Disputando a mudança social
Evento organizado pela Editora Boitempo em comemoração aos 206 anos de Karl Marx movimenta debates sobre a esquerda e o futuro da luta revolucionária no Brasil
Em um sábado de calor na capital paulista, algumas centenas de pessoas se reuniram no Galpão do MST para comemorar os 206 anos de Karl Marx e os 40 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O evento anual, organizado pela editora Boitempo, movimentou uma série de debates frequentemente esquecidos por uma esquerda que se divide entre um idealismo que se contenta com pouco e uma apatia que se esqueceu que a luta revolucionária implica pensar no futuro.

Entre refeições que serviam “comida de verdade”, da horta do MST, livros com preços especiais e até um bolo em homenagem ao aniversário do filósofo, as conversas fluíram entre temas como anticolonialismo, transformação social, e, é claro, marxismo. A tônica dos debates, no entanto, foi a crítica à esquerda liberal, em uma tentativa de realinhar o debate político brasileiro em favor da mudança social.
Em fala durante a mesa “Por uma crítica radical da sociedade brasileira”, a vereadora Luana Alves (PSOL-SP) – que substituía a deputada Luciana Genro, impedida de ir à festa por conta das chuvas no Rio Grande do Sul – lembra que a única constante histórica é a mudança: “não podemos deixar de falar na luta revolucionária e na possibilidade de um mundo totalmente diferente do nosso. A mudança vai acontecer, só precisamos disputá-la.”
A fala da vereadora ecoa as críticas de Alysson Mascaro, filósofo do direito marxista e professor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mascaro diz que “quer entusiasticamente perder gente na luta”. Parece contraditório, mas é repetindo essa fala que o professor critica a esquerda liberal e defende que essa parcela do movimento fique bem longe das mesas de discussão, pois é ela quem “tem medo de falar em marxismo” e apenas “defende a ordem”. Com seu lançamento mais recente, Sociologia do Brasil, publicado pela Boitempo, ele busca se aproximar do povo, através do pensamento crítico de intelectuais como Florestan Fernandes, Lélia Gonzalez e Caio Prado Júnior.
Se distanciar de uma esquerda que é tão liberal quanto a direita também é o que defendeu Thiago Torres, o Chavoso da USP, durante o debate. A orientação é clara: “combater o idealismo e a ideia de que não há alternativa”. Para ele, pensar em alternativas de futuro, em diálogo com o povo, é o que deve orientar a militância brasileira hoje. No limite do capitalismo, não há mais espaço para concessões às políticas neoliberais que ainda regem os governos: “o povão não se contenta com migalhas.”
O estudante chama atenção para o Acampamento Terra Livre, que é a principal manifestação político dos povos indígenas no Brasil e, para ele, o futuro da revolução brasileira. É pensando em ações como essa que Luana Alves complementa: “precisamos lutar para que a vitória seja da classe trabalhadora. Temos que disputar pela base.”
Relembrando a importância da esquerda abandonar o distanciamento irônico em relação às massas, movendo o debate da academia às ruas, a vereadora também dialoga com o que defendeu o professor Ricardo Antunes durante o evento: é ao lado dos trabalhadores que enfrentam a precarização estrutural do trabalho e a plataformização do capitalismo que poderemos “reinventar um novo modo de vida”. Silvia Adoue arremata, lembrando o aniversariante: “não existiria Marx sem as lutas das classes trabalhadoras. É preciso acompanhar e nos deixar influenciar pelas lutas, pois elas são elas que abrirão horizontes e possibilidades de ação e transformação”.