os preços também: para chegar à Líbia, era necessário pagar 150 mil francos CFA (R$ 950). É caro para um africano. Para um nigerense, é uma fortuna. “Eu ganhei muito dinheiro”, confirma Boss. “Nas melhores épocas, havia quinze pessoas trabalhando comigo. Por semana, eu mandava entre 400 e 450 migrantes para a Líbia. Ganhávamos 5 milhões de francos CFA [R$ 32,5 mil] por semana”. Às segundas-feiras, dia de comboio, os bancos e as agências de transferência de dinheiro ficavam lotados. O mercado era uma festa.
A cada partida, as agências tinham de dar à polícia um roteiro com o nome e a nacionalidade dos passageiros. O governo chegou até a incentivar os antigos rebeldes tuaregues e tubus, que haviam pegado em armas na década de 1990, a se lançar nessa atividade, para abandonar de vez a guerra. “Eles tinham veículos, não tinham trabalho, conheciam as estradas…”, argumenta Mohamed Anako. Tendo se tornado presidente do conselho regional de Agadèz, aquele que fora um dos líderes da primeira rebelião tuaregue (1991-1995) imaginou essa reconversão quando dirigia a HACP. “Então os incentivamos a entrar nesse negócio. Tomamos medidas para ajudá-los a regularizar os veículos e a se registrar. Tudo era legal e, além disso, eles nos informavam sobre o que estava acontecendo no deserto.”
As dificuldades começaram após a queda de Kadafi, em 2011. O “guia” fazia o trabalho da guarda costeira europeia. Era quase impossível chegar ao mar para alcançar o Velho Continente. Em compensação, podia-se ficar na Líbia por quanto tempo se desejasse. Não faltava trabalho, e ele era bem remunerado. “Quando Kadafi caiu, as portas da Europa se abriram. Foi como uma lufada de ar. Começaram a chegar mais e mais migrantes”, lembra Boss. O número de migrantes em trânsito na cidade teria quadruplicado entre 2013 e 2016. Nesse último ano, a polícia de Agadèz contabilizou cerca de setenta “guetos”.
Para Boss, foi uma época de concorrência. Muitos nigerenses que viviam na Líbia fugiram da guerra e do caos e foram para o transporte de migrantes. Os recém-chegados não respeitavam todas as regras estabelecidas pelos veteranos. “Bandidos sem fé nem lei”, segundo um mediador social, que não hesitavam em extorquir os migrantes em pleno deserto, para abandoná-los diante do mais leve problema ou vendê-los às milícias – que os extorquiam novamente – assim que chegavam à Líbia. Foram esses crimes, somados ao tráfico de produtos ilícitos (drogas, tabaco, armas), que levaram as autoridades a reagir e a cooperar com a União Europeia.
Assim como a casa de Boss, o “gueto” de Mohamed D., na periferia da cidade, esvaziou-se. Nas paredes do pátio há vestígios da passagem de clientes antigos: um nome, um número de telefone. “Não tenho mais nada”, resmunga o antigo passador. “Meus dois veículos foram apreendidos. Passei seis meses preso. Não tenho mais renda.” O dinheiro que ganhou durante a época de abundância? “Comi. Toda a minha família comeu”.
A frustração é ainda maior pelo fato de que a lei chegou sem dar aviso. Ninguém em Agadèz sabia o que estava acontecendo. “Era uma segunda-feira”, lembra um passador. “Todos os veículos carregados com migrantes foram parados na saída de Agadèz. Pensamos que havia algum problema de segurança no deserto. Mas não. Os motoristas foram jogados na cadeia e os veículos foram apreendidos. Só depois nos explicaram a lei.” Anako, que não se opõe à proibição das atividades, lamenta que as autoridades não tenham levado em conta a situação socioeconômica da região nem preparado sua conversão econômica. “Teria sido necessária uma transição para encontrarmos uma alternativa. Os projetos financiados pela União Europeia podem até dar resultado, mas em quantos anos? O problema é que as pessoas precisam de trabalho hoje. E não há nenhum.”
Na década de 1980, Agadèz recebia milhares de turistas vindos da Europa e da América para conhecer o deserto do Ténéré, as dunas de Bilma e as montanhas de Aïr. A cidade vivia então no ritmo dos grandes aviões que pousavam na pista de seu aeroporto internacional. Mas os visitantes desapareceram após a segunda rebelião tuaregue, em 2007, com a classificação da cidade como zona vermelha (“formalmente desaconselhável”) pelo Ministério das Relações Exteriores da França. Quanto às minas de urânio, elas estão em declínio, como todo esse setor.7
Com o Fundo Fiduciário de Emergência, a União Europeia financiou um programa de reintegração, oferecendo 8 milhões de euros (5% dos fundos disponíveis) aos outrora envolvidos no setor da migração. Chamado de Plano de Ação de Impacto Econômico Rápido em Agadèz, seu nome não corresponde muito à verdade. Cada “antigo prestador de serviços” recenseado que tem seu projeto de conversão validado recebe uma ajuda de 1,5 milhão de francos CFA (2.290 euros). Mas o processo é lento: apenas 400 dos 5 mil casos foram tratados. Quase 1.500 foram reprovados, inclusive os dos proprietários de “guetos” e veículos. A União Europeia os considera privilegiados – de fato, eles ganharam, durante anos, somas colossais, se comparado com o padrão de vida dos nigerenses –, ou, pior, criminosos. Para as autoridades da Eucap-Níger, deve-se ter em mente que a atividade é “antes de mais nada tráfico de seres humanos” e que as pessoas que vivem disso “bebem as lágrimas de seus irmãos”. Mas a realidade vivida pelas populações é muito diferente, mesmo considerando que haja criminosos entre os antigos passadores. O pesquisador já citado esclarece que os passadores ganham, realmente, muito dinheiro, mas que as fortunas acumuladas são resultado do agravamento da situação econômica e política no Sahel, e não de uma extorsão vergonhosa dos migrantes: “Os preços estavam corretos perante a lei. Se eles ganharam tanto dinheiro, foi por causa da amplitude do fenômeno e do grande número de clientes”.
Antigo passador, Bachir Amma agora preside o Comitê de Ex-Prestadores de Serviços da Migração, associação criada em 2016 para intermediar a relação entre os provedores de fundos, as autoridades e as pessoas outrora sustentadas pelas atividades relativas à migração. Em seu escritório, uma loja no estádio de futebol de Agadèz, onde treinam diariamente as equipes do clube que ele mesmo dirige, Amma admite que houve abusos na gestão dos pedidos: “Alguns candidatos nem eram prestadores de serviço da migração. Eles tinham relações, eram de boas famílias, e souberam se aproveitar do dinheiro disponível”. A União Europeia perturbou a economia local e causou frustração. “Fomos enganados”, lamenta. “Prometeram que o dinheiro chegaria rápido. Três anos depois, 371 projetos foram financiados. Para nós, isso não é reconversão da economia, é apenas uma ajuda de emergência. Eles oferecem 1,5 milhão de francos CFA a pessoas que ganhavam 5 milhões por semana! Isso é ridículo. Como esperam que aceitem isso?”
Abertura de um campo da ONU
O que será daqueles que não têm emprego, especialmente os jovens? O banditismo já aumentou: assaltantes de estradas extorquem os migrantes, antigos passadores convertem-se ao tráfico – abundante – de drogas; outros vendem seus serviços aos muitos grupos armados que pontilham a “zona das três fronteiras” entre o Níger, o Chade e a Líbia. Em 2016, uma rebelião tubu, nascida nas províncias de Kawar e Manga, a leste de Agadèz, reivindicava a restituição dos veículos apreendidos por causa da lei.
A “porta do deserto”, no entanto, não acabou com as migrações. Por um curioso efeito de pêndulo, a cidade, outrora centro de passagem para os fluxos que iam do sul para o norte, tornou-se o principal ponto de trânsito para os que fazem a viagem na direção oposta. Em 2016, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) criou, na periferia norte da cidade, um centro de acolhimento para migrantes expulsos da Argélia e da Líbia. Em 2017, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) construiu um acampamento, 12 quilômetros ao sul da cidade, para acomodar cerca de 2 mil sudaneses que pedem asilo após fugirem de abusos na Líbia. Sua chegada repentina criou tensões em Agadèz. “Fazem tanto por esses migrantes, mas nós, que perdemos nosso emprego, não recebemos nada. Onde está a justiça?”, lamenta Mohamed el-Hadi, ex-coxer.
Antes recebidos de braços abertos, os migrantes se tornaram uma fonte de divisão: despertam inveja e preocupação. Círculo vicioso: a lei os dissuade de passar para a Líbia, ao mesmo tempo que os impede de se estabelecer na região de Agadèz, pois a população local teme ser acusada de tráfico. Antigos passadores começaram a perseguir os migrantes em nome da União Europeia. Como na Líbia, para cujas milícias a Europa terceiriza a vigilância de sua fronteira,8 a perseguição aos migrantes clandestinos está se tornando, no Níger, uma fonte potencial de renda para aqueles que antes os ajudavam.
Rémi Carayol é jornalista.
1 “Managing migration in all its aspects: progress under the European Agenda on migration” [Gestão da migração em todos os seus aspectos: progressos no âmbito da Agenda Europeia para a Migração], comunicação da Comissão Europeia, Bruxelas, 4 dez. 2018.
2 Jérôme Tubiana e Claudio Gramizzi, “Lost in Trans-nation. Tubu and other armed groups and smugglers along Libya’s Southern border” [Perdido na transnação. Contrabandistas, tubus e outros grupos armados na fronteira sul da Líbia], Small Arms Survey, Genebra, dez. 2018. Disponível em: <www.smallarmssurvey.org>.
3 “Déclaration de fin de mission du rapporteur spécial des Nations unies sur les droits de l’homme des migrants, Felipe González Morales, lors de sa visite au Niger (1er-8 octobre 2018)” [Declaração final de missão do relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos dos Migrantes, Felipe González Morales, durante visita ao Níger (1º-8 de outubro de 2018)], Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Genebra, 8 out. 2018. Disponível em: <www.ohchr.org>.
4 Fransje Molenaar, Jérôme Tubiana e Clotilde Warin, “Caught in the middle. A human rights and peace-building approach to migration governance in the Sahel” [Preso no meio do caminho. Uma abordagem de direitos humanos e construção da paz para a governança da migração no Sahel], Institut Clingendael, Haia, dez. 2018. Disponível em: <www.clingendael.org>.
5 Ler Philippe Baqué, “Des Touaregs doublement dépossédés” [Tuaregues duplamente expropriados], Le Monde Diplomatique, fev. 1993.
6 Cf. Julien Brachet, “Migrants, transporteurs et agents de l’État: rencontre sur l’axe Agadez-Sebha” [Migrantes, transportadores e agentes do Estado: encontro no eixo Agadèz-Sebha], Autrepart, n.36, Marselha, abr. 2005.
7 Ler Juan Branco, “Aux sources du scandale UraMin” [Na fonte do escândalo UraMin], Le Monde Diplomatique, nov. 2016.
8 Cf. Fransje Molenaar e Nancy Ezzedinne, “Southbound mixed movement to Niger. An analysis of changing dynamics and policy responses” [Movimento misto em direção ao sul do Níger. Uma análise das dinâmicas de mudança e das respostas políticas], Institut Clingendael, dez. 2018.