Airbnb e queijo de cabra
Já se vê que a datcha pode ser um paraíso hedonista ou um ganha-pão. Por que escolher? Desempregados e funcionários mal pagos, aposentados mal recompensados pelo trabalho de uma vida inteira, estudantes idealistas ou operados convalescentes vão buscar lá as soluções para seu problema.
A paixão dos russos pela datcha arrefeceu, mas o sonho de uma horta própria continua no centro das preocupações de uma grande maioria. Entre a saudade e a adaptação às exigências da vida urbana capitalista, os apaixonados pela datcha constroem de novo, com materiais reciclados.
Alguns reproduzem exatamente o modelo dos anos 1960. Como Serguei e Olessia Tolstykh, que herdaram uma datcha perto de Dmitrov, 100 quilômetros ao norte de Moscou. Esse casal, na casa dos 30 e sem filhos, pouco atraído por viagens ao estrangeiro, decidiu na primavera de 2018 consagrar os fins de semana e as férias de verão a recuperar sua cabana, com uma horta de 12 metros quadrados, fruto de uma partilha familiar e abandonada durante pelo menos vinte anos. Como inúmeros moscovitas, eles não têm carro e organizam sua logística combinando serviço público e novas tecnologias. Ir à datcha, mesmo com os engarrafamentos de trânsito da sexta-feira à noite, não lhes toma mais que duas horas. Primeiro, um táxi até a estação, depois o elektritchka (trem de subúrbio). Pouco mais à frente, na estação Quilômetro 94, chamam um táxi pelo Yandex a fim de percorrer os 5 quilômetros restantes até o loteamento Drujba n. 6. Em qualquer ocasião, feriado ou fim de semana prolongado, eles convidam amigos e parentes, pedindo-lhes contribuição: cada qual entra com conselhos técnicos, encorajamento e ferramentas para os jovens de entusiasmo contagiante. Uma boa corrente de ar fresco e alguns espetinhos assados no quintal recompensam essa mão de obra animada e benévola. A cabana já recebeu um novo isolamento e uma tripla camada de tinta. Um vizinho tratorista limpou o quintal dos detritos que o atravancavam. Como na época soviética, as instalações da residência se alimentaram de tudo o que era posto de lado na cidade. “Isto vai servir na datcha” é o mantra do cidadão que quer renovar seus equipamentos sem peso na consciência: a geladeira velha, o sofá desbotado, as cadeiras desaparelhadas ou as roupas fora de moda encontram uma nova juventude lá longe. Trabalhos manuais e horticultura são as atividades típicas da datcha. Projeto deste ano: concluir a transformação da varanda e colher os primeiros legumes “de casa”.
Outros procuram e encontram abordagens novas que inscrevem sua residência na nova realidade russa. Já se vê que a datcha pode ser um paraíso hedonista ou um ganha-pão. Por que escolher? Desempregados e funcionários mal pagos, aposentados mal recompensados pelo trabalho de uma vida inteira, estudantes idealistas ou operados convalescentes vão buscar lá as soluções para seu problema.

O movimento dos downshifters assumiu nos anos 2000 proporções de uma epidemia na Rússia, a ponto de essa palavra inglesa entrar para o vocabulário russo corrente. Quando a inflação dos aluguéis ultrapassou rapidamente os aumentos salariais, muitos decidiram se aproveitar disso para melhorar de vida. A fim de transformar seu apartamento moscovita em fonte de renda estável, bastava reabilitar sem demora a datcha abandonada, instalar a internet e transferir para lá o guarda-roupa. Essa vida de rentista (modesto) tenta principalmente os aposentados, coagidos com frequência a completar suas pensões aceitando bicos.1 Tanto mais que muitos se tornaram proprietários exercendo o direito à privatização gratuita de sua casa (aberta em 1992 a todos os cidadãos maiores de 16 anos inscritos no programa). É o caso de Olga Zaluchenova, jovem aposentada que passa agora dias tranquilos numa datcha reformada perto de Podolsk. Como tem carro, pode ir à cidade várias vezes por semana a fim de ver a filha, visitar exposições ou assistir com amigas a apresentações no conservatório.
Outros utilizam a datcha para resolver um problema passageiro. Quando Macha e Nikolai Kulaguine conseguiram se tornar proprietários no centro de Moscou, apressaram-se em planejar os trabalhos de reforma do futuro apartamento. Enquanto durarem as obras, ficarão instalados na datcha. Esperam que isso não vá além de seis meses, devido ao estresse de seu atual modo de vida, que os obriga a encarar dois empregos exigentes, a gestão das obras e a logística do cuidado dos filhos. Entre a residência antiga e a cabana de madeira que agora habitam, a diferença é total. Têm eletricidade apenas em dois cômodos, nada de água quente e devem contar com o 4G para a conexão com a internet. O aquecimento é garantido por um antigo fogão a lenha de faiança. Mas nada de insuperável para esses velhos viajantes que percorreram a Europa Oriental de mochila nas costas. De resto, aproveitarão esse tempo para fazer as melhorias e reformas mais necessárias em sua residência secundária de 100 metros quadrados, toda de madeira e com venezianas à moda antiga. Quando voltarem para a cidade, tentarão fazer de sua datcha habitável o ano inteiro um complemento de renda, pondo-a para alugar no Airbnb. O aluguel de curta duração, “datcha sem preocupações”, como ouviram dizer, está a todo vapor.
Finalmente, os mais empreendedores procuram literalmente voltar para a terra. Aproveitando a queda do preço dos terrenos, jovens entusiastas se instalam no campo, enfrentando o sarcasmo do pessoal da região e tentando aproveitar a oportunidade. Criação de cabras, hortas orgânicas e vida ao ar livre são o cotidiano de Valeria e Mikhail Bajan, dois diplomados da cidade de Tver, ao norte de Moscou, que se cansaram de seu apartamento exíguo e do trabalho de escritório. Após alguns contratempos que relatam com humor, conseguiram montar um negócio viável. Por causa dos preços exorbitantes da ligação à rede elétrica, Mikhail decidiu optar pela autoprodução com um equipamento eólico e painéis solares, que ele próprio instalou. Aos poucos, três outros casais vieram se juntar à sua iniciativa, que agora parece mais uma kolkhoze (fazenda coletiva) que uma horta de periferia. No total, a propriedade se estende por 50 hectares, produzindo queijos de cabra, mel, chá, cosméticos naturais, óleo de linhaça, batatas e legumes orgânicos que encontram, nos colarinhos-brancos da região, uma clientela entusiasta.
Os Bajan podem documentar sua vida campesina na internet, mas não contam com seus 195 seguidores para ganhar uns trocados. Entretanto, são muitos os blogueiros e youtubers que conseguem lucrar com sua paixão na rede. Criam e animam tutoriais que descrevem a cultura de hortaliças, a construção ou reparação de cabanas, a apicultura ou as alegrias simples da vida ao ar livre… “Conselhos do horticultor preguiçoso”, “A datcha que funciona” ou “Mini Farmer” sonham com o sucesso de Tatiana, criadora do site A Horta Produtiva, que conta com 1 milhão de seguidores. Em vídeos sem artifício ou pretensão, ela explica com voz monocórdia seus métodos e abordagens, dá conselhos prudentes e ensina pequenos truques que facilitam a vida.
No fim de O jardim das cerejeiras, de Tchecov, a senhora Ranievskaia exclama, nostálgica: “Ah, meu jardim das cerejeiras, meu querido e belo jardim das cerejeiras! Minha vida, minha juventude, minha felicidade, adeus… adeus!…”. Voltando da Suíça, ela compreende que deverá ceder sua propriedade há muito negligenciada a um certo Lopakhine, que ali construirá chalés de férias para os moradores da cidade. Quadro premonitório da crise atual das datchas: abandonadas pelos russos, que preferem férias no estrangeiro, retomadas por outros russos mais empreendedores, que esperam fazer delas seu ganha-pão.
Christophe Trontin é jornalista.
1 Ver Karine Clément, “Le visage antissocial de Vladimir Poutine” [A face antissocial de Vladimir Putin], Le Monde Diplomatique, nov. 2018.