“A qualidade do alimento orgânico é igual ao alimento convencional”
Não é. E para mostrar isso é possível analisar, pelo menos, quatro aspectos. O mais impactante é a toxicidade. Orgânicos são isentos não só de agrotóxicos, mas também de fertilizantes químicos sintéticos, sementes transgênicas, drogas veterinárias e, se forem industrializados, não têm aditivos químicos sintéticos (corantes, aromatizantes, conservantes, emulsificantes etc), e não sofrem irradiação. O consumidor precisa pensar nisso. O agrotóxico é só uma parte da luta que precisamos travar com a agroindústria de alimentos.
Outro aspecto que é recorrentemente abordado é o valor nutricional dos orgânicos. Os orgânicos não têm mesmo maior valor nutricional que os convencionais. Têm melhor valor nutricional. Vamos fazer uma relação com o ser humano. Quando comemos demais, não quer dizer que estejamos bem nutridos. E, se comemos pouco e mal, ficamos desnutridos. O ideal, então, é ingerirmos a qualidade e a quantidade de nutrientes adequada para a nossa espécie. Nas plantas é a mesma coisa. O solo deve fornecer o necessário, não o excesso. Um solo saudável, enriquecido com adubos orgânicos, é rico em muitos tipos de minerais. Os vegetais cultivados convencionalmente à base de fertilizantes sintéticos – compostos de nitrogênio, fósforo e potássio de alta solubilidade, o adubo NPK – acabam absorvendo grandes quantidades de poucos nutrientes. Tal fato cria um desequilíbrio interno na planta que adoece e, por consequência, necessita de mais agrotóxicos. Ou seja, absorver mais de poucos nutrientes não forma um alimento mais saudável. Já a planta cultivada organicamente tem à sua disposição uma riqueza enorme de minerais e absorve somente os nutrientes que precisa para cada espécie. Assim, tem um equilíbrio no valor nutritivo em geral. Não me refiro especificamente a carboidratos, lipídios e proteínas, que, tanto nos alimentos orgânicos como nos convencionais, são formados pela ação da luz solar, via fotossíntese. No teor desses macronutrientes os dois alimentos tendem ser muito semelhantes. Por isso, muitos especialistas afirmam que não há grandes diferenças de valor nutritivo entre orgânicos e convencionais. Nem é para ter mesmo.
O que diferencia o alimento orgânico do convencional em termos nutricionais é a qualidade do solo, e consequentemente o teor de minerais e outros compostos químicos. Existem estudos que mostram que o teor dos minerais nos alimentos diminuiu muito por causa dos métodos da agricultura convencional. Por isso, os nutricionistas receitam cada vez mais suplementos sintéticos. Os solos estão pobres; os alimentos produzidos neles também. Também é comprovado por meio de pesquisas que os alimentos orgânicos têm maior teor de fitoquímicos – substâncias como isoflavona, sulforaceno e licopeno, foco da nutrição funcional que conferem qualidades terapêuticas aos alimentos.
E, no caso de alimentos de origem animal, os orgânicos têm, comprovadamente, gordura de melhor qualidade, porque os animais criados organicamente têm a possibilidade de caminhar, ciscar e viver de acordo com sua espécie. Aí também podemos comparar com o ser humano: quando fazemos exercícios regularmente, temos gordura corporal de melhor qualidade. Há várias pesquisas que comprovam que os alimentos orgânicos de origem animal (carnes, leites, ovos) têm taxas iguais de ômegas 3 e 6, maior teor de ácidos graxos insaturados e menores teores de ácidos graxos saturados. É bom ressaltar que o teor de gordura nos produtos de origem animal orgânicos também não é maior nem menor. É melhor.
Por fim, outro aspecto de qualidade; as características sensoriais: sabor, cor, textura. O alimento orgânico é mais saboroso – ou, pelo menos, mantém o sabor original esperado para a espécie, já que gosto não se discute. Substâncias determinantes do sabor nos alimentos são reduzidas pelo efeito de fertilizantes à base de nitrogênio. Características de coloração mais intensas nas verduras e frutas, além de tecidos e cascas mais firmes nos ovos e carnes, podem ser observadas nos alimentos de origem orgânica. Além disso, por absorver menos quantidade de água na ausência de fertilizantes sintéticos de alta solubilidade, os orgânicos duram mais.
Resumidamente, orgânicos têm menos toxicidade, melhor valor nutricional, características sensoriais originais e duram mais. São de melhor qualidade. Não tem controvérsia. Aceita que dói menos. E nem citamos aqui que a agricultura familiar orgânica promove ainda a saúde ambiental e a saúde social, conceitos fundamentais para a saúde coletiva. Só não vê quem continua pensando que o maior risco que o Brasil sofre é econômico.
*Elaine de Azevedo é nutricionista e doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisadora em Sociologias da Saúde, Ambiental e da Alimentação.
Série – Agronegócio e agrotóxicos versus agricultura familiar e alimentos orgânicos
Produzida a partir de controvérsias que circulam na mídia pela professora da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisadora em Sociologias da Saúde, Ambiental e da Alimentação, Elaine de Azevedo, esta série pretende analisar as dimensões éticas, sociais, econômicas, políticas, ambientais e de saúde implícitas a esses dois sistemas agroalimentares que não encontram sintonia entre si porque têm diferentes objetivos que precisam ser compreendidos. Confira os artigos:
1 A agricultura orgânica e sua capacidade de produzir comida para alimentar a população mundial
2 “Agrotóxico não faz mal. A agricultura convencional é a responsável pelo aumento da longevidade e diminuição da fome no mundo”
3 “Alimento orgânico é uma questão de esquerda e é inacessível para a maior parte da população”
4 “O agronegócio é que produz comida”
5 Venenos na agricultura: quem ganha com isso e como diminuir?
6 “A qualidade do alimento orgânico é igual ao alimento convencional”